sexta-feira, 9 de julho de 2010

Crítica às teses da Revolução Permanente de Trotsky - Nahuel Moreno

Trecho da palestra de Moreno realizada no verão de 1984 na escola de quadros do Movimento al Socialismo (MAS) da Argentina. Retirado de Crux Ediciones, Buenos Aires, 1992.


(...)
Vou me antecipar dizendo qual é a mecânica da teoria de Trotsky, uma mecânica que, depois vamos ver, tem alguma falhas.

Por que Trotsky opina que se transita da revolução democrático-burguesa á revolução socialista? Por uma combinação objetiva de tarefas ou pelo que, em marxismo e em sociologia, chama-se o sujeito histórico? Sujeito chama-se um homem. Histórico chama-se um grupo de homens.

A mecânica é como funciona o motor, como funciona uma coisa. Com que engrenagem, com que gasolina, o carro transita da revolução democrática á revolução socialista?

Pelo sujeito ou por um processo inevitável no qual a revolução democrático-burguesa, ao ir contra setores da burguesia, vai se tornar inevitavelmente socialista?

É possível que o carro esteja em uma descida, e avance sozinho. Isto quer dizer que, solucionar as tarefas democrático-burguesas, signifca começar a atacar o capitalismo: colocando-se o carro nessa descida, ele anda sozinho. Ou tem a ver com um fator subjetivo? (Sujeito é aquele que faz as coisas. Na frase «o cachorro morde», o cachorro é o sujeito porque é quem morde) [Para Trotsky, o passo se dá] por um sujeito, mas social.

A chave, o motor, o mecanismo da revolução permanente de Trotsky, tem a ver com o sujeito histórico. (...) O que se discute (entre Trotsky e Preobrajensky (1) ) é se a revolução se torna socialista pela classe operária ou por uma sucessão de acontecimentos? — Para que um carro se mova, há duas maneiras: uma é que alguém o ponha em marcha e o mova; outra é coloca-lo no topo de uma descida, e o carro se move.

Neste último caso o movimento é objetivo, ninguém o para, é um processo objetivo. No primeiro caso, se uma pessoa sobe no carro e o põe em marcha, também é um processo objetivo — porque se move -, mas é subjetivo porque há alguém que o conduz. Há um processo subjetivo que o faz se mover: um sujeito, tal ou qual pessoa. (Isso signifca «sujeito» flosófca e sociologicamente) (...).

Isto origina uma grande discussão com Preobrajensky. Preobrajensky diz: “Você faz toda uma estrutura, e não a faz como um bom marxista. Você vai ganhar a discussão porque escreve muito melhor que eu, mas a historia vai me dar a razão, e por isso quero discutir com você. Você parte dos sujeitos, do sujeito histórico, da classe operária, e esse é um raciocínio ruim porque é preciso partir da realidade, e ver o que ocorre na realidade. Nem todas as realidades vão ser como a russa. Então, se na China a revolução é democrático-burguesa, não está descartado que surja um partido pequeno-burguês [que faça a revolução]. No campesinato da Rússia não se deu, mas não está descartado que aconteça na China, [a realidade] muda. Por que você está com tanta certeza de que esse é o sujeito? E possível que sim, é possível que não. Não feche a possibilidade de outro sujeito.”

É um raciocínio muito subjetivo, ao invés de objetivo: “Se há que fazer uma revolução democrático-burguesa, não está descartado que apareça uma corrente [pequeno-burguesa] que a faça, que tire dai os imperialistas, etc. Se isso acontece, com sua teoria fcamos sem linha. É uma teoria extremista: generaliza a Revolução de Outubro, e nós recém estamos entrando no Oriente, e não sabemos bem como é a coisa. Não nos apressemos.”

Essa é a crítica. Então Trotsky, na carta de resposta que já mencionei, muda, se localiza de outra maneira, e responde uma coisa que, nós parece fundamental, mas, infelizmente, não a desenvolveu mais. Trotsky diz para Preobrajensky: “Vou pegar seu argumento”. Suponhamos que vamos expulsar o imperialismo e vamos dar a terra aos camponeses chineses. “Na China, expulsar o imperialismo e dar a terra aos camponeses já é socialismo, já é a revolução socialista.” “Na China não há senhores feudais: os camponeses são explorados pelos comerciantes agiotas das aldeias. Então, se nos Ihes damos as terras, expropriamos a classe burguesa chinesa.”

Não há saída. Quer dizer que se trata do próprio processo objetivo. Se existe um processo de revolução democrática, essa revolução vai ser socialista por seu próprio conteúdo. “E a mesma coisa ao expulsar o imperialismo: se expropriam as fábricas, isso é apropriar-se das maiores fábricas capitalistas, os portos, tudo o que tem a ver com a essência da estrutura econômico-social chinesa. Então, não me interessa o sujeito. Seja qual for o sujeito, tem que fazer a revolução socialista.”

Mas, apesar desta resposta, Trotsky seguiu adiante e lutando por sua interpretação [no sujeito: a revolução nos países atrasados só podia se fazer se a dirigia a classe operária junto com um partido comunista revolucionário].

Nós acreditamos que os fatos demonstraram (...) Houve processos de revolução permanente que expropriaram á burguesia, fizeram a revolução operária e socialista, sem serem encabeçados pela classe operaria e nem encabeçados pelo partido comunista revolucionário.

Quer dizer, os dois sujeitos de Trotsky, o social e o político, falharam ao encontro histórico, não chegaram na hora. E no entanto apesar de não terem comparecido ao encontro histórico, nos seguimos acreditando que a teoria da revolução permanente é a maior contribuição do século do ponto de vista teórico.

E, sendo dos poucos trotskistas que sempre insistimos em que o grande Trotsky se equivocou, eu pergunto: Por quais razões seguimos sendo fanáticos desta teoria?

— Porque não se equivocou no objetivo

— Muito bem. Mas há outra coisa que é mais importante, a mais importante, a que faz que não haja ninguém parecido a Trotsky como teórico: tinha razão em que a revolução era mundial, em que iriam ocorrer revoluções em todos os países. E aqui entra o problema da contra-revolução. [Porque Trotsky disse] que, ou essas revoluções se aprofundavam cada vez mais, tornavam-se mais mundiais para fora e mais socialistas para dentro, ou se paralisavam ou retrocediam, e quem avançava era a contra-revolução.

Essa parte das Teses da revolução permanente de Trotsky é a que se viu totalmente corroborada. Tão corroborada que sujeitos políticos que não quiseram fazer a revolução socialista se viram obrigados a fazê-la pela própria situação objetiva. Quer dizer, nos acreditamos que Trotsky não desenvolveu a fundo sua resposta a Preobrajensky sobre como o próprio processo objetivo obriga a [fazer] a revolução socialista ou a retroceder. Não há possibilidades de estagnar, ou seja de equilibrar, de manter a situação. Ou avança a revolução ou avança a contra-revolução.

Assim vai surgindo a teoria. Lênin e Trotsky não tinham [a teoria da revolução socialista mundial]; sim a teoria da revolução mundial, mas não a teoria da revolução socialista.(...)

(...) — A discussão com Preobrajensky, que coloca que é muito esquemático quando diz que o sujeito social só pode ser a classe operária. Podemos dizer que Preobrajensky ganha a discussão porque as revoluções que acontecem depois de 1940 Ihe da razão: não se fazem com a classe operária como sujeito social nem com um partido operário revolucionário como sujeito político.

— Muito bem. Trotsky dizia: «Se a classe operária faz uma revolução e toma o poder, inevitavelmente se transforma em socialista logo a curto prazo, imediatamente, porque a classe operária vai acabar indo contra o capitalismo». Então Preobrajensky diz: “Você é subjetivo, porque você me diz que a classe operária toma o poder. No fundo, você não é um bom marxista porque toma o aspecto mais subjetivo da realidade”.

Pensando em termos argentinos, um Preobrajensky atual haveria dito: “Vocês dizem que só um partido revolucionário marxista, e só a classe operária salvam á Argentina fazendo a revolução socialista. O grande problema objetivo que a Argentina tem é livrar-se da ditadura militar, essa é a grande tarefa, e francamente, não venham me incomodar, sendo esquemáticos ou dogmáticos, dizendo só a classe operária, e um partido marxista revolucionário centralizado derruba este governo. Essa classe e esse partido podem não ser, nem a classe operária, nem o partido marxista revolucionário. E uma vez que derrubam o governo militar, não está descartado que, por cinco, dez, quinze anos, esse governo solucione os problemas do país sem fazer a revolução socialista. Não me venha com dogmatismo, não me diga que só a classe operária e só um partido marxista revolucionário derruba a ditadura militar. Você está equivocado. Seu método é ruim porque você parte do sujeito, que é a classe operária. Você me diz que a revolução democrática vai ser feita pela classe operária, e que então, por isso, vai ser socialista”.

Agora eu acrescento o sujeito político, que não é o que diz Preobrajensky, porque ele fala só do sujeito social: “[Você, Trotsky, diz que] se, além da classe operária, o partido comunista toma o poder, logicamente tem que defender os interesses do partido e da classe operária, e [a revolução] se transforma em socialista”. É uma forma ruim de raciocinar.

Nunca um marxista raciocina partindo do sujeito, dos indivíduos, mas partindo das necessidades objetivas; o subjetivo vem depois, e a grande necessidade objetiva na China é liquidar o imperialismo e os latifundiários a favor dos camponeses e do povo chinês.(...)

(...)— Trotsky toma os argumentos de Preobrajensky e reconhece que o sujeito pode ser outro, embora ele segue mantendo...

— Não. Mais que reconhecer, diz: “Bom. Aceito sua questão, vamos ao seu terreno, vamos discutir no terreno que você coloca: esqueçamos o sujeito, se será um partido [marxista revolucionário], se será a classe operária. Mas, esquecendo-nos do sujeito, que acontece? Suponhamos que vem um partido pequeno-burguês e que a classe pequeno-burguesa, é quem luta contra os latifundiários e contra o imperialismo, quem fará a revolução democrática. Está bem, Preobrajensky, você tem razão. Mas você não tem razão...” Em que? O que responde Trotsky?

— Em que não vê que a revolução igualmente avança para o socialismo.

— Por quê? — Porque, na China, dar a terra para os camponeses... — Isso! Isso! — responde Trotsky — “Olhe, no mundo inteiro não há nenhuma tarefa democrática fundamental que não seja anticapitalista, que não seja socialista, embora não seja feita pela classe operária, nem por um partido socialista revolucionário. Ao expropriar-se o imperialismo na China, isso signifca o começo da revolução socialista, porque a base da produção capitalista nesse país é o imperialismo”.

Aqui temos o mesmo fenômeno: derrubamos os militares, mas se a curto prazo, não paramos de pagar a divida externa e se as grandes empresas imperialistas não são expropriadas, o país não vai ter democracia cada vez mais ampla, e sim mais restrita. Expropriar o imperialismo é dar um terrível golpe ao capitalismo, porque sessenta ou setenta por cento das propriedades capitalistas na Argentina são imperialistas. Então, ninguém pode me dizer: “Se você expropria o imperialismo, isso é uma medida democrática que não toca o capitalismo”. Tocar no imperialismo é tocar o capitalismo. A mesma coisa no campo argentino: se expropriamos os latifundiários e grandes fazendeiros, estamos tocando em oitenta por cento da propriedade privada, da propriedade capitalista da terra.

Isso é o que diz Trotsky: «Não me encha o saco. Embora o processo seja objetivo, esse processo vai para o socialismo». Levo o exemplo ao absurdo: a revolução democrática se transforma em socialista embora a faça um canalha, um padre, o sujeito são os padres e o partido é um partido de padres. E Trotsky responde: “Se faz isto, realiza a revolução socialista; se faz a revolução democrática até o fundo, já se combinou com o socialismo. E o próprio processo objetivo real, porque o capitalismo está intimamente unido aos latifundiários e ao imperialismo”. Isso era o que queria dizer Trotsky.

Então, se você quer defender á nação argentina, ou á nação chinesa, e quer defender aos camponeses, embora você diga «Eu não quero defender á classe operária”, faz socialismo, porque está tocando o capitalismo, que é o grande inimigo dos trabalhadores. E se há uma classe ou um partido que não são operários mas fazem isso, fazem socialismo, mas tem que expropriar oitenta ou noventa por cento da propriedade capitalista. Nos países atrasados está [presente] o imperialismo, e as terras são do capitalismo. Isso é o que responde Trotsky. Infelizmente, ele não desenvolveu a fundo estas concepções. (...)

[Porém, seguimos] acreditando que a teoria da revolução permanente é a maior teoria política revolucionaria que se estruturou; nós acreditamos que os dois grandes descobrimentos do século são: a teoria da revolução permanente e o desenvolvimento desigual e combinado, além do imperialismo e o partido, descobertos por Lênin. Por quê?

Por que seguimos considerando que é grandiosa? [a Teoria da RP]

Por que acreditamos que é a teoria das teorias?

— Porque se não avança a revolução mundial vai avançar a contra-revolução.

— Quer dizer, ou a revolução é permanente, ou se detém e retrocede. Ou seja, Trotsky teve razão contra todo mundo no sentido de que não havia revoluções nacionais, em que era uma revolução mundial. Também acertou em que, dirija quem dirija o processo, se este avança, transforma-se em socialismo, não há maneira de evitar que seja socialismo.

Estes dois acertos são colossais, porque a História realizou trotskismo, realizou revolução permanente. E realizou contra os que dirigiram o processo histórico, porque Mao-Tsé-tung tomou o poder para não expropriar á burguesia — ele disse isso um milhão de vezes — porém, [passados] três ou quatro anos, teve que expropriar a burguesia. Stálin ocupou o Leste europeu, em acordo com o imperialismo, para que as massas não expropriassem a burguesia; depois de três ou quatro anos, teve que expropriar á burguesia. Trotsky teve razão: se continuamos enfrentando o imperialismo é preciso acabar expropriando á burguesia. É algo genial, ainda dentro de seu erro. Seus erros são parciais. (...)

(...) Esta segunda formulação da teoria da revolução permanente de Trotsky tem essa extraordinária virtude: uma Teoria da Revolução Mundial. Tem a extraordinária virtude de ver que, toda revolução democrático burguesa, se continua, se transforma em socialista. E se não [continua], transforma-se em contra-revolução.

Tem o grave defeito de girar ao redor dos sujeitos. Como disse muito bem o companheiro, nesse único sentido teve razão Preobrajensky. Mas, em geral, Trotsky teve razão: a revolução se dirigia para a revolução socialista. Preobrajensky opinava que não.

Nós acreditamos que nestes últimos quarenta anos produziram-se fenômenos distintos aos que Trotsky viu, que nos obrigam a começar a elaborar entre todos — ou o farão alguns de vocês dentro de alguns anos — uma nova formulação, uma nova forma de escrever a teoria da revolução permanente, tomando todos os problemas. Temos que formular que não é obrigatório que seja a classe operária e um partido marxista revolucionário com infuencia de massas quem dirija o processo da revolução democrática para a revolução socialista. Não é obrigatório que seja assim. Ao contrario: aconteceram, e não está descartado que aconteçam, revoluções democráticas, que no terreno econômico, se transformem em socialistas. Quer dizer, revoluções que expropriem á burguesia sem ter como eixo essencial a classe operária — ou tendo-a como participante importante -, e não tendo partidos marxistas revolucionários e operários revolucionários na sua frente e sim, partidos pequeno burgueses.

Concretamente, deu-se uma das mais importantes leis do desenvolvimento desigual e combinado, que são essas desigualdades, e infelizmente Trotsky não a aplicou. Trotsky voltou a equivocar-se ao colocar um sinal de igual>, [dizendo] “Revolução operária = é feita pela classe operária = e por um partido marxista revolucionário”. Novamente cometeu esse gravíssimo erro, de lógica formal, acreditando que tudo é igual a tudo, e não é desigual e combinado.

Não cumpriu com uma das mais importantes leis do desenvolvimento desigual e combinado, que diz que setores de uma classe podem fazer revoluções de outra classe. Quer dizer — olhem que contradição -, não inverteu seu próprio processo [de raciocínio]: Trotsky dizia “revolução democrática”, e não punha um sinal de igual; quem punha um sinal de igual era o menchevismo. Os Menches diziam: “Revolução democrática = feita pela burguesia”. E Trotsky ria deles, dizendo: “Olha, não são dialéticos. Quem põe um sinal de igual é uma catástrofe, é um metafísico. [Não é sinal de igual], é desenvolvimento desigual e combinado”. O seu grande descobrimento, foi aplicado contra os Menches, quando disse: “Não: neste século, revolução democrático-burguesa = revolução feita pela classe operária”. Quer dizer, uma classe que faz a revolução de outra classe. O qual obedece á lei de desenvolvimento desigual e combinado: a revolução democrático-burguesa, uma tarefa atrasada, do século XIX, no século XX a faz uma classe antiburguesa.

— Eu tinha entendido que para fazer uma revolução socialista tinha que haver um governo socialista.

— O que eu tentei demonstrar é que não é assim, que não foi assim, que aconteceu ao contrario. Sem ser socialista revolucionário, um partido pode se ver obrigado a fazer a revolução: a revolução democrática e depois a socialista. A revolução democrática entendida como inconscientemente socialista. Democrática pelo que consegue: caiu o regime militar. E, no fundo, para nos é o primeiro passo em direção ao socialismo, ao capital fnanceiro, a todo o que é o setor mais forte da burguesia. Já é uma derrota para a burguesia. Embora eles dissimulam: tentam que o povo não repare de que é uma derrota antiburguesa.

E ai começa um processo: ou a revolução avança cada vez mais, como colocava Marx, ou a revolução, para, e retrocede. Por isso nós dizemos que Trotsky acertou em como marchava o trem, mas não acertou na estação [na qual se detinha] Trotsky disse: “O trem tem que andar e andar e andar, e não parar. E se quem dirige o trem não é a classe operária e o partido marxista revolucionário, o trem não avança ou avança muito pouco”. E nós dizemos: “A revolução é tão forte, pressiona tanto, que apesar da direção ser oportunista e pequeno-burguesa não sendo socialistas, eles se vem obrigadas muitas vezes a fazer [a revolução socialista], pela pressão”. E possível comparar com um trem em marcha: se não é dirigido pelo partido bolchevique, o trem para.

Isso se cumpriu. O que dizia Trotsky?: “Para aos cinqüenta quilômetros”. Os fatos demonstraram que para aos quinhentos quilômetros. E isso quando vai muito longe; muitas vezes para nos cinqüenta quilômetros. Os que chegam mais longe param nos quinhentos; nenhum passa dos quinhentos. Trotsky dizia que nunca avançavam mais de cinqüenta ou cem quilômetros. Há uma estação que se chama «expropriação da burguesia». Guiado por direções pequeno-burguesas [dizia Trotsky] o trem não chega nunca á estação expropriação da burguesia. E os fatos demonstraram que o trem chega, pressionado pelas massas, pressionado pelo imperialismo. Nós acreditamos que mais pressionado pelo imperialismo que pelas massas, ainda que as massas pressionem muito. Sempre [que expropriaram], acreditamos, foi para se salvar. Se os deixam sozinhos...

Se [o imperialismo] não aperta e aperta [aos sandinistas] na Nicarágua, me dá a impressão de que vai terminar havendo um acordo. Na Bolívia não apertaram nada, deram dólares e terminaram acordando tudo. Sempre foi pela ofensiva do próprio imperialismo, que disse: “Vamos arrebentar este governo, ainda que não seja operário; por ser pequeno-burguês vai se assustar e ceder”. [E essa pressão] se transformou, então, no oposto. Fidel Castro era grande amigo dos ianques. Foi aos EUA [convidado] pelo governo, era ídolo do imperialismo ianque.

Mas ele adotou uma medida e os ianques responderam com outra. Depois os ianques quiseram tirá-lo do governo, e deixar em seu lugar o presidente que ele tinha, que se chamava Urrutia. Começaram a apertá-lo porque era seu amigo: acreditavam que ele Ihes daria absolutamente tudo.

Mas tinha havido uma grande revolução. Fidel Castro tinha as massas armadas, e resolveu Ihes dar terras, sem expropriar ao imperialismo. O imperialismo o bloqueou; então se viu obrigado a se defender cada vez mais e a adotar mais e mais medidas. Ou seja, obrigados pelas circunstâncias, avançaram muitos quilômetros mais do que tinha planifcado, muitos quilômetros mais do que nós acreditávamos, e chegaram a uma estação que tampouco acreditávamos que iam chegar. Uma estação que se chamava “expropriação de toda a burguesia”.

Isto tem que ser agregado á teoria da revolução permanente, para que de verdade refita como foram as revoluções. Nos não pertencemos a uma igreja que tem uma Bíblia que se chama “Teoria da Revolução Permanente”, escrita por Trotsky em 1927, como essa Bíblia escrita cem ou cento e cinqüenta anos depois de Cristo. Nos não temos, felizmente, uma Bíblia. Nenhum documento defnitivo, e sim documentos científcos, que mudam com a realidade e com o novo estudo da realidade. Se eu conseguisse que deste curso vocês saiam convencidos de que tem a obrigação de pensar e que esse pensamento esteja aberto, terei conseguido a maior porcentagem de êxito que quero deste curso.

(...)

Antes de mais nada, o eixo da teoria da revolução permanente de Trotsky, é o caráter internacional da revolução, é o caráter da revolução socialista internacional. Quer dizer, que o ponto central de todo programa de um partido é que a grande tarefa não é fazer uma revolução socialista nacional e sim, internacional. E acho que é de vida ou morte que a Quarta se fortaleça e surja um partido mundial forte: que o partido mundial e suas seções tenham como objetivo central fazer a revolução socialista no mundo; que para isso faça todos os sacrifícios, tudo o que seja necessário; que tenha a linha do Partido Bolchevique: “Preferimos que se afunde a Rússia mas que se faça a revolução na Alemanha, porque é um país muito mais importante». Que essa seja uma política viva, de todos os dias: como [fazemos] nós na LIT. A LIT pouco Ihe importa que o partido argentino decline, se o partido brasileiro avança. Isto seria uma grande noticia. Se fosse assim, se fosse possível mudar a Internacional e se nos colocase [a opção de] onde queremos ter o atual partido argentino e onde o brasileiro, na LIT não duvidarí-amos nem um minuto em levar (o partido argentino) ao Brasil e o partido brasileiro á Argentina.

Ao contrário, se colocamos a mesma coisa á Frente Sandinista de Libertação Nacional, há três e somente três alternativas: talvez nos disparam uma raja da de metralhadora ou nos metem presos ou nos man-dam a um hospital psiquiátrico. Como vamos Ihes propor que “rompam a alma” para que triunfe [a revolução] em El Salvador, que é muito mais importante que Nicarágua [embora não signifque que] eles afundem Nicarágua! Eles já tiveram nas suas mãos [a possibilidade de] liquidar toda América Central e, cuidando seu quintalzinho, não o fzeram. (...)

Porque os sandinistas e os outros são parte da revolução socialista internacional, mas eles a vem como soma de revoluções socialistas ou democráticas nacionais. Como soma: não articulada como só uma revolução. E também porque, sem revolução nos Estados Unidos, hoje em dia existe o perigo não do barbarismo e sim do desaparecimento da humanidade.

A teoria da revolução permanente é, então, a teoria da revolução socialista internacional. Tudo o outro — o documen-to de Trotsky de 1906, o de 1928-, tudo é modifcável á vista deste acerto colossal de Trotsky: a revolução socialista internacional. A tese é a teoria da revolução socialista internacional. Depois, podemos mudar tudo o que diz — e temos que mudar-lhe muito -, mas o eixo não. O que não podemos fazer é perder o eixo. [Esse eixo] caracteriza cada vez mais ao trotskismo. (...)

(...) Hoje há também uma segunda categoria que vamos nos surpreender de tão simples que é. Os trotskistas são hoje em dia os únicos que a defendem: é, caiam de costas, a democracia operária. Nós acreditamos na democracia operária. Quer dizer, queremos que a classe operária se expresse democraticamente através de seus organismos e tome o poder exercendo essa democracia. Somos inimigos implacáveis de todo regime que não seja democrático. E um subproduto disto é que queremos que o partido que dirija e acaudilhe as organizações democráticas da classe operária também seja democrático.

Digo isto porque toda esta teoria que eu estou dizendo leva á LIT a uma questão muito importante: nós somos os defensores incondicionais do regime da ditadura do proletariado que está pela democracia operária. Levantamos um tipo de regime contra todos os outros regimes existentes. Quer dizer, nos caracteriza a revolução política, a luta por um tipo de regime. Hoje em dia inexistente, que é o da democracia operária. Inexistente nos organismos operários [nos países] capitalistas; e muito menos existentes nos Estados Operários.

E o terceiro é um fenômeno social: acreditamos que a classe operária quem tem que voltar a tomar, a ser vanguarda do processo histórico. Por que nestes últimos quarenta anos, salvo exceções, nos [lugares] onde houve triunfos, os setores populares foram [a vanguarda, embora também] tenha havido grandes triunfos da classe operária.

Temos que estudar se existe um quarto ou quinto elemento, mas tenho a impressão de que estes são os elementos essenciais da teoria da revolução permanente, e também de Trotsky [em geral].

(...)

1 Economista bolchevique, membro do CC e a partir de 23 pricipal economista da oposição de esquerda, preso em 1935 e acusado durante o segundo Processo de Moscou, desaparece na prisão. Entre outras obras, escreve o Abc do Comunismo (junto com Bukarin) e a Nova Econômica, que discute a economia de transição ao socialismo. (As cartas entre Preobrajesky e Trotsky sobre a China podem ser encontradas na Edição da Revolução Permanente, Ed. Sundermann, 2008)

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