Introdução
Um pensador da importância do filósofo alemão Karl Marx (1818-83) suscita discussões permanentes, nas quais se insere este trabalho. Não se trata para nós, contudo, apenas de um interesse acadêmico ou simples curiosidade, desliado da realidade: trata-se de encontrar respostas para questões que, na atualidade, ferem gravemente a ciência e a prática de uma humanidade extremamente carente de autoconhecimento. Tal análise se torna ainda mais premente após o colapso dos regimes do leste europeu, pretensamente socialistas, cuja consideração impõe-se a quem quer que se preocupe com a questão da emancipação humana. Enfim, as discussões levantadas numa pesquisa sobre o pensamento de Marx estão estreitamente atadas a problemas práticos e científico-filosóficos contemporâneos.
Problemas estes que refletiram nos inúmeros “reexames”, nas incontáveis “leituras” a que foi submetida obra de Marx – o que efetivamente configura o seu destino trágico: ela sofre com deturpações, incompreensões, atribuições aleatórias de sentido. Mesmo os autodenominados partidários de Marx – ou justamente eles – muito têm contribuído para isso: Hobsbawm observou, certa vez, que o marxismo “sempre sofreu com a tendência dos marxistas de começar por decidir o que pensam que Marx deveria ter dito e depois procurar a confirmação, nos textos, dos pontos de vista escolhidos” (Hobsbawm apud Fernandes, 1989, p. 10).
Compreender um objeto implica apreender sua differentia specifica; no nosso caso, isso faz fundamental remeter à gênese do marxismo, a seu período de gestação, o que contribui para ultrapassar toda perspectiva unilateralizante, impeditiva de sua adequada compreensão. De fato, em boa parte como herança da II Internacional, o ideário de Marx foi visto por longo tempo como um materialismo mecanicista de caráter semipositivista; como reação a isso, passou-se a destacar “o papel ativo e criador dos fatores subjetivos, fazendo do marxismo uma filosofia da consciência próxima do idealismo hegeliano e distante do materialismo” (Frederico, 1990, p. 9). O “jovem Marx” é considerado ora simplesmente hegeliano, ora meramente feuerbachiano, e diante da “unilateralização sofisticada sob a qual passaram a ser apreendidas as investigações, desimportavam as origens, passando a valer apenas a desembocadura no método redentor”, que desobriga ao exame do caminho (Chasin, 1995, p. 339). O Marx adulto ou é desmesuradamente aproximado de Hegel, chegando mesmo a ser qualificado como mero aplicador da lógica deste ao modo de produção do capital, ou, no outro extremo, é totalmente afastado dele.
Outro problema que aparece nos últimos decênios é a pura atribuição de significados ao texto marxiano, visto como uma “obra de pensamento” que escapa ao autor, tornando-se o que os ledores fazem dela, de acordo com os dilemas de seu tempo histórico. Com isso, a subsunção ativa aos escritos (e sua objetividade) acaba cedendo lugar às imputações mais ou menos bem-intencionadas.
De outra parte, a transição para a maturidade de Marx é atribuída a uma resolução epistêmica, fazendo crer que o eixo de sua teoria baseia-se nesse campo, pelo que têm se reproduzido as disputas acerca do estatuto científico do discurso marxiano e pela “descoberta” constante nela de perfis teóricos cognitivos e metodológicos os mais diversos. Ao final, como observou M. Löwy, as tentativas de superar o pensamento de Marx têm conduzido aquém dele (Löwy, 2002, p. 18).
Assim, poder-se-ia dizer, parafraseando o Marx d’A Sagrada Família, que os marxólogos das posições dominantes no século XX transformam “trivialidades em mistérios” e “sua arte não consiste em revelar o oculto, mas ocultar o revelado”.
Em verdade, entender a gênese e o caminho constitutivo do pensamento próprio de Marx é condicionante para atingir efetivamente as categorias que ele apreende no real e os contornos mesmos da sua teoria. Com tal objetivo – e ainda que com a profundidade rasa que uma atividade deste tipo comporta –, iniciaremos com um traçado histórico da Alemanha no início dos anos 1840, mostrando em seguida as principais reflexões do Marx pré-marxiano, tal como explicitadas nos artigos jornalísticos. Incluímos uma ligeira discussão sobre o problema do “jovem Marx”, posicionando-nos acerca do período da vida em que ele merece tal epíteto.
1) A “Miséria Alemã”
A forma específica pela qual a Alemanha chegou ao capitalismo industrial recebeu (por Lênin) a designação de via prussiana, que busca refletir a idéia de um país cujo desenvolvimento capitalista, embora fizesse progressos, era atrasado, mantendo-se essencialmente agrícola, com um proletariado incipiente em termos numéricos e políticos e que estava sob o jugo semifeudal dos Junkers – influentes aristocratas que forneciam os quadros para a poderosa burocracia prussiana e o exército, tão importantes num país em que vigia o culto ao militarismo.
Enquanto na Inglaterra e na França a coesão pátria deu-se já no processo de dissolução feudal (com a constituição das monarquias nacionais), na Alemanha a problemática da unidade nacional estava na ordem do dia da revolução burguesa. Isso porque até quase o final do século XIX ela não existia como um país unificado: compunha-se de 38 pequenos Estados, cada um dos quais tivera durante um longo período suas próprias leis civis, impostos e moedas, fronteiras aduaneiras, seu sistema de pesos e medidas – eram, enfim, um organismo econômico fechado cujos soberanos se aferravam ao poder e se opunham decididamente a todo progresso.
Conseqüentemente, na Alemanha a revolução burguesa – se feita – teria de começar pela conquista da unidade nacional, teria de se bater com preceitos que, nos países clássicos, haviam sido destruídos por séculos de lutas de classe, e teria de instaurar de uma vez órgãos e instituições nacionais que, naqueles países, também haviam sido o resultado de um processo secular. E, como o desenvolvimento do país foi tardio, mas vigoroso, a partir da segunda metade do século XIX a questão tornava-se ainda mais urgente, pois a necessidade de realizar a unidade nacional é tanto mais premente quanto mais robusto for o desenvolvimento capitalista.
Na Alemanha, progresso social e evolução nacional não se empuxam mutuamente, mas se contrapõem. Ali, o desenvolvimento do capitalismo não consegue produzir uma classe burguesa capaz de assumir a direção da nação. Recusando-se "a correr o menor risco”, as classes dominantes só “aceitam se mobilizar em torno de temas novos” “quando seu poder está gravemente posto em questão pelas idéias da Revolução Francesa”, pois “têm por único objetivo manter seus privilégios arcaicos, ajuntando a eles, tanto quanto possam, as vantagens da indústria", pelo que se compõem entre si e, “assim que a tormenta tenha passado, eles reconstituem, com toda tranqüilidade e sob a proteção de sua polícia, o ‘passado de tempos modernos’” (Châtelet, 1971, pp. 21 e 24).
Acresça-se a isso que a frágil burguesia alemã, consciente do antagonismo com o proletariado revolucionário e temerosa dos feitos deste mais além, abandona covardemente suas tarefas políticas, realizando apenas as econômicas (unidade monetária, liberdade profissional e de circulação etc.). E explicita seu caráter antiliberal em conciliações constantes com os representantes da antiga ordem[1].
De outra parte, quando o capitalismo industrial iniciou verdadeiramente seu caminho na Alemanha e noutros países retardatários (Rússia, Japão, Itália), o antagonismo entre burguesia e proletariado já era patente e assumido teórica e praticamente, alhures e aquém. Ainda mais: na Alemanha, com a transformação dos grandes senhorios feudais em um “absolutismo em miniatura” (privado de seus aspectos progressivos, como o servir de nascedouro e fonte de forças para a burguesia), as formas acentuadas de exploração dos camponeses não permitiam que se transformassem em proletários, dada a ausência de manufaturas, levando eles “vidas de lumpemproletários” (Lukács, 1972, p. 29).
Lembre-se que os anos 1840 assistem às primeiras lutas independentes e autônomas do proletariado europeu, que até então, na maior parte das vezes, estava ao lado da burguesia nas lutas revolucionárias (as ofensivas isoladas tinham geralmente um caráter espontâneo e destruidor, como o ludismo)[2]. Daí em diante, o incipiente movimento operário começa a alcançar um desenvolvimento ideológico, por meio de uma ligação com as teorias socialistas e comunistas – embora, a bem da verdade, estas não tenham em princípio se declarado uma força social e não pudessem resistir a uma crítica no plano teórico. Enquanto isso, na Alemanha o
proletariado, tão pouco desenvolvido quanto a burguesia, educado numa concreta submissão espiritual, não organizado e inclusive incapaz ainda de formar uma organização independente, somente pressentia, de modo vago, o profundo antagonismo de interesses que o separava da burguesia. Continuava sendo, portanto, seu apêndice político, apesar de na realidade ser seu adversário ameaçador. (Engels, s.d., p. 145)
A burguesia se assusta, portanto, com o que o proletariado alemão poderia ser em face do que já era o francês, optando por um conchavo com a monarquia e a nobreza contra os trabalhadores. A maioria da população era formada pela pequena burguesia urbana e pelos camponeses e, diferentemente da França,
não tinha a Alemanha uma classe média forte, consciente, politicamente educada, que liderasse a luta contra aquele absolutismo. /.../ A classe média urbana, distribuída em numerosas municipalidades, cada uma com seu próprio governo e seus próprios interesses locais, era impotente para cristalizar e efetuar qualquer oposição séria. (Marcuse, 1988, p. 26)
Transitou-se, pois, de antiga para nova ordem sem uma revolução, impondo-se um quadro de forte censura, proibição de reuniões políticas, ausência de organizações políticas, rigoroso controle das universidades, predomínio da religião (o Estado não se tinha tornado laico) e inexistência de um processo extensivo de industrialização ou urbanização do mesmo porte do que ocorria nos outros países europeus, localizando-se o país na retaguarda do desenvolvimento social europeu. “Não existiam instituições nacionais representativas. As assembléias provinciais, os Landtag, apenas tinham voz consultiva, e o seu princípio de representação por estados sociais reduzia fortemente os direitos da burguesia” (VVAA, 1983, p. 14). Por isso, conforme observou o filósofo húngaro G. Lukács,
Precisamente pelos anos em que a Europa ocidental /.../ abraçava resolutamente o caminho do capitalismo, da fundamentação econômica e do desdobramento ideológico da sociedade burguesa, vemos como, na Alemanha, se mantém em pé tudo o que há de miserável nas formas de transição da Idade Média à época moderna. (Lukács, 1972, p. 29).
Mas havia diferenças regionais. A cidade onde nasceu o pequeno Karl Marx, Trier, localiza-se na região da Renânia, então a mais desenvolvida em termos econômicos e políticos, tendo sido fortemente influenciada pela Revolução Francesa. Entre 1794 e 1815, o vale do Reno tinha feito parte da República Francesa sob o governo de Napoleão e, ainda que o Congresso de Viena tenha determinado a volta da maior parte da região para a Prússia feudal e absolutista, foi impossível apagar totalmente as modificações introduzidas pela dominação napoleônica e sua “missão civilizatória”, que, no essencial, suprimira o feudalismo. O descontentamento com o governo prussiano era patente na burguesia renana, que acabou por se tornar porta-voz dos círculos burgueses da Prússia e de toda a Alemanha.
Ao mesmo tempo, e em aparente contradição com as condições sociohistóricas do país, as construções teóricas alemãs alcançavam grande desenvolvimento, a ponto de Marx dizer que os alemães pensavam o que os outros povos realizavam. Aqui, as grandes lutas e polêmicas ocorriam no âmbito da filosofia e neste domínio – o ideal – havia na Alemanha uma reflexão filosófica que tendia a concentrar as grandes questões da época.
O descasamento entre a realidade sociopolítica atrasada, a ausência de fortes bases sociais e o desenvolvimento filosófico avançado fez que os ideólogos alemães cultivassem uma ideologia de caráter abstrato e especulativo, que aparentemente que não só não dependia da vida concreta como era o motor da história, de forma que a vida real devia submeter-se aos ideais que eles tinham elaborado. Isso só foi possível porque estava distanciada da realidade, mantendo-se inquestionada mesmo diante da falsidade de seus pressupostos.
O idealismo alemão surgiu, em grande medida, como resposta à Revolução Francesa que, no entender dos filósofos idealistas, veio completar a tarefa da Reforma. A Revolução abolira os restos do absolutismo feudal e emancipara o indivíduo que, livre de tradições e instituições atávicas, agora dependeria aparentemente apenas de sua própria atividade racional e livre. Ao mesmo tempo, o processo econômico parecia dar razão a essas noções, pois o capitalismo industrial punha à disposição novos meios demandados para a satisfação das necessidades humanas[3].
Em termos filosóficos, a Alemanha havia encontrado sua mais alta expressão em Georg W. F. Hegel (1770-1831), em cuja filosofia ecoavam os grandes abalos ocorridos na Europa entre fins do século XVIII e início do seguinte. As transformações profundas que se seguiram à Revolução Francesa, “bem como o impetuoso desenvolvimento das ciências, principalmente das ciências da natureza, assestaram um sério golpe no velho modo de pensar metafísico” (VVAA, 1983, p. 25). Escrita como resposta a tais processos sociais, a obra de Hegel filósofo marcou de tal forma a Alemanha que após a sua morte, ocorrida em 1831, e as Revoluções de 1848, o xis da filosofia alemã é a disputa pelo legado hegeliano. De fato, iniciou-se para a escola associada ao seu pensamento uma divisão, de forma que existem então dois grandes grupos, ambos hegelianos, que apreendem a obra de Hegel de forma diferente e tiram dela conclusões opostas. Ambas as tendências têm em comum o centrar suas forças em um ou outro aspecto da obra hegeliana, forçando uma interpretação estranha à figura do próprio Hegel, em quem a conciliação era o que mantinha o todo do seu pensamento unido, ainda que de maneira precária.
O nó górdio do pensamento hegeliano está sintetizado, principalmente, na frase “o racional é real; o real é racional”. Os hegelianos ortodoxos enfatizaram a primeira parte da frase, buscando com isso justificar a racionalidade do existente, identificado com a sociedade e o Estado prussianos. Já a nova geração de pensadores hegelianos realçava a última parte da frase, recaindo aí a ênfase no racional, objeção mais óbvia, segundo eles, às mazelas da realidade; o racional, então, só se realizaria de fato com a contestação e negação do existente irracional[4].
Assim, de um lado, os hegelianos ortodoxos (formando a chamada direita hegeliana), que privilegiava na obra de Hegel aspectos ou dubiedades que lhes permitiam forçar uma interpretação conservadora, de forma a torná-lo um teórico do Estado prussiano, um apologeta do existente. Esta corrente se fixou na construção sistêmica da obra de Hegel como algo acabado, expressa fundamentalmente no seu logicismo filosófico. Para Hegel, a história mundial é o processo lógico do desenvolvimento do Espírito, desenvolvimento este cujo sentido é a tomada de consciência pelo Espírito de sua liberdade. A partir disso, ele constrói uma teoria do fim da história, segundo a qual o processo de reconciliação do Espírito com a realidade histórica acaba se realizando na racionalidade do Estado.
Do lado oposto, jovens pensadores que rechaçavam o sistema filosófico geral de Hegel e tomavam como fundamental o que chamavam método hegeliano. De fato, esse grupo destaca na filosofia hegeliana o caráter negativo da dialética, o movimento contínuo da Idéia que põe o mundo em constante desenvolvimento ascensorial, desenvolvimento que se faz por meio de uma luta entre as contradições internas e que resulta no novo, na abolição das velhas contradições e no aparecimento de outras, próprias da nova situação. Baseando-se em tais premissas, esses jovens pensadores apontam para uma contradição forte e imanente do pensamento do velho filósofo, entre método e sistema: falar em realização da razão na história através do Estado desdiz as bases da filosofia de Hegel, segundo as quais a história é processualidade contraditória, dinâmica, que não tem um ponto final.
Os hegelianos mais radicais agrupavam-se em torno do Clube dos Doutores[5] e eram críticos acerbos da teologia e do misticismo presentes na filosofia hegeliana e na cultura alemã. Todavia, enquanto entre os conservadores havia uma grande unidade, a ideologia dos jovens hegelianos não representava algo de único, de internamente homogêneo: os “jovens hegelianos” estavam unidos apenas na oposição à direita e constituíam um bloco de pensadores extremamente heterogêneo. Dentre eles havia desde pensadores com tendências liberais até ateus, mais tendentes ao materialismo (estes últimos constituindo, sob grande influência de Feuerbach, precisamente a esquerda hegeliana)[6].
Aqui cabe um parêntese acerca da importância da religião – e, portanto, da crítica desta, levada a cabo pelos jovens hegelianos. Lembre-se que o Estado prussiano não era um Estado laico, de forma que, pela crítica à religião, estar-se-á fazendo na verdade uma crítica social elíptica, já que “negar a religião como revelação divina, declarar que ela era o produto do desenvolvimento do espírito humano, era minar um dos mais importantes pilares do regime absolutista” (VVAA, 1983, p. 27). Tomando mais detalhadamente um aspecto que Ludwig Feuerbach (1804-1872) destacava: “Se os homens redescobrirem, graças à crítica à religião, enfim posta a nu, sua própria essência, eles experimentarão sua liberdade” (Châtelet, 1971, p. 179). Assim, a crítica da religião tem um inequívoco papel político, torna-se a crítica de um Estado que ainda não se laicizou. Como o próprio Marx diria, na Alemanha daquela época a crítica religiosa era a porta de entrada da crítica social: “Tal como a religião é o resumo dos combates teóricos da humanidade, o Estado político é o resumo de seus combates práticos” (Marx, 1987e, p. 459). Dessa maneira, até o final dos anos 30, as principais controvérsias no interior do hegelianismo estavam concentradas nessa questão, ampliando-se a partir desse ponto para problemas sociopolíticos - nesse aspecto, Feuerbach tem grande proeminência.
Marx emerge como pensador no momento que há uma claríssima disputa pelo legado monumental que é a obra de Hegel. Desde o princípio, mostra simpatia pelos autores da esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach. Mas, mesmo quando se soma às fileiras da esquerda hegeliana, tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana à realidade prussiana (e a incompreensões do próprio método pelo velho filósofo) e mantinha uma atitude crítica em relação a ela. Já nos textos jornalísticos podemos encontrar críticas sociais radicais que inexistem em Hegel: isso se deve ao desenvolvimento burguês na Alemanha pós-Hegel, à influência de M. Hess e do socialismo francês sobre Marx e à recusa deste das soluções hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil.
Completemos o quadro com a dissolução da herança hegeliana. De fato, embora sua ascensão (1840) tenha sido cercada de ilusões progressistas da parte dos jovens hegelianos (das quais Marx não compartilhou), Frederico-Guilherme IV se dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos, afastando Bauer da Universidade de Berlim (março de 1842) e a multiplicando as medidas repressivas e policiais. Até por conta disso, em 1843 o grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em várias tendências que coagulavam as divergências delineadas no ano anterior – ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado prussiano e do liberalismo burguês. A partir de então, o hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento, processo que alcançou o auge em 1848, quando seus mais conseqüentes adeptos apoiaram as revoluções daquele ano e foram reprimidos por isso.
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841), Marx se dedicou a uma grande variedade de temas – jurisprudência, filosofia, história, socialismo e comunismo, economia política –; não estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito existentes, tentou desenvolver um sistema filosófico completo, experimento que foi objeto de numa feroz autocrítica por estudar de forma dogmática, não permitindo “que a coisa se encarregue de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivo”, mas apresentando-se como “obstáculo para compreender a verdade” (Marx, 1987a, pp. 6-7). E arremata: “na expressão concreta de um mundo de pensamentos vivos como são o direito, o Estado, a natureza, toda a filosofia, é necessário parar e escutar atentamente o próprio objeto em seu desenvolvimento, sem procurar inserir nele classificações arbitrárias, mas deixando que a razão mesma da coisa siga seu caminho contraditório e encontre em si mesma sua própria unidade” (Marx, 1987a, p. 7).
Assim consciente das debilidades de suas primeiras incursões filosóficas, no início de 1839 Marx mergulha no estudo da filosofia, empreendendo vasto trabalho histórico sobre a filosofia da Antigüidade e, em princípios de 1841, inicia a redação de sua tese doutoral. Ao comparar a filosofia da natureza de Demócrito (460 a.C. - 370 a.C.) e Epicuro (341 a.C. – 270 a.C., aproximadamente) – ambos adeptos do atomismo, portanto materialistas –, Marx salienta nelas radicais diferenças no que tange à verdade e à própria possibilidade do conhecimento e da ciência. O filósofo alemão lê em Demócrito passagens contraditórias sobre a certeza do conhecimento, uma dissociação entre essência e fenômeno que redundaria na impossibilidade de atingir a essência, já que os sentidos conhecem apenas a aparência dos fenômenos. Já para Epicuro os sentidos são dizem da verdade e o mundo sensível é objetivo, sendo que o elemento que permite que a essência seja desvelada é o tempo, no qual o fenômeno se apresenta como uma alienação da essência.
Outra das diferenças fundamentais salientadas por Marx entre os dois atomistas dá-se acerca do movimento dos átomos. Em relação a Demócrito, Epicuro insere nesse campo a declinação da linha reta, um movimento incausado de autodeterminação dos átomos. Segundo Marx, Epicuro concluiu a necessidade da declinação do fato de que, se os átomos se movessem a igual velocidade, de cima para baixo, em linhas retas, como afirmava Demócrito, jamais chegariam a se encontrar. Portanto, o movimento desvio era tido como necessário para que se desse o encontro entre os átomos e, conseqüentemente, a formação de todas as coisas.
Por outro lado, uma vez que, na filosofia epicuréica, o homem não passa de um composto de átomos, a possibilidade da declinação transcende os aspectos naturais e toma significação – nada menos – de escape ao determinismo natural, assumindo extrema relevância para a afirmação da liberdade humana. Dessa forma, no plano da sociabilidade, este desvio da linha reta está relacionado à suplantação dos aspectos imediatamente naturais: trata-se da consciência de si, que se concebe como o singular abstrato – a autoconsciência resguarda o livre-arbítrio.
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da Antigüidade, pela sua luta em prol da libertação dos homens dos preconceitos, do misticismo, do determinismo natural ou sobrenatural. De fato, o objetivo que o pensamento epicurista atribui à ciência é fundamentalmente o de tranqüilizar o espírito, e não o de trazer conhecimento efetivo da natureza. Marx – que participa então de um movimento de crítica sobretudo da religião – salienta aí o elemento libertário, a afirmação da autoconsciência singular-abstrata como princípio absoluto da liberdade, mesmo percebendo que ela, no epicurismo, é uma propriedade interna de cada indivíduo isolado.
Quando terminou seus estudos, Marx pensava lecionar ao lado de Bruno Bauer, que contava com este aliado valoroso contra os adversários dos jovens hegelianos. O governo, investindo contra os neohegelianos, frustra esses planos.
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornalística
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a cátedra universitária, a imprensa tornou-se para inúmeros intelectuais o único meio de desenvolver suas idéias teóricas e políticas. O jornalismo tinha então caracteres específicos: mesmo com o crescimento industrial – retardatário e incipiente, mas robusto – que perpassava várias regiões da Alemanha e em face do atraso do país e da resistência prussiana, não havia organizações políticas fortes; a burguesia, excluída do Estado (dominado pela burocracia), reivindicava participação política e direitos de manifestação compatíveis com a nova realidade em processo de constituição. Os novos órgãos de imprensa refletiam justamente essas mudanças, de vez que, na ausência de organismos políticos de monta, a articulação político-ideológica ocorria entre os intelectuais. Destes, os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia liberal, divulgando suas idéias político-filosóficas por meio de periódicos.
Tem-se, assim, a dimensão da imprensa como centro privilegiado do debate, entre os intelectuais, acerca de assuntos vários da vida alemã daquele início dos anos 1840. “Naquele tempo, nenhuma organização comum estável congregava correligionários de um mesmo ideal político, fosse por se considerar a idéia de ação conjunta e disciplinada incompatível com uma concepção política que valorizava a responsabilidade e a consciência individuais, fosse simplesmente pelo obstáculo legal, uma vez que não existia liberdade de associação”. Dessa maneira, “o que havia de mais parecido com os escritórios, comitês e estados-maiores de ‘partidos’ do século XX eram as redações dos jornais” (Agulhon, 1991, pp. 24 e 26).
Quanto à situação particular de Marx, sua atuação jornalística é de grande relevância. É a partir dela que ele questiona o arcabouço teórico que até então era o seu e parte para a busca de um novo, próprio, pois perceberá que sua formação não lhe permite enfrentar os problemas da realidade sociopolítica. Marx, como de resto os neohegelianos, acreditava na importância da imprensa para a vida política alemã: daí que ajude a fundar e se torne articulista e redator-chefe de um dos periódicos de maior destaque então: a Gazeta Renana, editada entre 1° de janeiro de 1842 e 31 de março do ano seguinte, produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da Renânia e a intelligentsia jovem-hegeliana.
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de redação em outubro, quando pelejou por fazer da GR um órgão eficaz da democracia e uma arma da luta política, por meio da discussão lógica de questões práticas da vida social. Começa, então, uma nova fase da sua evolução ideológica.
É bem conhecida a reflexão autobiográfica do “Prefácio” de 1859, quando Marx afirma que “Em 1842/43, sendo redator da Gazeta Renana, vi-me pela primeira vez no difícil transe de ter que opinar sobre os chamados interesses materiais” (Marx, s.d a, pp. 300-1). De fato, os textos tratam de variados assuntos de caráter político, econômico e social: questões relativas à lei sobre o roubo de lenha, especulação filosófica, assuntos de ordem religiosa e, em especial, a questão da liberdade de imprensa e da censura. De forma que, nessa época, Marx vê suas concepções confrontadas com a realidade, ao tratar diretamente de problemas vitais, concretos, que acabam sendo resolvidos no espírito do democratismo radical.
Para Marx, a imprensa apresentava-se como um ambiente ímpar para o debate filosófico, mas também como espaço para a modificação do espírito e para a efetivação da liberdade humana. A imprensa livre “é o espelho espiritual no qual um povo vê a si mesmo, e a autocontemplação é a primeira condição da sabedoria” (Edit, 2001, pp. 84 e 90). A força da imprensa está em que atua sobre a esfera espiritual do povo, e esta amadurece a partir da crítica filosófica, via imprensa, das questões relativas à vida nacional. Por esse meio, mesmo as questões mais habituais tornam-se públicas, ajudando, pela solidariedade, a diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares, isolados, ao espaço da universalidade.
A imprensa livre e popular, diz Marx, é um organismo com caracteres híbridos e bem singulares: é pública, mas não burocrática; civil, mas não meramente privada, tem “cabeça de cidadão do Estado e coração de burguês”. Marx atribuía a esse órgão a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre interesse público e privado: estando a meio caminho entre o Estado e a sociedade civil, pode ser o “terceiro elemento” entre a administração e os administrados. Ali onde a imprensa é livre, os homens, tendo por base a racionalidade, têm iguais condições de manifestar suas idéias diferentes, sem dever respeito à hierarquia, aos estamentos etc. Quando a imprensa é livre, ela se torna o “órgão pelo qual são eliminadas as relações políticas hierárquicas e são estabelecidas relações de igualdade entre os cidadãos de Estado”, sendo uma de suas capacidades, por via de conseqüência, a de instaurar entre governo e povo relações cidadãs “que se estabelecem como forças intelectuais, sustentadas por fundamentos racionais” (Eidt, 2001, p. 86).
No jovem Marx, então beirando os 25 anos de idade, “A imprensa é compreendida como a mediação que leva à realização, no Estado, da essência espiritual do homem”, contraposta às religiões particulares e indivíduos singulares (Enderle, 2000, p. 4). No entanto, ele observa que as instituições políticas da Alemanha não estão capacitadas para efetivar a igualdade política, pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta. Isso porque, na ausência da liberdade de comunicar-se com o outro, o espírito está acorrentado – em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma ilusão. Assim, a liberdade de imprensa aparece como “demiurgo da sociedade”, “força redentora do espírito de um povo”, e “reconhecer na imprensa o lugar mais propício ao desenvolvimento do espírito da época não é precisamente um mérito da imprensa alemã; é muito mais uma decorrência da miséria dos demais espaços de manifestação de tal espírito” (Eidt, 2001, p. 94).
Marx constata que a filosofia está dissociada da realidade alemã, “ocupando-se, acima de tudo, da construção de sistemas ordenados de forma lógica, mas não conciliados com sua época” (Marx apud Eidt, 2001, p. 97). Contudo, assevera Marx, os filósofos não estão fora do mundo; ao contrário, exprimem justamente a “seiva mais sutil, invisível e preciosa” de seu tempo e seu povo; essa discussão sobre a relação entre filosofia e mundo constitui uma diferença substancial entre ele e os jovens hegelianos, já expressa em sua tese doutoral. Desde então Marx despende grande esforço para ligar a filosofia avançada à vida, ao mesmo tempo em que entende que esta é irrealizável no quadro do idealismo. De início, compreende este fato como um defeito da forma de análise especulativa hegeliana e sua “linguagem mística, incompreensível”, imposta pelas condições históricas anteriores, já superadas, que persistia como uma expressão da “mania” alemã de prestar culto às idéias e “de não as realizar, à força de as respeitar em excesso” (apud Lápine, 1983, p. 86). Então, tratava-se de realizar a filosofia – isso implicava mostrar aos homens que esta delibera não acerca de absurdidades, mas de seus interesses imediatos.
Nos textos da GR, Marx considera que a própria história redunda de uma ação recíproca entre filosofia e mundo que incluiu várias etapas, iniciadas todas pela elevação da filosofia à categoria de sistema (minuciosamente elaborado), o que reflete o isolamento dela em relação ao mundo. Alcançado este acabamento interno, a filosofia entra em interação recíproca com o mundo exterior, num processo em que a realização da filosofia transforma tanto a ela própria quanto ao mundo. Dessa forma, a filosofia, “por ser a essência espiritual de um tempo, há de se conciliar com o mundo”, deixando “sua postura sacra para se revelar cidadã do mundo”, de tal forma que este se torna filosófico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt, 2001, pp. 97-8). Tal se consegue por meio da imprensa livre: quando não trava contato com a esfera jornalística, a filosofia (sistemas filosóficos isolados) opõe-se à imprensa (preocupada com os fatos cotidianos); a primeira ganha, assim, um colorido nitidamente antipopular, “se assemelha a um professor das artes mágicas, cujos exorcismos parecem solenes porque não se os entende”.
Note-se: “Marx chega (por uma via idealista, naturalmente), à compreensão do alcance histórico da luta filosófica do seu tempo como fator ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussiana” (Lápine, 1983, pp. 55-6). Lembre-se que, para os jovens hegelianos, o ponto nodal estava na autoconsciência, numa subjetividade capacitada a, por uma “ação crítica”, eliminar as irracionalidades do mundo objetivo. “Essa circularidade inicia com a concepção de homem como espírito ou autoconsciência, que se desenvolve e amadurece na atividade crítico-filosófica da livre imprensa e chega à realização nas várias instituições humanas e, em particular, nas instituições de ordem política” (Enderle, 2000, p. 4).
Ora, pelo que foi dito podemos perceber que, não obstante pertencer, ainda então, a um “gradiente idealista” (ativo), Marx a este “agrega dimensão crítica particularizadora, que o distingue tanto de Hegel quanto dos neohegelianos” (Chasin, 1995, p. 352) e que exprime o próprio esgotamento da filosofia precedente.
No crepúsculo de 1842, os governos alemães recrudescem a acometida contra a imprensa liberal. Embora Marx salientasse a equivalência entre essa reprovação e a condenação do espírito político do povo, percebia que isso só ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal: a luta contra algo é a primeira forma do seu reconhecimento. Para fazer jus a esse novo status, Marx busca impedir o governo de valer-se de razões fúteis para destruir a GR, obrigando-o a discussões sobre problemas fundamentais. Esse intento se concretiza com a publicação de dois artigos do correspondente do Mosella sobre a situação de penúria em que viviam os vinhateiros da região, respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper, que exigiu esclarecimentos quanto ao conteúdo dos textos.
Marx acabará por se encarregar pessoalmente da resposta, dando início à série de artigos Justificação do Correspondente do Mosella, redigida após intensa investigação e estudo de dados concretos e na qual ele esforçou-se por impor uma discussão sobre as próprias bases do Estado, e não apenas dos aspectos jurídicos e lógicos da questão. É de supor que a coleta e análise de tais dados tenham contribuído para minar suas concepções idealistas, emparedadas pela necessidade de encarar o caráter objetivo das relações sociais. Embora não se trate, ainda, de uma ruptura com o idealismo – e nem de longe tenha encontrado o papel determinante das relações de produção –, a atenção do jovem Marx estará dirigida às relações materiais e, ainda, à relação entre esta esfera e o Estado.
Nesse sentido, seus artigos têm como ponto nevrálgico a afirmação da racionalidade do Estado, do direito e das instituições em geral e a conseqüente denúncia dos realmente existentes. Notam-se neles, assim, exalações claramente neohegelianas: “o Estado não pode ser constituído partindo da religião, mas da razão da liberdade. Só a mais crassa ignorância pode sustentar a afirmação de que esta teoria, a autonomia do conceito de Estado, seja uma postulação efêmera dos filósofos de nossos dias”. Trata-se de afirmar “o Estado como o grande organismo no qual a liberdade jurídica, moral e política devem encontrar a sua realização, e no qual cada cidadão, obedecendo às leis do Estado, não faça mais do que obedecer somente às leis da sua própria razão, da razão humana” (Marx apud Chasin, 1995, p. 355). Assim, o Estado é compreendido como diretamente derivado da idéia do todo, como a estrutura na qual a liberdade – jurídica, ética e política – se efetiva.
Sua noção de política – então democrata-radical – pode ser bem apreendida nos textos em que trata da propriedade privada, principalmente nos Debates a Propósito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussões sobre o livre-câmbio e o protecionismo. Neles são contrapostas a universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas duras críticas ao primeiro por se “rebaixar” ao nível da propriedade privada, degradando-se ao descair da universalidade quando, na verdade, deveria submeter os interesses particulares ao interesse comum, representado pelo próprio Estado. Contra sua natureza, dirá Marx, este está subordinado ao Landtag, organismo que representa os interesses privados das ordens ou da propriedade privada, ao invés de serem a personificação de princípios abstratos da razão. Ocorre, então, o inverso do que pregam as concepções idealistas: não é o Estado que subordina os interesses privados – de caráter econômico, fundamentalmente – aos interesses racionais da sociedade, mas estes que reduzem “o Estado ao papel de instrumento do interesse privado”. Daí que Marx “Passa então a analisar não as noções de ordens, de Estado etc., mas os fatos, a natureza real dos diferentes fenômenos da vida social e as suas relações reais” (Lápine, 1983, p. 99).
Lembre-se que a lenha era, por aquela época, um bem de extrema utilidade para uma família camponesa e esta resistia a abrir mão do direito ancestral de apanhá-la na floresta. A gestão prussiana, porém, propôs aos Landtags um projeto de lei proibindo – e qualificando como roubo, sujeito a punição – a recolha sem a autorização do proprietário da floresta. Marx se utiliza de argumentos jurídico-políticos contra tal lei: a lenha é floresta morta, isto é, não é floresta, objeto de propriedade; ou: apanhar lenha equivale a tomar posse dela de maneira legítima, pelo trabalho, nunca a um roubo. Para além disso, diz, é da condição social dos camponeses e da atitude das outras classes em relação a eles que devem vir seus direitos. Por isso protesta contra o poder das outras classes, pelo qual ocorre “a transformação de privilégios em direitos”, “quando deveria, ao contrário, reconhecer no costume da classe pobre o instintivo sentido de direito que, na forma do direito consuetudinário, elevaria esta classe à efetiva participação no Estado” (Enderle, 2000, p. 5).
Veja-se como, aí, o problema social (miséria dos camponeses) aparece como um problema jurídico, ou de ordem política. “Sendo a lógica uma propriedade da razão, Marx deduz a racionalidade de um Estado da lógica das suas ações. Mostra a contradição lógica existente nos atos do governo prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussiano.” (Lápine, 1983, p. 65) Mas ainda não sabe o porquê do problema: “Como hegeliano, descobre sobretudo uma causa ideal: o caráter unilateral do entendimento que se esforça por tornar o mundo unilateral” (Lápine, 1983, p. 98). Também a crítica à religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por uma argumentação hegeliana: este Estado “contradizia a idéia de universalidade do Estado ao privilegiar uma única crença”, da mesma forma que ia contra a “racionalidade do Estado, entendida como realização da liberdade, que não precisa dos dogmas para poder existir” (Frederico, 1990, p. 26).
Como corolário desta visão da política, Marx mostra em seus textos a dissociação e a oposição entre representação popular e representação estamental – que divide o povo, de maneira artificial, “em partes sólidas abstratas”, impedindo-lhe os movimentos orgânicos – e proclame que um Estado autêntico é uma democracia, produto da atividade do povo auto-representado, onde os interesses privados estarão sujeitos aos interesses públicos. Cumpre observar que a evolução ideológica de Marx não era linear nem inteiramente consciente: justapunham-se discussões que apontavam para um democratismo revolucionário a outras, típicas do idealismo.
No que tange à forma de entender o problema político, portanto, o jovem Marx seguia a tradição ocidental e, de resto, estava de acordo com o neohegelianismo. De fato, como vimos, nos artigos da GR, percebe-se em Marx uma apreensão da política como locus de realização do ser humano e de sua racionalidade. Nos termos de Chasin, nos textos jornalísticos da época, a “politicidade é tomada como predicado intrínseco ao ser social”, inerente à sua própria natureza. “Marx estava vinculado às estruturas tradicionais da filosofia política, ou seja, à determinação ontopositiva da politicidade, o que o atava a uma das inclinações mais fortes e características do movimento dos jovens neohegelianos” (Chasin, 1995, p. 354). Nesta forma de conceber a política, “Estado e liberdade ou universalidade, civilização ou hominização se manifestam em determinações recíprocas”, considera-se “o plano político como o lugar próprio da resolução dos problemas sociais” e até se tenta os “elevar” à “altura” daqueles, de forma que “é conferido à política o poder de entificar a sociabilidade”, parâmetro em cujo interior “Marx, muito sintomaticamente, procurou resolver problemas socioeconômicos recorrendo ao pretendido formato racional do Estado moderno e da universalidade do direito” (Enderle, 2000, p. 5).
Em dia 19 de janeiro de 1843, a publicação da GR (então com cerca de 3.400 assinantes e amplamente difundida na Prússia e mesmo além-fronteiras) é proibida a partir de 1º de abril, episódio que Marx analisa como um reconhecimento da força do periódico e um efetivo progresso da consciência política[8]. Ele resolveu, então, voltar-se aos estudos, à busca de solucionar as dúvidas que carregará até Kreuznach. Assim, ainda que persista vendo o Estado de forma essencialmente idealista até fins de 1842, o trato com as “chamadas questões materiais” o obrigou a buscar o real conteúdo do Estado e a discutir problemas vitais e concretos, num processo que alcançou o auge na Crítica de 43.
4) O “Jovem Marx” e a Tradição Filosófica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situação de Marx no momento dado, vamos incursionar rapidamente pela discussão acerca da medida exata da contribuição da tradição ocidental e do caldo cultural de sua época para o pensamento próprio deste autor, além do exato momento em que este surgiu.
É bem conhecida a teoria das assim chamadas “três fontes” constitutivas do pensamento de Marx, segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado a doutrina dos mais avançados domínios do pensamento social do século XIX – a filosofia alemã, a economia política inglesa e o socialismo francês – fundindo-os na “doutrina marxista”[9]. Acreditamos que subjaz a esta teoria uma certa teleologia histórica, dado que cada um dos produtos deste tríplice amálgama originário, desenvolvido isoladamente por cada povo, seria, a um só tempo, passível de ser apropriado e carente de reelaboração, o que teria tornado possível a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e refundi-los num pensamento próprio.
Contudo, J. Chasin, após proceder a uma análise do ideário de Marx – desde sua época pré-marxista até a configuração adulta de seu pensamento –, se dá conta da impossibilidade dessa associação. Seria possível, indaga, conceber uma nova pelo retalhamento, filtragem e fundição de três universos teóricos tão diferentes? Não seria necessário bem mais que um salto mortal para mesclar o conteúdo de teorias tão díspares e cuja estrutura elementar era contraditória?
Ou, especificamente: é possível engendrar algum tipo de discurso de rigor, minimamente articulado, por meio da fusão de uma filosofia especulativa – que sustenta a identidade entre sujeito e objeto –, mesmo se redutível a método, com porções de uma ciência vazada em termos “empiristas ainda abstratos” /.../ e ainda combinado com emanações da consciência utópica que, por natureza, reenviam à especulação (piedosa ou sonhadora)? (Chasin, 1995, p. 346)
É por isso, Chasin acredita, que “o tríplice amálgama é, a rigor, impensável, a não ser como vaga alusão metafórica às doutrinas mais notáveis do universo intelectual ao qual Marx pertencia, e às quais ele teve o discernimento de se voltar, preferencialmente, a partir de certo instante de seu próprio desenvolvimento” (Chasin, 1995, p. 345). Mas estudou-as não para se apropriar integral ou parcialmente delas, mas para proceder à sua crítica ontológica: inicialmente a crítica à especulação, à qual se seguiriam a crítica à politicidade e à economia política (englobando, esta, a crítica do capital e suas formas de sociabilidade e a de sua ciência). Estas três críticas, ao se enlaçarem, permitem a parturição de uma visão global de mundo própria, “uma vez que têm por objetos a prática, a filosofia e a ciência, respectivamente nas formas da política, da especulação hegeliana e da economia política clássica, admitidas como expressões de ponta da elaboração teórica de toda uma época” (Chasin, 1995, pp. 380-1).
Por outro lado, o saber até quando se pode qualificar a obra de Marx como “juvenil” – portanto, não ainda um pensamento próprio amadurecido – tem dado origem a um grande número de manifestações variadas e não raro divergentes. Há os que põem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a autoria do “jovem Marx”, dando a ilusão de que o autor “ascendeu à ciência sem ter atravessado pelo inferno da dúvida e pelo fogo do combate com as questões de sua época”, “sem nada aprender com seus interlocutores” (Frederico, 1990, p. 11). Outras tendências consideram como partes integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras pré-marxianas, esquadrinhadas na busca apologética de idéias futuras. Desconsideram a advertência de M. Löwy (2002, p. 59), segundo a qual tais escritos são “estruturas relativamente coerentes” que “se tem de considerar enquanto tais e dos quais não se pode isolar certos elementos sem que lhes faça perder toda significação”.
Entre ambas as correntes há, porém, uma quase unanimidade: opor um Marx jovem – filósofo, idealista – a um Marx maduro – economista ou cientista –desprezando o fio condutor de suas obras, escolhendo arbitrariamente um de seus aspectos e usando-o contra o outro; saliente-se que a desconsideração pela especificidade do ideário marxiano também serve a certos interesses socioteóricos:
De modo geral, os que desejam fugir dos problemas filosóficos vitais – e nada especulativos – da liberdade e do indivíduo, se colocam ao lado do Marx “científico”, ou “economista político maduro”, enquanto os que não desejam assumir a implicação prática do marxismo (que é inseparável de sua desmistificação da economia capitalista) exaltam o jovem “jovem filósofo Marx”. (Mészáros, 1981, p. 206)
Tentando nos afastar de ambos os equívocos, reafirmamos 1841-47 como o período de formação do ideário marxiano: é quando ele se confronta com os grandes temas de sua época e faz-lhes a crítica, transitando do idealismo ativo à democracia radical e à revolucionária. Aqui se apresentam os elementos necessários para compreensão da evolução constitutiva de sua teoria: após extenso e complexo percurso intelectual, o pensamento de Marx é então já adulto, embora não plenamente maduro, a que chegará nos anos 50, com a retomada dos estudos econômicos.
Para fins de apresentação, esse período pode ser dividido em dois outros: o primeiro (1841-43) compreende sua dissertação de doutorado e os artigos da GR, quando ainda é bastante visível a influência de Hegel e de Kant e que – somente ele - pode se encaixar na rubrica de “obra juvenil”, visto que é a fase inicial e não-marxiana da elaboração teórica de Marx. Percebem-se então certas inquietações teóricas que resultam de sua refinada sensibilidade para os dilemas humanos, mas “que não alteram a natureza do arcabouço ideal que matriza o conjunto desses escritos, nem tampouco são traços constitutivos do futuro desenvolvimento teórico de seu autor” (Chasin, 1995, p. 357). Pelo contrário, Marx romperá logo em seguida com essa estrutura ideológica ainda neohegeliana, ainda “ideologia alemã”. Em síntese, não se pode fazer recair na diferença de Marx com os jovens hegelianos o eixo de análise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornalística, nem valorizar em demasia os elementos de continuidade entre este período e o seguinte, em que a crítica à especulação e à politicidade nasce e amadurece, pelo que as raízes do pensamento político-filosófico posterior de Marx não podem ser aí encontradas.
A particularidade da fase jornalística está em que então Marx se filia às estruturas tradicionais da filosofia política (que capta a política como característica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano da filosofia da ação ou idealismo ativo, ainda que com matizes próprios, como já vimos. Os artigos da GR, nesse sentido, incluem-se e rematam o que efetivamente pode ser chamado de sua “fase juvenil” e se distanciam radicalmente da fase posterior, ainda que permitam o início de seu salto para a maturidade teórica.
A segunda etapa, de meados de 43 a 47, se inicia com a Crítica de 43 e artigos imediatamente subseqüentes (Sobre a Questão Judaica, Para a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução e Glosas Críticas ao Artigo “O Rei da Prússia e a Reforma Social”) e estende-se até à Miséria da Filosofia. Os escritos de então representam uma primeira exposição de seu pensamento próprio, pois que incluem conquistas fundamentais que serão conservadas e desenvolvidas em sua obra posterior, como ele mesmo assumiu ao se referir a seu processo formativo. Portanto, é na redação da Crítica de 43 que identificamos o momento exato da inflexão de Marx em direção a sua fase marxiana, resultado do debate com as grandes correntes filosóficas de sua época, sua critica e superação radical, tendo por momentos altos as três grandes críticas que ali se iniciam: à especulação, à politicidade e à economia política. Mas isso já é assunto para outro trabalho.
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* Publicado originalmente na Revista da APG/PUC-SP, São Paulo, ano XI, n. 29, p. 193-217, set./2003.
** Mestre e doutoranda em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (com bolsa CNPq); tema da pesquisa: Marx e a Política: Em torno do Bonapartismo.
E-mail: vanianoeli@uol.com.br
[1] “Assim, em troca da lei aduaneira de 1818, que transformou a Prússia em região econômica unificada, a burguesia prussiana aceitou docilmente, em 1819, os decretos reacionários de Karlsbad, que marcaram o início de uma nova etapa de perseguição aos liberais. A criação da União Aduaneira Alemã (1834), que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-câmbio, foi acompanhada pela adoção de seis decretos da Dieta da União, que tiveram como resultado reduzir ao mínimo a vida constitucional das províncias” (Lápine, 1983, p. 43).
[2] Foi em Lion, entre 1831-34, que por vez primeira os operários insurgiram-se de forma particular, ocorrendo também importantes batalhas operárias em Manchester e Paris. Em 1842 o movimento operário cartista inglês – considerado o primeiro movimento operário político de massas –, alcança o apogeu, realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de influência extensiva a várias regiões industriais do país e também da França e até da Alemanha.
[3] Lembre-se que a máquina a vapor havia sido inventada no início daquele século, seguida de várias outras inovações: o barco a vapor, a locomotiva, o telefone, a eletricidade, para citar apenas alguns.
[4] Não há uma identificação imediata entre razão e realidade para Hegel: primeiro, porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente); segundo, o pensamento deve governar a realidade, mas para tanto é necessário que esta também tenda para a razão. Para Hegel, “Na medida em que haja qualquer hiato entre o real e o potencial, o primeiro deve ser trabalhado e modificado até se ajustar à razão. /.../ ‘Real’ é o racionalizável (racional), e só este o é.” (Marcuse, 1988, pp. 23-4).
[5] Como, em 1837, nenhum tinha nem 30 anos, os ortodoxos os chamavam “jovens hegelianos”.
[6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posições liberais, que atribuía a situação de atraso da Alemanha à inexistência de poderosas correntes de pensamento liberal. A ausência de potentes movimentos sociais, de lutas de classes, de transformações sociais era criticada por esses autores e imputadas ao atraso do próprio povo, visto como incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuíam à filosofia. Assim, esses pensadores evoluíram para uma crítica à incapacidade das massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia hegeliana e passaram a acreditar que a transformação das condições sociais da Alemanha viria exclusivamente através dos movimentos de idéias. É a chamada crítica crítica, cujos expoentes são os irmãos Bauer, que Marx censurará acidamente depois. Observe-se, contudo, que praticamente todos os jovens hegelianos tendiam a uma concepção subjetivista da história e à crença na onipotência da crítica teórica, à força insubstituível do pensamento crítico, com o que subestimavam a ação prática.
[7] Seu primeiro artigo, Observações sobre as Novas Instruções Prussianas acerca da Censura, foi publicado só um ano depois de escrito, no início de 1842, na coletânea Inéditos Filosóficos (Anekdota), juntamente com outros “textos inflamáveis” que a censura impedira de ser publicados nos Anais Alemães.
[8] O anúncio da suspensão do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e petições, inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantões rurais – obviamente, os Junkers e a burguesia urbana da Renânia tinham uma visão diferente. Por dois meses ainda Marx permanecerá à frente do periódico, sob condições excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era na época a Prússia, até que se demite sumariamente.
[9] Não se trata de referência ao inescapável “húmus cultural” (J. P. Netto) da época. Evidentemente, não se pode ignorar que Marx é herdeiro crítico de uma determinada tradição filosófica que vai do Renascimento (concepção do homem como o único ser aberto) ao neohegelianismo (a problemática do homem), passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa). Contudo, notados seus limites históricos, Marx lhes faz a crítica, não simplesmente se apropria delas. Os limites desse trabalho não nos permitem nos delongar na questão. Ver Vaisman, 2001, pp. VII-VIII.
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