A Produção de mercadorias
Quando examinamos como se desenvolveu a produção sob o domínio capitalista, vemos que, antes de tudo, aí se produzem mercadorias. “Que há nisto de notável?” poderiam perguntar. O que há de notável é que a mercadoria não é um produto qualquer, mas um produto que se destina ao mercado.
Um produto não é uma mercadoria, desde que seja feito para atender à nossa própria necessidade.
Quando o camponês semeia o seu trigo, depois o colhe e o debulha, mói o grão e fabrica o pão para si mesmo, tal pão não é uma mercadoria, é simplesmente pão.
Só se tornará mercadoria quando vendido e comprado, isto é, quando for produzido para o comprador, para o mercado; pertencerá a quem o comprar.
No regime capitalista, todos os produtos se destinam ao mercado, todos se convertem em mercadorias. Cada fábrica, usina ou oficina, ordinariamente, só confeccionam um produto, e esse produto, evidentemente, não é feito para a necessidade do fabricante.
Quando um empresário explora uma fábrica de caixões de defunto, é claro, que tais caixões não são feitos para ele ou sua família, mas para o mercado. Quando um fabricante produz óleo de rícino, é claro também que, embora ele mesmo tenha constantemente indigestões, só guardará para si uma pequena quantidade do óleo produzido por sua fábrica. No regime capitalista, tudo se passa assim, seja qual for o produto.
Numa fábrica de botões produzem-se botões, mas esses milhões de botões são fabricados, não para serem pregados ao colete do fabricante, mas para a venda: tudo o que é produzido na sociedade capitalista é produzido para o mercado; é ao mercado que vão as luvas e as lingüiças cozidas, os livros e a cera, os metais e a aguardente, o pão, os calçados e as armas; em resumo, tudo o que se produz.
A produção de mercadorias pressupõe, necessariamente, a existência da propriedade privada. O artesão ou o pequeno industrial que fabrica mercadorias é proprietário de sua oficina e de seus instrumentos de trabalho; o fabricante ou o usineiro possui sua fábrica ou sua usina, compreendidos todo o edifício, maquinismos, etc. Mas, desde o instante que existem propriedade privada e produção de mercadorias, sempre existe a luta em torno do comprador, isto é, concorrência entre os vendedores. Mesmo quando ainda não existiam fabricantes, usineiros, grandes capitalistas, mas simples artesãos, estes últimos lutavam entre si para obter o comprador. E aquele que era mais forte, mais esperto, que tinha melhores instrumentos de trabalho, mas, sobretudo, aquele que tinha economizado dinheiro, sempre vencia, açambarcava o comprador, arruinava os demais artesãos e chegava à prosperidade. Por conseguinte, a pequena propriedade, produtora de mercadorias, já trazia em germe, a grande propriedade e já causava muitas ruínas.
Sendo assim, o primeiro traço característico do Regime Capitalista é a produção de mercadorias, a produção destinada ao mercado.
Monopolização dos meios de produção pela classe capitalista
Este caráter não é suficiente para definir o capitalismo. Pode existir uma produção de mercadorias sem capitalistas, por exemplo, a produção feita pelos pequenos artesãos. Estes produzem para o mercado e vendem seus produtos; por conseqüência, seus produtos são, de fato, mercadorias, e sua produção uma produção de mercadorias. No entanto, trata-se de uma produção comum, de mercadorias, e não de uma produção capitalista. Para que esta produção comum se transforme em produção capitalista, é preciso, de um lado, que os meios de produção (instrumentos, máquinas, edifícios, solo, etc.) se convertam em propriedade de uma classe pouco numerosa de poderosos capitalistas, e, de outro lado, que um grande número de artesãos independentes e de camponeses fiquem arruinados e se convertam em operários.
Já vimos que a produção comum de mercadorias traz, em germe, a ruína de uns e o enriquecimento de outros. Foi o que aconteceu, efetivamente, em todos os países, tendo se arruinado quase todos os pequenos artesãos e os pequenos patrões. Os mais pobres iam até à venda de seus instrumentos de trabalho e, de patrões, se convertiam em pessoas que só possuíam seus braços. Os que eram um pouco mais ricos, cada vez mais o ficavam, transformavam e ampliavam suas oficinas, instalavam novos estabelecimentos, depois máquinas, contratavam numerosos operários e transformavam-se em fabricantes.
Pouco a pouco, esses ricos se apoderaram de tudo quanto necessário à produção: edifícios, máquinas, matérias primas, entrepostos e armazéns, casas, usinas, minas, estradas de ferro, navios. Todos estes meios de produção tornaram-se propriedade exclusiva da classe capitalista (ou, como se diz, o “monopólio” dos capitalistas). Um punhado de ricos possui tudo; uma imensa quantidade de pobres só possui os seus braços.
O monopólio da Classe dos Capitalistas sobre os Meios de Produção é o segundo traço característico do Regime Capitalista.
O trabalho assalariado
Grande número de pessoas que ficaram sem a menor propriedade se transformaram em operários assalariados do Capital. Que devia fazer, com efeito, o camponês ou artesão arruinado? De duas, uma: ou entrar como criado na casa de um proprietário agrícola, ou ir para a cidade a fim de trabalhar numa fábrica ou numa usina. Não havia, para eles, outro caminho. Para eles, não há outra saída. Tal foi a origem do trabalho assalariado, este terceiro traço característico do regime capitalista.
Que é, pois o trabalho assalariado? Antigamente, no tempo dos servos e dos escravos, podia vender-se ou comprar cada servo e cada escravo. Homens, com sua pele, seus cabelos, suas pernas e seus braços, eram propriedade privada de seus senhores. O senhor mandava chicotear, até à morte, o seu servo, assim como quebrava, por exemplo, quando embriagado, uma cadeira ou um tamborete. O servo ou o escravo não passava de uma simples coisa. Entre os antigos romanos, as propriedades necessárias à produção eram francamente divididas em “instrumentos de trabalho mudos” (as coisas), “instrumentos de trabalho semi-mudos” (os animais de carga, carneiros, vacas, bois, etc.) e “instrumentos falantes” (os escravos, os homens). Uma pá, um boi, um escravo, eram para o senhor, indiferentemente, instrumentos que ele podia vender, comprar, destruir.
No trabalho assalariado, o homem, propriamente, não é vendido nem comprado. O que há de vendido ou de comprado é a sua força de trabalho, e não ele mesmo. O operário assalariado, pessoalmente, é livre; o fabricante não pode esbordoá-lo nem vendê-lo ao vizinho, não pode, mesmo, trocá-lo por um jovem cão lebréu, como se fazia no tempo da servidão. O que o operário faz propriamente, é alugar seus serviços. Considerando pela rama, parece que o capitalista e o operário estão no mesmo pé de igualdade. “Se não quiseres, não trabalhes, ninguém te obriga a trabalhar”, dizem os senhores patrões. Chegam mesmo a afirmar que sustentam os operários, fazendo-os trabalhar.
Na realidade, os operários e os capitalistas não se encontram no mesmo pé de igualdade. Os operários são acorrentados ao Capital pela fome. A fome é que os obriga a empregar-se, isto é, a vender sua força de trabalho. Para o operário, não existe outra escolha. Tendo as mãos vazias, ele não pode organizar sua “própria” produção; que se procure, pois, fundir o aço, tecer, construir vagões, sem máquinas e sem instrumento. Mas, a própria terra, no regime capitalista, pertence toda ela a particulares; ninguém pode instalar-se em qualquer parte para cultivá-la. A liberdade que tem o operário de vender sua força de trabalho, a liberdade que tem o capitalista de comprá-la, a “igualdade” do capitalista e do operário — tudo isto é, de fato, uma cadeia, a cadeia da fome que obriga o operário a trabalhar para o capitalista.
Sendo assim, o trabalho assalariado consiste, essencialmente, na venda da força de trabalho ou na transformação dessa força em mercadoria. Na produção de mercadorias de forma simples, de que se tratou anteriormente, podiam encontrar-se no mercado pão, leite, tecidos, botas, etc., mas nenhuma força de trabalho. Esta força não era vendida. Seu proprietário, o artesão, possuía ainda, além dela, sua casinha e seus instrumentos. Ele mesmo é que trabalhava, utilizando sua própria força em sua própria exploração.
Não se dá o mesmo no regime capitalista, onde aquele que trabalha não possui nenhum meio de produção; não pode utilizar sua força de trabalho em sua própria exploração; é obrigado, para não morrer de fome, a vendê-la ao capitalista. Ao lado do mercado em que se vendem o algodão, o queijo e as máquinas, cria-se um mercado do trabalho em que os proletários, isto é, os operários assalariados, vendem sua força de trabalho. Conseqüentemente, o que distingue a produção capitalista da produção de mercadorias é que, na produção capitalista, a própria força de trabalho se converte em mercadoria.
Assim, o terceiro traço característico do Regime Capitalista é o Trabalho Assalariado.
Relações entre os homens na produção capitalista
Os traços característicos do regime capitalista são, pois em número de três:
1. A produção para o mercado (produção de mercadorias);
2. A monopolização dos meios de produção pela classe capitalista;
3. O trabalho assalariado, isto é, baseado na venda da força de trabalho.
Todas essas características relacionam-se com a seguinte questão: que relações mútuas mantêm os homens quando fabricam e repartem os produtos? Quando se fala de “produção de mercadorias” ou de “produção para o mercado”, que significa isto? Significa que os homens trabalham uns para os outros, mas que cada um produz, por sua parte, para o mercado, sem saber quem lhe comprará a mercadoria. Suponhamos o artesão A e o camponês B. O artesão A leva ao mercado as botas que ele fabricou, vendendo-as a B; com o dinheiro recebido, ele compra pão a B. A, quando se dirigia ao mercado, não sabia que havia de encontrar ali B, e B ignorava que havia de encontrar A; um e outro iam, muito simplesmente, ao mercado. Quando A compra o pão e B as botas, parece que B tinha trabalhado para A e A para B; mas, isto não se percebe, assim, à primeira vista. A confusão do mercado é que os impede de ver que, na realidade, trabalha um para outro e não podem viver um sem o outro. No regime da produção de mercadorias, os homens trabalham uns para os outros. Conseqüentemente, neste regime, as funções dos homens se repartem de modo particular; os homens se encontram em certas relações mútuas; trata-se, pois, aqui, de relações entre os homens.
Quando se fala da “monopolização dos meios de produção” ou do “trabalho assalariado”, trata-se, igualmente, de relações entre os homens. E, com efeito, que significa essa “monopolização”? Significa que os homens, fabricando os produtos com meios de produção de que não são proprietários — os trabalhadores — estão sujeitos aos possuidores desses meios, isto é, aos capitalistas. Em resumo, trata-se, também aí, de relações entre os homens na fabricação dos produtos. Essas relações entre os homens, no curso da produção, chamam-se relações de produção.
Não é difícil verificar que as relações de produção não foram sempre as mesmas. Houve um tempo em que os homens viviam em pequenas comunidades, trabalhavam em comum, como camaradas, iam à caça, à pesca, colhiam os frutos e as ervas, e, a seguir, dividiam tudo isto entre si. Era uma forma de relações de produção. No tempo da escravidão, havia outras relações de produção. No regime capitalista, existem ainda outras relações, e assim por diante. Por conseguinte, há diversas espécies de relações de produção. São denominadas: estrutura econômica da sociedade ou modos de produção.
“As Relações Capitalistas de Produção!, ou, em outras palavras, a "Estrutura Capitalista da Sociedade" — são as relações existentes entre os homens na produção de mercadorias, caracterizada pelo monopólio dos meios de produção por parte de um pequeno grupo de capitalistas e pelo trabalho assalariado das classes trabalhadoras.
A Exploração da força de trabalho
Uma pergunta se impõe. Com que fim a classe capitalista contrata operários? Todo o mundo sabe que não é de nenhum modo, porque os fabricantes desejam sustentar os operários esfomeados, e sim porque querem tirar lucro deles. Visando o lucro é que os capitalistas constroem suas fábricas, visando o lucro é que contratam operários, visando o lucro é que farejam os lugares em que se vende mais caro. O lucro dirige todos os seus cálculos. Nisto, também, existe um aspecto curioso da sociedade capitalista. Não é a própria sociedade que produz, com efeito, o que lhe é necessário e útil, mas sim a classe dos capitalistas é que obriga os operários a produzir o que se paga mais caro, aquilo de que ela pode tirar o maior lucro. A aguardente, por exemplo, é uma coisa muito prejudicial, e só se deveria fabricar o álcool para aplicações técnicas e medicinais. E, no entanto, em todo o mundo há capitalistas que consagram todas as suas energias à fabricação da aguardente. Por quê? Porque se pode tirar um grande lucro da embriaguez do povo.
Precisamos explicar, agora, como se forma o lucro. Para isto, encaremos mais de perto a questão. O capitalista recebe o seu lucro sob a forma de dinheiro, ao vender a mercadoria produzida em sua fábrica. Que soma recebe ele? Depende do preço da mercadoria. Mas, que é que fixa este preço? Por que é ele alto para certas mercadorias e baixo para outras? Uma coisa, aí, é fácil de observar: quando, numa indústria qualquer, se introduzem novos maquinismos e o trabalho nela se tornou vantajoso, ou como se diz, mais produtivo, o preço das mercadorias baixa. Ao contrário, quando a produção é difícil e se produzem menos mercadorias, o trabalho é menos produtivo, e o preço das mercadorias sobe. (nota 2)
Se a sociedade emprega, em média, muito trabalho para fabricar uma mercadoria, o preço desta última é elevado; se o trabalho foi menor o preço é baixo. A quantidade de trabalho social fornecida por uma técnica média (isto é, por máquinas e instrumentos que, sem serem os melhores, não são os piores) e empregada para a produção de uma mercadoria, determina, o valor (ou o custo) dessa mercadoria. Vemos, agora, que o preço é fixado pelo valor. Na realidade, o preço é, ora mais elevado, ora mais baixo que o valor, mas, para simplificar, podemos admitir que valor e preço são iguais.
Lembremo-nos, agora, do que dissemos a respeito da contratação dos operários: contratar é comprar uma mercadoria particular — a força de trabalho. Mas, uma vez que a força de trabalho é convertida em mercadoria, tudo o que se refere às mercadorias lhe é aplicável. Quando o capitalista contrata um operário, paga-lhe o preço ou, para simplificar, o valor de sua força de trabalho. Por que meio este valor é determinado? Vimos que, para todas as mercadorias ele é determinado pela quantidade de trabalho empregada em produzi-las. Assim também, no que diz respeito à força de trabalho.
Mas, que se entende por produção da força de trabalho? A força de trabalho não se produz numa fábrica; não é nem tecido, nem graxa, nem máquina. Que se entende por sua produção?
É bastante observar a vida real, no regime capitalista, para compreender do que se trata. Suponhamos que os operários tenham terminado o seu trabalho. Estão muito cansados, não têm mais força, não podem mais trabalhar. Quase que se esgotou a sua força de trabalho. É preciso comer, descansar, dormir, refazer o organismo, e desta maneira, “reconstituir suas forças”. Somente em seguida é que reaparece a possibilidade de trabalhar, reconstituindo-se a força de trabalho.
A alimentação, a roupa, o alojamento etc. — em suma, a satisfação das necessidades do operário é que, portanto, representa a produção da força de trabalho. É preciso, porém, juntar a isto elementos tais como as despesas de aprendizagem em se tratando de operários qualificados.
Tudo o que consome a classe operária, a fim de renovar sua força de trabalho, tem um valor; consequentemente, o valor dos gêneros alimentícios, bem como as despesas de aprendizagem eis o que constitui o valor da força de trabalho. A mercadorias diferentes corresponde valor diferente. Assim, também, cada espécie de força de trabalho tem seu valor; a força de trabalho de um tipógrafo é diferente da de um servente de pedreiro, e assim por diante.
Tratemos, de novo, da fábrica. O capitalista compra a matéria prima, o combustível, as máquinas, o lubrificante e outras coisas indispensáveis; em seguida, ele compra a força de trabalho, “contrata operários”. Tudo isto, ele o faz com dinheiro à vista. Começa a produção. Os operários trabalham, as máquinas rodam, consome-se o combustível, gasta-se o óleo, o edifício estraga-se, esgota-se a força de trabalho. Em compensação, da fábrica sai uma nova mercadoria. Essa mercadoria, como todas as mercadorias, tem um valor. Qual é o seu valor? Em primeiro lugar, a mercadoria absorveu o valor dos meios de produção que foram gastos para ela: a matéria prima, o combustível consumido, o uso das máquinas, etc. Tudo isto faz, agora, parte do valor da mercadoria.
Em segundo lugar, entrou nela o trabalho dos operários. De trinta operários, cada um trabalhou trinta horas na sua fabricação. Isto faz um total de 900 horas de trabalho; por conseguinte, o valor total da mercadoria produzida se comporá do valor das matérias gastas (suponhamos, por exemplo, que este valor seja igual a 600 horas de trabalho) e do valor novo que os operários lhe ajuntaram com o seu trabalho (900 horas), o que quer dizer que ele será de (600 mais 900) 1.500 horas de trabalho.
Mas, quanto custa a mercadoria ao capitalista? Ele pagou totalmente a matéria prima, isto é, uma soma correspondente, quanto ao seu valor, a 600 horas de trabalho. E a força de trabalho? Ele, por, acaso, pagou integralmente as 900 horas? Este é o nó da questão. Ele pagou, de acordo com o que supusemos, todo o valor da força de trabalho em razão dos dias de trabalho. Quando 30 operários trabalham suas trinta horas durante três dias, ou sejam dez horas por dia, o fabricante paga a quantia necessária para a reconstituição de sua força de trabalho em razão destes três dias. Que quantia é esta? A resposta e simples: ela é muito inferior ao valor de 900 horas. Por quê? Porque uma coisa é quantidade de trabalho necessária ao sustento de minha força de trabalho, e outra coisa muito diferente, é a quantidade de trabalho que posso fornecer.
Posso trabalhar dez horas por dia. E, para comer, vestir-me, etc., preciso, para um dia de objetos de um valor igual a cinco horas. Por conseguinte, posso trabalhar muito mais que o necessário para o sustento de minha força de trabalho. Dentro do nosso exemplo, admitamos que os operários só gastem, para alimentar-se, vestir-se, etc., durante três dias, produtos de um valor de 450 horas de trabalho, fornecendo um trabalho de 900 horas: ficam 450 horas para o capitalista, que formam precisamente a fonte de seu lucro.
Na realidade, a mercadoria custa ao capitalista, como vimos (600 mais 450) — 1.050 horas, e ele a vende por um valor de (600 mais 900) — 1.500 horas; as 450 horas são a mais-valia criada pela força de trabalho. Segue-se daí que os operários trabalham a metade de seu tempo (sejam cinco horas num dia de dez horas) para reconstituir o que eles gastam para si mesmos, e a outra metade é empregada por eles, inteiramente, para o capitalista.
Consideremos, agora, a sociedade inteira. Porque não é o que individualmente faz o fabricante ou o operário que nos interessa. O que nos interessa é o mecanismo desta máquina gigantesca que se chama sociedade capitalista. A classe capitalista faz trabalhar a classe operária, numericamente formidável. Em milhares de fábricas, nos poços das minas, nas florestas e nos campos, trabalham, como se fossem formigas, centenas de milhões de operários. O capitalista lhes paga, a título de salário, o valor de sua força de trabalho, valor este que se destina à renovação desta mesma força de trabalho em favor dele, capitalista. A classe operária não recebe integralmente o produto de seu trabalho: ela cria a renda das classes superiores, cria a mais-valia. Esta mais-valia vai para o bolso dos patrões por milhares de canais. Uma parte é embolsada pelo próprio capitalista, é o seu lucro de empresário; outra parte é embolsada pelo proprietário e possuidor da terra; outra vai ter, sob a forma de impostos, às mãos do Estado Capitalista; e outra aos lojistas, aos merceeiros, às igrejas e aos prostíbulos, aos atores e aos palhaços, aos escritores burgueses, etc. À custa dessa mais-valia vivem todos os parasitas chocados pela galinha de ouro da ordem social capitalista. Uma parte dessa mais-valia é, por sua vez, utilizada pelos capitalistas. Seu capital cresce. Ampliam as empresas, contratam mais operários. Adquirem novas máquinas. Um maior número de operários fornece-lhes uma mais-valia ainda maior. Cada vez mais vastas se tornam as empresas capitalistas. Assim, a cada minuto, progride o capital, acumulando mais-valia. O capital, sugando a mais-valia dos trabalhadores, explorando-os, cresce continuadamente.
O Capital
Vemos agora, claramente, o que é o Capital. É, antes de tudo, um valor determinado, seja sob a forma de dinheiro, de máquinas, de matérias primas, de edifícios, de fábricas, seja sob a forma de produtos fabricados. Mas, trata-se de um valor que serve para produzir um novo valor: a mais-valia. O capital é um valor que produz a mais-valia. A produção capitalista é a Produção da mais-valia.
Na sociedade capitalista, as máquinas, os edifícios, representam um capital. Mas, são sempre capital? Não. Se existisse um sistema fraternal de produção para toda a sociedade, nem as máquinas nem as matérias primas seriam capital, porque não serviriam mais para extrair lucro em benefício de um punhado de ricos. Por conseguinte, as máquinas, por exemplo, só se transformam em capital na medida em que são a propriedade privada da classe dos capitalistas e servem para explorar o trabalho assalariado, para produzir a mais-valia.
Não tem importância a forma desse valor; tanto ele pode consistir em pequenas moedas de ouro, como em papel-moeda e é com ele que o capitalista compra os meios de produção e a força de trabalho; esse valor pode, também, assumir a forma de máquinas, com as quais trabalham os operários, ou de matérias primas, que eles convertem em mercadorias ou ainda de produtos manufaturados que serão vendidos mais tarde. Mas, desde o momento em que esse valor serve para a produção da mais-valia trata-se do capital.
De ordinário, o capital só deixa uma forma para tomar outra. Vejamos como se opera a transformação:
I — O capitalista ainda não comprou força de trabalho, nem meios de produção. Mas, anseia por contratar operários, procurar máquinas, fazer vir matérias primas, carvão em quantidade bastante. Nesse momento, ele nada tem, a não ser o dinheiro, O capital apresenta-se aí sob a forma de moeda.
II — Com essa provisão de dinheiro, o capitalista vai ao mercado (está visto que não o faz pessoalmente, porque tem para isto o telefone, o telégrafo, etc.). Uma vez, aí se dá a compra dos meios de produção e da força de trabalho. O capitalista volta à fábrica sem dinheiro, mas com operários, máquinas, matérias primas, combustível. Todas essas coisas, agora, não são mais mercadorias. Deixaram de ser mercadorias, pelo fato de não se prestarem mais à venda, O dinheiro foi transformado em meios de produção e em força de trabalho, perdendo o seu aspecto monetário, O capital apresenta-se agora, sob a forma de capital industrial.
Em seguida, começa o trabalho. As máquinas entram em ação, as rodas giram, as alavancas funcionam, os operários e as operárias suam em bicas, as máquinas gastam-se, as matérias primas diminuem, a força de trabalho esgota-se.
III — Então, todas essas matérias primas, o uso das máquinas, a força de trabalho em ação, se transformam, pouco a pouco, em pilhas de mercadorias. Desta vez, o capital deixa o aspecto material de instrumento de fabricação e aparece como uma pilha de mercadorias. É o capital sob a sua forma comercial. Mas, não só mudou de aspecto, como aumentou, também, de valor, porque, no curso da produção, foi acrescido da mais-valia.
IV — Não obstante, o capitalista não faz produzir mercadorias para seu uso pessoal, e sim para o mercado, para a venda. O que acumulou no seu depósito tem que ser vendido. A princípio, o capitalista ia ao mercado na qualidade de comprador; agora, deve ir aí como vendedor. No princípio, tinha o dinheiro em mão e queria adquirir mercadorias (os meios de produção); agora, ele tem nas mãos as mercadorias e quer obter dinheiro. Quando a mercadoria é vendida, o capital passa de novo de sua forma comercial para sua forma monetária. Mas, a quantidade de dinheiro recebida pelo capitalista não é mais a que ele havia dado no começo, porque ela cresceu com o excedente da mais-valia.
Mas, ainda não terminou a circulação do capital. O capital aumentado é novamente posto em movimento e adquire uma quantidade ainda maior de mais-valia. Essa mais-valia se junta em parte ao capital e começa um novo ciclo, e assim consecutivamente, o capital, como se fosse uma bola de neve, rola sem cessar, e, a cada volta, uma quantidade crescente de mais-valia se lhe agrega. Isto quer dizer que a produção capitalista cresce e alargar-se.
Eis como o capital subtrai a mais-valia à classe operaria e se infiltra em toda a parte. Seu crescimento rápido explica-se por suas qualidades particulares. É verdade que a exploração de uma classe por outra já existia antes. Mas, tomemos para exemplo, um proprietário agrícola, no tempo da servidão, ou um senhor de escravos na antiguidade. Eles oprimiam seus servos ou seus escravos. Tudo o que estes produziam, era comido pelos senhores, era bebido por eles, por eles mesmos consumidos ou o faziam consumir por sua corte ou seus numerosos parasitas. A produção das mercadorias era muito fraca e não se podia vendê-las em parte alguma. Se os proprietários ou os senhores tivessem querido obrigar seus servos ou seus escravos à produção de montanhas de pão, de carne, de peixe, etc., tudo isto teria apodrecido. A produção limitava-se, então, a satisfazer as necessidades do proprietário e de sua comitiva. O mesmo não se dá no regime capitalista. Nele, não se produz para a satisfação das necessidades, e sim para o lucro. Produz-se a mercadoria para vendê-la, realizar um ganho, acumular lucro. Quanto maior for o lucro, tanto melhor. Daí essa corrida insensata da classe capitalista em busca do lucro. Esta sede de lucros não tem limites. Ela é o eixo, o motor principal da produção capitalista.
O Estado capitalista
A sociedade capitalista baseia-se, como vimos, na exploração da classe operária. Um punhado de indivíduos possui tudo; a maioria dos operários nada possui. Os capitalistas mandam, os operários obedecem. Os capitalistas exploram, os operários são explorados. A sociedade capitalista consiste essencialmente nesta exploração implacável e sempre crescente.
A produção capitalista é uma bomba que se destina a aspirar a mais-valia. Como, porém, pode funcionar essa bomba, há tanto tempo? Como os operários suportam semelhante estado de coisa? Há duas razões principais:
1. A organização e a força está nas mãos dos capitalistas;
2. A burguesia domina geralmente os cérebros da classe operária.
O esteio mais firme da burguesia é a organização do Estado. Em todos os países capitalistas, o Estado não passa de uma coligação de patrões. Escolhamos, ao acaso, qualquer país: a Inglaterra ou os Estados Unidos, a França ou o Japão... Ministros, altos funcionários, deputados, são sempre os mesmos capitalistas, proprietários, usineiros, banqueiros ou seus servidores fiéis, e bem pagos, que os servem, não por medo, mas cheios de zelo: advogados, diretores de bancos, professores, generais e bispos.
A organização de todos esses burgueses, que abraça o país inteiro e o prende em suas garras, chama-se o Estado. Ela tem um duplo fim: o principal é reprimir as desordens e as revoltas dos operários, sugar mais à vontade a mais-valia da classe operária e assegurar a solidez do modo capitalista de produção; o outro fim é lutar contra outras organizações semelhantes (outros Estados burgueses) para a divisão da mais-valia extorquida. Assim, o Estado capitalista é uma associação de patrões que garante a exploração. São exclusivamente os interesses do capital que guiam a atividade desta associação de bandidos.
A essa concepção do Estado burguês, podem ser feitas as seguintes objeções: — Dizeis que o Estado é guiado unicamente pelos interesses do Capital. Mas, olhai: em todos os países capitalistas, existem leis operárias que proíbem ou limitam o trabalho das crianças diminuem o dia de trabalho, etc.; na Alemanha, por exemplo, no tempo de Guilherme II, o seguro operário não era mal organizado pelo Estado; na Inglaterra, foi igualmente um ministro burguês, o ativo Lloyd George, que instituiu os seguros e os asilos para os velhos; em todos os Estados burgueses, constroem-se hospitais, casas de convalescença para os operários; constroem-se estradas de ferro, que transportam tanto os pobres quanto os ricos; fazem-se aquedutos, canalizações de águas nas cidades, etc. e todo o mundo se aproveita dessas coisas. Por conseguinte — dirão muitos — mesmo num país em que o Capital domina, o Estado não age unicamente no interesse do Capital, mas também no interesse dos operários. Ele impõe mesmo, algumas vezes, multas aos fabricantes que transgridem as leis operárias.
Essas objeções não se justificam, e diremos porque. É verdade que o poder burguês dita, algumas vezes, leis e decretos de que se aproveita também a classe operária. Mas, se ele o faz, é no interesse da burguesia. Tomemos para exemplo a estrada de ferro: — elas são utilizadas pelos operários, servem também aos operários, mas não são construídas para eles. Comerciantes, fabricantes, precisam delas para o transporte de suas mercadorias, a circulação de seus gêneros, a mobilização das tropas e dos operários, etc.. O Capital precisa de estradas de ferro e as constrói para o seu próprio interesse. Elas são úteis, também, aos operários, mas esta não é a razão que faz com que o Estado capitalista as construa. Consideremos, também, a limpeza das ruas, o serviço municipal de assistência e dos hospitais; a burguesia também os assegura nos bairros operários. É bem verdade que, comparados aos bairros burgueses, os bairros operários são sujos e constituem focos de infecção, etc. Mas, ainda assim, a burguesia faz alguma coisa. Por quê? Muito naturalmente porque, a não ser assim, as doenças e as epidemias se espalhariam por toda à cidade e iriam causar sofrimentos aos burgueses. O Estado burguês e seus órgãos das cidades são guiados, também, nesses casos, pelos interesses da própria burguesia.
Ainda um exemplo. Na França, nos últimos dez anos, os operários aprenderam da burguesia a limitar artificialmente os nascimentos: ou as famílias não têm filhos ou não têm mais de dois. A miséria, entre os operários, é tão grande que se torna difícil e quase impossível sustentar uma família numerosa. A conseqüência é que a população da França quase não aumenta mais. Os soldados começam a faltar à burguesia francesa. Eis que ela se lamenta: “A nação corre perigo! Na Alemanha a população aumenta mais depressa do que em nosso país”. Seja dito de passagem: os soldados que se apresentavam à chamada todos os anos eram baixos, fracos do peito, pouco vigorosos. Então, a burguesia tornou-se, subitamente, mais “liberal”; ela mesma insistiu por certas melhorias em proveito da classe operária para que esta se fortalecesse um pouco e produzisse mais filhos. Isto porque, morrendo a galinha, lá se vão os ovos.
Em todos esses casos, a burguesia é que adota, por si mesma, medidas úteis aos operários, mas, para isto, ela é guiada por seus próprios interesses. Há casos em que leis úteis são ditadas pela burguesia sob a pressão da classe operária. São os mais numerosos. Quase todas as “leis operárias” foram obtidas deste modo — por meio de ameaça dos operários. Na Inglaterra, a primeira diminuição do dia de trabalho — reduzido a dez horas — foi adquirida sob a pressão dos operários; na Rússia o governo czarista promulgou as primeiras leis sobre fábricas, amedrontado pela agitação e pelas greves. Neste caso, o Estado, inimigo da classe operária, o Estado, esta coligação de patrões, faz o cálculo seguinte, em seu próprio interesse: “É melhor ceder alguma coisa hoje, do que ceder amanhã o duplo e arriscar talvez nossa pele”. Assim como o fabricante, cedendo aos grevistas e aumentando-os alguns tostões, não deixa de ser fabricante, o Estado burguês também não deixa de ser burguês quando, ameaçado de uma agitação operária, atira um ossinho ao proletariado.
O Estado capitalista não é somente a maior e a mais poderosa organização burguesa; é, ao mesmo tempo, uma organização muito complicada, com numerosas funções e cujos tentáculos se distendem em todos os sentidos. Tudo isto tem por fim principal a defesa, o reforço e a extensão da exploração dos operários. O Estado dispõe, contra a classe operária, tanto de meios de coerção brutal, quanto de escravidão moral, meios que constituem os órgãos mais importantes do Estado capitalista.
Entre os meios de coerção brutal, é preciso notar, em primeiro lugar, o exército, a polícia civil e militar, as prisões e os tribunais, e seus órgãos auxiliares: espiões, provocadores fura-greves, capangas, etc.
O exército, no Estado capitalista, é uma organização à parte. À sua frente, estão os oficiais superiores, as “altas patentes”. Recrutam-se entre os intelectuais. São os mais encarniçados inimigos do proletariado; são instruídos, desde a sua mocidade, em escolas militares especiais. Ensinam-nos a embrutecer os soldados, a defender a honra da “farda”, isto é, a conservar os soldados em completa escravidão e a fazer deles peões de jogo de xadrez. Os mais capazes desses aristocratas e grandes burgueses chegam a generais, e cobrem-se de cruzes e condecorações.
Os oficiais também não saem das classes pobres. Tem nas mãos toda a massa dos soldados. E os soldados estão, de tal modo trabalhados que não se atrevem a perguntar por que se batem e só vêem com os olhos dos superiores Tal exército se destina, antes de tudo, à repressão dos movimentos operários.
Na Rússia, o exército do czar serviu, por mais de uma vez, para reprimir revoltas de operários e de camponeses. No reinado de Alexandre II, antes da libertação dos camponeses, numerosas revoltas de camponeses foram sufocadas pelo exército. Em 1905, o exército fuzilou os operários durante a insurreição de Moscou; efetuou expedições de castigo nas Províncias Bálticas, no Cáucaso, na Sibéria, em 1906-1908, reprimiu as revoltas dos camponeses e protegeu os bens dos proprietários de terras. Durante a guerra, fuzilou os operários em Ivanovo-Vosnessensk e em Kostroma. Os mais cruéis foram, em toda a parte, os oficiais e os generais.
No estrangeiro se dá o mesmo. Na Alemanha, o exército do Estado capitalista serviu também para passar a fio de espada os operários. A primeira revolta de marinheiros foi reprimida pelo exército. Na França, por mais de uma vez, o exército fuzilou os grevistas; atualmente, ele fuzila os operários e os soldados russos revolucionários. Na Inglaterra, ainda nestes últimos tempos, o exército, por diversas vezes, afogou em sangue as revoltas dos operários irlandeses, dos semi-escravos egípcios e atacou as reuniões operárias na própria Inglaterra. Na Suíça, desde que se declara uma greve, são mobilizadas as metralhadoras e a intitulada milícia; mais de uma vez, esta milícia atirou nos operários. Nos Estados Unidos, o exército sempre queimou e arrasou cidades inteiras de operários (durante a greve do Colorado, por exemplo). Os exércitos dos Estados capitalistas se unem atualmente, para sufocar a Revolução dos operários na Rússia, na Hungria, nos Bálcãs, na Alemanha e para reprimir a Revolução Proletária no mundo inteiro.
Polícia militar e civil. — O Estado capitalista além de seu exército regular, possui ainda um corpo de vadios exercitados e tropas especialmente instruídas para a luta contra os operários. É verdade que essas instituições (a polícia, por exemplo), têm, igualmente, por fim a luta contra os ladrões e a chamada “garantia pessoal e material dos cidadãos”, mas elas são mantidas, também, para dar caça, perseguir e castigar os operários descontentes.
Na Rússia, os agentes de polícia eram os mais seguros defensores dos proprietários de terras e do czar. A polícia mais brutal, em todos os Estados capitalistas, é a polícia secreta (a polícia política, chamada da Okhrana, na Rússia), assim como a cavalaria. Com elas trabalham uma infinidade de secretas, provocadores, espiões, fura-greves e toda uma corja.
A esse respeito, é muito interessante o modo de proceder da polícia secreta americana; Ela tem relações com uma quantidade imensa de escritórios de detetives privados ou semi-oficiais. As célebres aventuras de Nat Pinkerton foram, na realidade, agressões aos operários. Os provocadores colocavam bombas em casa dos líderes operários, procuravam convence-los de que deviam assassinar os capitalistas, etc. Estes mesmos detetives alistam uma quantidade regular de fura-greves (chamados scabs), bem como destacamentos de vagabundos organizados que matam, na ocasião propícia, os operários em greve. Não há infâmias de que não sejam capazes esses bandidos ao serviço do Estado “democrático” dos capitalistas americanos
A Justiça, no Estado burguês, é um meio de defesa para a burguesia; antes de tudo, ela condena os que se atrevem a atentar contra a propriedade capitalista ou contra o regime capitalista. Esta justiça condenou Liebknecht aos trabalhos forçados e absolveu seus assassinos. As autoridades judiciárias procedem com o mesmo rigor dos carrascos do Estado burguês. O fio da sua espada é dirigido contra os pobres, e não contra os ricos.
Tais são as instituições do Estado capitalista que têm a incumbência da repressão direta e brutal da classe operária.
Entre os meios de escravização moral da classe operária que estão à disposição do Estado capitalista é preciso ainda mencionar os três principais: a Escola oficial, a Igreja oficial e a Imprensa oficial ou pelo menos sustentada pelo Estado burguês.
A burguesia compreende muito bem que ela não dominará as massas operárias só pela força bruta, Precisa, pois, tecer, em torno dos cérebros das massas, uma fina teia de aranha. O Estado burguês tem os operários na conta de bestas de carga: é preciso que este gado trabalhe, mas não dê coices. É necessário, pois, não só espancá-lo e fuzilá-lo, assim que ele escoiceie, como também domesticá-lo, dominá-lo, como fazem certos especialistas nos picadeiros. Assim também, o Estado capitalista educa, para o abastardamento, o embrutecimento e a domesticação do proletariado, técnicos, professores públicos e mestres burgueses, padres e bispos, escrevinhadores e jornalistas burgueses. Na escola, estes especialistas ensinam às crianças, desde a mais tenra idade, a obedecer ao Capital; a desprezar e a odiar os revoltados; desfiam diante delas uma série de lendas falsas sobre a Revolução e o movimento revolucionário; czares, reis, industriais, são glorificados; nas igrejas, os padres a soldo do Estado proclamam: “Não há poder que não venha de Deus”; os jornais burgueses buzinam todos os dias aos ouvidos de seus leitores operários esta mentira burguesa. Em tais condições, é fácil ao operário sair de seu atoleiro?
Um bandido imperialista alemão escreveu: “Temos necessidade, tanto das pernas dos soldados, como de seu cérebro e de seu coração. O Estado burguês quebra lanças justamente para fazer da classe operária um animal doméstico que trabalhe como um cavalo, produza a mais-valia e fique inteiramente manso. É assim que o regime capitalista, garante o seu desenvolvimento. A máquina de exploração põe-se a agir. Da classe operária oprimida, extrai-se continuamente, a mais-valia. E o Estado capitalista, de sentinela, impede que os escravos assalariados se revoltem.
Contradições principais do regime capitalista
Agora, é preciso indagar se a sociedade burguesa está bem construída. Uma coisa só é sólida e boa quando todas as suas partes se ajustam bem. Tomemos, para exemplo, um mecanismo de relógio: ele só funciona regularmente e sem parar, quando cada roda se adapta bem à roda vizinha, dente por dente. Consideremos, agora, a sociedade capitalista. Notamos, sem esforço, que ela não está solidamente construída, como parece, e que, pelo contrário, deixa transparecer grandes contradições e. apresenta graves fendas.
Antes de tudo, no regime capitalista, não existe produção nem repartição organizadas das mercadorias; há anarquia da produção. Que significa isto? Significa que cada patrão capitalista (ou cada associação de capitalistas) produz as mercadorias independentemente dos outros. Não é a sociedade inteira quem calcula o que lhe é preciso, mas simplesmente os industriais que fazem fabricar, visando somente à realização do maior lucro possível e a derrota de seus concorrentes no mercado. Por isto, produzem-se, por vezes, mercadorias em excesso (trata-se, evidentemente, da situação anterior à guerra) e não se pode comercializá-las, desde que os operários não podem comprá-las, por falta de dinheiro. Então, sobrevém uma crise: as fábricas são fechadas, os operários postos no olho da rua.
Ainda mais, a anarquia na produção arrasta consigo a luta pelo mercado; cada produtor quer retirar ao outro seus compradores, atraí-los para o seu lado, açambarcar o mercado. Esta luta assume diversas formas, múltiplos aspectos, começando pela luta entre dois fabricantes e acabando pela guerra mundial entre os Estados capitalistas para a partilha dos mercados do mundo inteiro. Não se trata mais, aí, apenas das partes integrantes da sociedade capitalista que se entrosam uma na outra, mas de um verdadeiro choque entre elas.
Portanto, a primeira causa da desarmonia do capitalismo é a anarquia na produção, que se manifesta pelas crises, pela concorrência e pelas guerras.
A segunda causa de desarmonia é a divisão em classes. Porque a sociedade capitalista, no fundo, não constitui uma única sociedade, mas está partida em duas sociedades: os capitalistas, de um lado; os operários e os pobres, do outro. Estas duas sociedades hostilizam-se mútua, irreconciliável e continuamente; hostilidade que se traduz pela luta de classes. Vemos de novo que as diversas partes da sociedade capitalista, não só se ajustam umas às outras, como se encontram em contínuo antagonismo.
O capitalismo se desmoronará ou não? A resposta depende do seguinte exame: se, observando o desenvolvimento tomado pelo capitalismo no correr dos tempos, vemos que suas contradições vão diminuindo, podemos profetizar-lhe uma longa vida; se, pelo contrário, descobrirmos que, com o tempo as diversas partes da sociedade capitalista se chocam cada vez mais fortemente, e de modo inevitável, e que as fendas desta sociedade devem, de modo não menos inevitável, transformar-se em abismos, então poderemos entoar o De Profundis...
É preciso, pois, estudar o desenvolvimento capitalista.
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