Em fins de 1960, referenciando as
críticas de Marx a Simón Bolívar, Che Guevara escreveu: “Podem-se
apontar em Marx, pensador e investigador das doutrinas sociais e do
sistema capitalista que lhe coube viver, certas incorreções. Nós, os
latinos americanos, podemos, por exemplo, não concordar com sua
interpretação de Bolívar... Mas os grandes homens, descobridores de
verdades luminosas, vivem, apesar de suas pequenas faltas, e estas
servem apenas para demonstrar-nos que são humanos". Em todo período que
se seguiu, as palavras do revolucionário argentino foram largamente
repetidas, sobretudo, entre nós, latino americanos. A duras palavras de
Marx ao “Libertador”, encerradas em um artigo denominado Bolívar y Ponte e
em algumas outras rápidas menções no curso de sua obra, apareciam, para
muitos, como um de seus grandes equívocos. Neste sentido, muitas foram
as críticas ou tentativas de justificar as palavras de Marx direcionadas
a Bolívar. Para uns produto de sua incompreensão da especificidade da
realidade latino-americana, ou ainda, de um certo eurocentrismo presente
em seu pensamento, outros justificaram que tal artigo foi elaborado com
extrema rapidez e com finalidades unicamente financeiras. A própria
edição russa de 1959 das obras completas de Marx e Engels inclui uma
nota crítica concernente ao artigo sobre Bolívar, sustentando que os
erros existentes eram provenientes das fontes insuficientes e parciais
que teve acesso. Como se vê, a caracterização de Guevara foi um lugar
comum entre os marxistas. Muitos não se limitaram a rechaçar a análise
“unilateral” de Marx sobre o mais afamado nome da independência latino
americana e o transfiguraram em um herói e simbolo do socialismo.
Especialmente agora, com o chamado “socialismo do século XXI”, a figura
de Bolívar parece ter alcançado destaque especial. Suas imagens inundam
as salas do Palácio de Miraflores, a sede do governo venezuelano, que
diz impulsionar uma revolução bolivariana na Venezuela, através de
missões e círculos bolivarianos, visando à integração do continente. Até
o nome do país foi alterado para República Bolivariana da Venezuela.
O referido artigo foi escrito por Marx em um contexto
em que Bolívar era cultuado na própria “esquerda” europeia como
libertador e herói da América Hispânica e um símbolo na luta contra o
imperialismo. Desde então Bolívar é considerado por muitos o homem que
indicou o caminho da liberdade através da destruição dos grilhões que
uniam a América à metrópole espanhola. Esta fama valeu-lhe na literatura
que se seguiu vários epítetos, como: “o libertador”, “gênio perfeito”,
“caudilho incomparável”, “único de sua raça”, “São Simón Bolívar”,
“Herói”, “Deus” etc... Todavia, Marx descreverá um Bolívar nada heroico.
No curso do pequeno esboço biográfico que escreveu sobre o
“Libertador”, este será acusado de oportunista, covarde, traidor,
canalha, ditador, ambicioso etc... Teria Marx se equivocado? Apesar do
seu rigor e inúmero conjunto de fontes que sempre consultou antes de
emitir qualquer posição, teria neste caso se apressado? No período que
se seguiu a publicação deste artigo Marx recebera cartas contestando sua
interpretação e questionando suas fontes e respondera, ao seu modo, de
maneira irônica. Analisemos melhor alguns aspectos do papel histórico
desempenhado por Bolívar no curso e no contexto das independências
latino americanas.
Como se sabe, as colônias espanholas na América eram
marcadas por uma aguda exploração do trabalho, sobretudo indígena,
realizada através de diversos tipos de trabalho compulsório e escravo,
tanto nas minas como na agricultura. São bastante conhecidas, desde o
inicio da colonização, as situações desumanas em que a população
indígena e negra foi submetida no Novo Mundo, em particular na
exploração das minas de prata em Potosí e de mercúrio em Huancavelica.
Entretanto, este não era o único antagonismo que balizava a América
espanhola. Os crioulos, isto é, pessoas de origem espanhola, ou
de outros países da Europa, nascidas no continente americano, não tinham
igualdade de direitos frente aos espanhóis. Ocupavam poucos cargos na
hierarquia estatal e religiosa, e estavam juridicamente impossibilitados
de atingir os níveis mais altos da burocracia administrativa. Em
contrapartida, tornavam-se cada vez mais numerosos, colocando um
problema político peculiar. E é neste clima de tensão permanente entre
os dois setores dominantes nas colônias, espanhóis e crioulos, e a profunda crise da metrópole após a invasão napoleônica, que Simón Bolívar entra em cena.
Conforme menciona Marx em seu artigo, como filho da rica nobreza crioula na
Venezuela, Bolívar foi enviado a europa para estudar ainda com 14 anos.
Vivendo no velho mundo no período que se segue ao turbilhão da
revolução francesa teve contato com ampla literatura iluminista e
presenciou a coroação de Napoleão como imperador. Neste sentido, não é
estranho que os princípios os quais animavam a grande revolução na
França marcassem presença nos textos e discursos de Bolívar desde aquela
época. Em sua vasta obra, entre discursos e cartas, estão recheadas de
menções a libertação da América do domínio espanhol e referências aos
princípios liberais, como neste trecho da Carta ao Governador de
Curaçao: “Por três séculos gemeu a América sob esta tirania, a mais dura
que afligiu a espécie humana; por três séculos chorou as funestas
riquezas que tanto atrativo tinham para seus opressores”. Vários de seus
escritos consistem em verdadeiras odes à liberdade remetendo a um
futuro grandioso para o Novo Mundo. Entretanto, até que ponto esta
retórica ilustrada coincidiu com existência prática do próprio Bolívar?
Voltemo-nos então para o seu papel nas independências latino americanas,
isto é, o cruzamento entre a teoria por ele difundida e sua existência
efetiva.
Antes de querer conduzir as classes exploradas à
participação política, o movimento de independência iniciado por Bolívar
na Venezuela foi pautado, pelo contrário, no temor das mobilizações
destas mesmas classes. Este temor da elite crioula se
intensificou desde a conquista da Espanha em 1808 pelo exército de
Napoleão Bonaparte quando perderam o respaldo militar da metrópole. Não
por acaso o próprio Bolívar teria dito que uma revolta negra seria “mil
vezes pior do que uma invasão espanhola”(1). Não se pode esquecer que
os crioulos que estavam a frente do movimento de independência eram aristocratas rurais e escravocratas.
Neste sentido é importante notar que após a
independência, a Espanha conseguiu restaurar seu domínio sobre a
Venezuela, no curto período de 1814-16, graças ao apoio dos escravos.
Talvez, por influência deste episódio, assim como dos compromissos
firmados com o presidente do Haiti, que ofereceu ajuda militar no
momento da reconquista espanhola, Bolívar obteve a libertação dos filhos
dos escravos em 1921(2). Ainda assim, em carta direcionada a seu
principal general, o “Libertador” explicita o aspecto tático da
libertação dos escravos: utilizá-los nas batalhas pouparia os homens
livres (crioulos) e possibilitaria a redução do seu “perigoso número”. (3)
Apesar dos aspectos acima ressaltados com relação a
escravidão, não teria Bolívar cumprido um papel “progressista” ao
propiciar a libertação nacional de tantos países da América Espanhola?
Como podemos ver, naquele mesmo artigo de Marx, Bolívar “ recusou-se a
aderir à revolução que estourou em Caracas em 19 de abril de 1810”, mas
em seguida “aceitou a missão de ir à Londres para comprar armas e
negociar a proteção do governo britânico”. No que diz respeito a
vitória, diz Marx: “De deserção em deserção, tudo parecia caminhar para
um desastre total (...) Nesse ínterim, chegou da Inglaterra uma forte
ajuda em homens, navios e munições, e oficiais ingleses, franceses,
alemães e poloneses afluíram de todas as partes para Angostura...
Rapidamente pôs-se de pé um exército de 14 mil homens, com os quais
Bolívar pôde passar novamente à ofensiva... as tropas estrangeiras,
compostas fundamentalmente por ingleses, decidiram o destino de Nova
Granada, graças às sucessivas vitórias... No dia 12 de agosto [de 1819]
Bolívar entrou triunfalmente em Bogotá...”. Como se vê, para Marx, o
caráter anti-imperialista aparece como mais um mito do “Libertador”
Bolívar, uma vez que teria livrado a América Latina do jugo espanhol, em
troca do britânico.(4)
Bolívar também aparece em múltiplos textos de
propaganda como expressão da democracia e da participação popular. Esta
visão, como os aspectos anteriormente mencionados, não está em
consonância com os acontecimentos. Apesar da retórica liberal e as
constantes referências a opressão espanhola que perpassam seus escritos,
para Bolívar a democracia era ideal, apenas para os outros, não para à
América. Pouco após a independência da Venezuela em 1813 relata em carta
ao Governador de Barinas: “Jamais a divisão do poder estabeleceu e
perpetuou governos; somente a sua concentração conseguiu infundir
respeito numa nação e eu não libertei a Venezuela senão para implementar
exatamente este sistema”. Nesta mesma direção em sua famosa carta de
Jamaica de 1815, anuncia ser a Venezuela o exemplo mais transparente “da
ineficácia do modelo democrático e federal”. Em 1819 em discurso
realizado em San Tomé de Angostura conclui que um sistema de governo
como o dos Estados Unidos não é apropriado para “nossos países”,
deixando claro que esta postura estava longe de expressar um contexto
conjuntural. Em 1825, durante a constituinte da Bolívia propõe a ele
próprio como presidente vitalício e o poder para escolher o
vice-presidente o qual deveria sucedê-lo e justifica-se: “com esta
providência se evita as eleições, que produzem grandes revezes nas
repúblicas, a anarquia que é o luxo da tirania e o perigo mais imediato e
terrível dos governos populares”.(5) Para Bolívar, a América Latina não
estava preparada para a democracia, sendo ele o único capaz de manter a
“República”. Quando esteve a frente do governo peruano escreveu: “no
dia em que eu deixar o Peru ele volta a se perder: porque não há homens
capazes de sustentar o Estado”, curiosamente, este mesmo Bolívar teria
dito anos antes que “se apenas um homem fosse necessário para sustentar o
Estado, esse Estado não deveria existir; e ao fim não existiria”. Logo,
como se vê, Marx parece ter razão ao anunciar que a “intenção real de
Bolívar era unificar toda a América do Sul em uma república federal,
cujo ditador seria ele mesmo”. Entra em crise, aqui, o “herói da unidade
latino americana”. Se para Bolívar esta unidade era um pretexto para
uma ditadura mais ampla, ao que nos parece, tal unidade, tantas vezes
invocada em nossos dias pelos governantes ditos de esquerda, visa apenas
arrefecer as lutas efetivas entre as classes, procura-se esvaziar a
sociedade de seu conteúdo real apagando as contradições em nome de um
critério de natureza cultural e abstrata.
Por fim, provavelmente, a única convicção que
permaneceu inabalável em Bolívar desde os primeiros anos dos processos
de independência até a sua morte foi a da incapacidade do povo
latino-americano de levar a cabo a sua própria libertação. Num primeiro
momento, Bolívar acredita ser ele o único capaz de levar adiante tal
empreitada, já nos últimos momentos de sua vida, quando seu fracasso já
estava consumado, escrevera ao antigo aliado, o general Juan Flores,
dizendo que “aquele que serve a revolução ara no mar”, que a América era
ingovernável e que certamente nem os espanhóis desejariam mais
reconquistá-la.
Posto todos estes elementos, como poderia Bolívar, no
curso de nossa história, ter se transmutado em libertador,
anti-imperialista, republicano, liberal e no bastião da democracia? Esta
resposta se encontra nas múltiplas imagens dele construídas desde
alguns anos após sua morte. Esta construção foi inicialmente
desenvolvida pelas classes dominantes na Venezuela e depois reverberada
sobre diversas correntes políticas do continente e em múltiplos
sentidos. Passemos rapidamente por este itinerário.
Derrotado nas disputas pelo poder que se seguiram as
independências, Bolívar morreu desprezado e caluniado pelos seus antigos
aliados, considerado um traidor nacional. O governo de Paez, um inimigo
de Bolívar, sucumbiu frente as inúmeras disputas e turbulências locais
que perduraram. Neste quadro de total instabilidade e caos social, a
figura de Bolívar renasce sob o governo de Fermin Toro, em que Bolívar é
apresentado como unificador e harmonizador de conflitos sociais.
Transformou-se em um símbolo que representava a Nação venezuelana em
conformação. Desde então, sua imagem foi apropriada pela classe
dominante venezuelana, através de sucessivos governos, os quais
acentuaram apenas alguns aspectos dos escritos de Bolívar. Neste momento
desenvolveu-se de forma cada vez mais ampliada, um verdadeiro culto à
sua pessoa, que transcendeu as fronteiras venezuelanas, colocando-o no
altar de toda a América Latina. Foi comparado aos heróis da mitologia
greco-romana e do cristianismo. Bolívar era Zeus ou Júpiter no “Olimpo crioulo”,
era como Jesus Cristo. No centenário de seu nascimento, Gusmán Blanco o
caracterizara como o “predestinado”, “a serviço dos desígnios da
Providência”, “Libertador do continente, criador das repúblicas
americanas, o pai dos cidadãos livres” e ainda “Deus oferecera a ele
todos os talentos (…) incomparáveis em toda a superfície da terra, tanto
no passado, no presente e no futuro”. (6) (7) Como se vê, os heróis
nacionais latino americanos, como Bolívar, não germinaram
espontaneamente no curso da própria luta de libertação, mas foram
escolhidos posteriormente segundo os critérios e conveniências dos
governos instituídos. O que resultava na construção meramente simbólica e
a posteriori, tanto de heróis como de anti-heróis.
Neste caminho, a figura mítica de Bolívar foi usada
não apenas nos sucessivos governos autoritários da Venezuela mas
reverberou por todo continente e para além dele. Existem registros de
que tanto o regime de Mussolini como o nazismo procuraram interpretar
Bolívar em seu favor, em um livro escrito pelo nazista Wolfram Dietrich,
este anuncia que a principal lição extraída de Bolívar é “ que ‘um povo
só pode prosperar sob o comando enérgico de um FUEHRER” (8) Em diversos
outros momentos o nosso “Libertador” foi utilizado para justificação de
governos autoritários e sobretudo nacionalistas.
O uso do Bolívar mitológico no interior dos
movimentos de esquerda se desenvolveu, com particular intensidade, após a
“teoria da dependência” que, em suas múltiplas matizes, assenta-se
sobre a tese de que a pobreza latino-americana decorre dos quase cinco
séculos de saques que o continente passou, ora pelos espanhóis e
portugueses, ora pelos norte-americanos. Assim, a luta dos crioulos teriam
um caráter progressivo frente à burguesia estrangeira, isto é, ao
imperialismo. Tal tese, que aparece como um misto obscuro entre
nacionalismo e marxismo, nunca conseguiu explicar de maneira consistente
como uma revolução meramente nacional se converte, compõe, ou auxilia
uma revolução socialista. Questão normalmente defendida com a mera
evocação dos termos dialética ou mediação esvaziados de qualquer
conteúdo. Para muitos dos seguidores da crença na “teoria da
dependência” a libertação nacional e revolução socialista fazem parte de
um mesmo processo dialético ou constitui uma mediação de um para o
outro. Em que consiste esta mediação ou esta dialética continua uma
grande incógnita. Tampouco explicita as vantagens para classe
trabalhadora de possuir exploradores predominantemente da mesma
nacionalidade. Neste cenário, não é mera coincidência que o governo
bolivariano de Hugo Chávez propagandeie aos quatro ventos o livro:
“Veias abertas da América Latina” de Eduardo Galeado, assentado sobre a
débil tese da teoria da dependência. Seja como for, a figura de Bolívar
caiu como uma luva para esta teoria, dois mitos que se auto
complementam.
Atualmente, podemos constatar que a fabrica
construtora de mitos continua ativa na América Latina, sobretudo, nos
governos de viés nacionalista. Recentemente, o governo da presidente
Cristina Kirchner na Argentina determinou por decreto uma revisão
oficial da História de sua nação. Para tal, foi criado o Instituto
Nacional do Revisionismo Histórico Argentino e Ibero-Americano Manuel
Dorrego ligado a Secretaria Federal de Cultura. Este instituto tem por
objetivo rever a história do país de maneira a contemplar o mito dos
caudilhos e seus laços populares, assim como, denunciar os liberais pelo
projeto de incorporar a Argentina no capitalismo global como um sócio
inferior no mercado agroexportador. Por exemplo, o ditador Juan Manuel
de Rosas (1835-52), que promoveu verdadeiros genocídios contra os
indígenas do sul da Província de Buenos Aires, será transformado em
herói, enquanto democratas, como Domingo Faustino Sarmiento, são
transformados em agentes do imperialismo. Ao que parece, Cristina
necessita de novos Bolívares.
É evidente que o Bolívar histórico não é aquele
pintado por seus apologetas, tanto conservadores como “socialistas”.
Nosso objetivo, neste modesto texto, não é atingir ou sequer apontar
para a figura histórica de Simón Bolívar. Para tal é necessário
desnudá-lo de todo o vestuário criado por aqueles que fizeram e fazem
uso de seu nome, tendo em vista, apenas corroborar necessidades
imperativas de grupos que estão no poder. Independente disto, fato é que
Bolívar era integrante da classe dominante crioula, cujos
interesses representava. Podemos perceber que, no interior de uma
economia de mercado em permanente expansão, a liberação do jugo espanhol
apenas resultou em uma nova escravidão. Neste sentido, seguindo as
reflexões de Marx, imperialismo seria, tão somente, um fenômeno, uma
manifestação inerente ao capital em suas idas e vindas em busca de
valorização. Para além das manifestações aparentes e abstratas do
dinheiro, do direito e da nação encontra-se a exploração de classes, e
em particular, a exploração da classe trabalhadora, que produz toda
riqueza, mas que só possui sua força de trabalho para vender. Neste
sentido, independente de imprecisões históricas que possam existir no
breve esboço biográfico de Marx sobre Bolívar, esse se apresenta como
coerente, tendo em vista o pensamento e a elaboração teórica do autor de
O Capital. Em contra partida, do ponto de vista histórico, parece
incontestável a menção que Marx faria alguns anos mais tarde no seu
escrito contra Herr Vogt: “A força criadora de mitos, característica da
fantasia popular, em todas as épocas tem provado sua eficácia inventando
‘grandes homens’. O exemplo mais notável deste tipo é sem dúvida Simón
Bolívar”.
Todavia não podemos desconsiderar ainda a
possibilidade de Marx estar equivocado, não apenas com relação a
Bolívar, mas sim, ao conjunto de sua obra, em que a nação, embora real, é
sempre abstrata e as classes sociais e seu caráter internacional,
concreto. Talvez a nação seja, de alguma forma ainda não demonstrada,
uma determinação substancial do capital. Talvez as relações econômicas
entre os países tenham o mesmo estatuto da relação entre as classes.
Talvez o imperialismo seja o substituto da burguesia na sociedade
contemporânea, o que colocaria as nações dominadas como o sujeito de uma
transformação social profunda. Talvez este aspecto justifique o desejo
não realizado de Lukacs de escrever “O Capital” de nossos dias. Se for
este o caso, resta-nos constatar que as nações sempre necessitaram da
criação de mitos e heróis. Assim, para nós, brasileiros, antes de
exportarmos o herói venezuelano, devemos criar nossos próprios mitos,
nossos próprios heróis e colocar em seu devido lugar o nosso Zeus, nosso
Jesus Cristo, o “único de sua raça”, o “predestinado”, “a serviço dos
desígnios da Providência”, o “Libertador” do Brasil, Dom Pedro I.
(1) Lynch, The Spanish-American revolutions, p.224
(2) Masur, Bolívar, pp 206-207
(3) Jair Antunes, Marx e a América para além da história do capitalismo, pp 147-148
(4) Jair Antunes, Marx e a América para além da história do capitalismo, pp 149
(5) Maria Lígia Coelho Prado, “Bolívar, Bolívares”, Folhetim, Folha de São Paulo, 24 jul. 83
(6) Maria Lígia Coelho Prado, “Bolívar, Bolívares”, Folhetim, Folha de São Paulo, 24 jul. 83
(7) German Carrera Damas, "El culto a Bolívar"
(8) Moacir Werneck de Castro, “O Libertador – A Vida de Simón Bolívar”