quinta-feira, 22 de julho de 2010

Poemas de Paulo Leminski

Dormindo Sonhando

desta vez não vai ter neve como em petrogrado aquele dia
o céu vai estar limpo e o sol brilhando
você dormindo e eu sonhando

nem casacos nem cossacos como em petrogrado aquele dia
apenas você nua e eu como nasci
eu dormindo e você sonhando

não vai mais ter multidões gritando como em petrogrado
[aquele dia
silêncio nós dois murmúrios azuis
eu e você dormindo e sonhando

nunca mais vai ter um dia como em petrogrado aquele dia
nada como um dia indo atrás do outro vindo
você e eu sonhando e dormindo

Para a liberdade e luta

para a liberdade e luta

me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu

me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão

Um homem com uma dor

um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha

ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra
já me matei faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso
e o que havia entre o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo

morrer faz bem à vista e ao baço
melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma

morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma

LÁPIDE 1


epitáfio para o corpo

Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito
são suas obras completas.

LÁPIDE 2

epitáfio para a alma

aqui jaz um artista
mestre em disfarces

viver
com a intensidade da arte
levou-o ao infarte

deus tenha pena
dos seus disfarces

Aço e Flor

Quem nunca viu
que a flor, a faca e a fera
tanto fez como tanto faz,
e a forte flor que a faca faz
na fraca carne,
um pouco menos, um pouco mais,
quem nunca viu
a ternura que vai
no fio da lâmina samurai,
esse, nunca vai ser capaz.

Confesso

parem
eu confesso
sou poeta

cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face

parem
eu confesso
sou poeta

só meu amor é meu deus

eu sou o seu profeta

WITH THE MAN

aqui
no oeste
todo homem tem um preço
uma cabeça a prêmio
índio bom é índio morto
sem emprego
referência
ou endereço
tenho toda a liberdade
pra traçar meu enredo

nasci
numa cidade pequena
cheia de buracos de balas
porres de uísque
grandes como o grand cayon
tiroteios noturnos
entre pistoleiros brilhantes
como o ouro da califórnia
me segue uma estrela
no peito do xerife de denver

Quero a Vitória

quero a vitória
do time de várzea

valente
covarde

a derrota
do campeão

5 X 0
em seu próprio chão

circo dentro do pão

Queria tanto

 eu queria tanto ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito

eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões

em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois

Cinema Americano

podem ficar com a realidade
esse baixo astral
em que tudo entra pelo cano

eu quero viver de verdade
eu fico com o cinema americano

Quando eu tiver setenta anos

quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta minha adolescência

vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência

vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito

vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito

então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência

Rosa Rilke Raimundo Correia

Uma pálpebra,
Mais uma, mais outras,
Enfim, dezenas
De pálpebras sobre pálpebras
Tentando fazer
Das minhas trevas
Alguma coisa a mais
Que lágrimas

Acordei bemol

acordei bemol
tudo estava sustenido
sol fazia
só não fazia sentido
Um homem com uma dor

um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegasse atrasado
andasse mais adiante

Distâncias Mínimas

um texto morcego
se guia por ecos
um texto texto cego
um eco anti anti anti antigo
um grito na parede rede rede
volta verde verde verde
com mim com com consigo
ouvir é ver se se se se se

ATRASO PONTUAL

Ontens e hojes, amores e ódio,
adianta consultar o relogio?
Nada poderia ter sido feito,
a não ser o tempo em que foi lógico.
Ninguém nunca chegou atrasado.
Bençãos e desgraças
vem sempre no horário.
Tudo o mais é plágio.
Acaso é este encontro
entre tempo e espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que faço?

DESENCONTRÁRIOS

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

RAZÃO DE SER

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

HAI-KAIS

a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão

cortinas de seda
o vento entra
sem pedir licença

acordei e me olhei no espelho
ainda a tempo de ver
meu sonho virar pesadelo

amar é um elo
entre o azul
e o amarelo

jardim da minha amiga
todo mundo feliz
até a formiga


lembrem de mim
como de um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça

en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
moches
poemas

Manchete:
CHUTES DE POETA
NÃO LEVAM PERIGO À META

a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão

cortinas de seda
o vento entra
sem pedir licença

Não Discuto
com o destino
o que pintar
eu assino

Nada me demove
ainda vou ser
o pai dos irmãos Karamazov
I

Confira
tudo que
respira
conspira

II

Tudo é vago e muito vário
meu destino não tem siso,
o que eu quero não tem preço
ter um preço é necessário,
e nada disso é preciso

III

Cinco bares,
dez conhaques
atravesso são paulo
dormindo dentro de um táxi

IV

isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além

V

O pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhodaputa
de fazer chover
em nosso piquenique

terça-feira, 20 de julho de 2010

Eleições na Nicarágua: vitória de Ortega e o fim do sandinismo - Rafael Azul e Patrick Martin

Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 30 de novembro de 2006. Disponível em: http://www.wsws.org/pt/2006/dec2006/por1-d07.shtml


Daniel Ortega, o histórico líder da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) da Nicarágua, venceu as eleições gerais para Presidente do país no dia 5 de novembro. Ortega recebeu 38% do total de votos, aproximadamente 9% a mais que o segundo colocado, o conservador Eduardo Montealegre, da Aliança de Libertação Nacional [ALN], apoiado pelos EUA, que recebeu 29% dos votos.

Um segundo candidato de direita, José Rizo, do Partido Liberal Constitucionalista (PLC), obteve 26% dos votos, enquanto Edmundo Jarquin, do Movimento de Renovação Sandinista, uma dissidência da FSLN, recebeu 6%, e o ex-sandinista Éden Pastora ficou com menos de 1% dos votos. A Assembléia Legislativa, composta por noventa membros, será basicamente dividida nas mesmas proporções da votação presidencial, de forma que nenhum partido obteve a maioria.

Ortega venceu apesar de ter recebido a menor quantidade de votos nas cinco vezes que concorreu à presidência da Nicarágua. Em 1984, o líder sandinista venceu por uma margem impressionante, cinco anos depois que a FSLN tomou o poder, ao derrubar a ditadura de Somoza. Ortega perdeu em 1990 para Violeta de Chomorro, recebendo 42% dos votos, numa eleição realizada sob grande pressão econômica e militar dos EUA, que pôs fim ao mandato sandinista. Ortega teve uma diminuição de votos nas derrotas eleitorais subseqüentes, perdendo, em 1996, para o candidato de direita, Arnoldo Alemán, e para o atual presidente conservador, Ernesto Bolaños, em 2001.

A FSLN foi se desviando de forma lenta e constante para a direita no decorrer dos últimos 16 anos, desde que perdeu a presidência. Os sandinistas nunca estiveram totalmente afastados do poder, mantendo influências nas forças armadas e controlando um considerável, embora minoritário, número de cadeiras na Assembléia, além de concentrar diversas propriedades nas mãos de destacados líderes sandinistas, como o próprio Ortega.

Nos últimos sete anos, a política da Nicarágua foi determinada pela coalizão entre o grupo de Ortega e do ex-presidente Alemán. O acordo celebrado em 1999, chamado “El Pacto”, garantiu assentos permanentes a Alemán e a Ortega na Assembléia, conferindo-lhes imunidade vitalícia, caso fossem processados por corrupção.

Uma emenda constitucional adotada como parte do acordo entre PLC e FSLN diminuiu a margem mínima para vitória na eleição presidencial, de 45 para 35%, desde que o candidato vitorioso obtivesse pelo menos 5% de votos a mais do que seu rival mais próximo. Estes critérios foram criados em função da comprovada base eleitoral de Ortega, ou seja, para facilitar a sua vitória no dia 5 de novembro.

No final das contas, “El Pacto” levou a um rompimento da direita, com os apoiadores de Alemán ficando com o aparato do PLC e nomeando Rizo, enquanto uma facção dissidente se opôs ao acordo com os sandinistas e apresentou Montealegre como seu candidato presidencial, com o apoio aberto do governo Bush.

A campanha de 2006 marcou um desvio ainda mais agudo para a direita por parte de Ortega e da FSLN. Indo além da aliança com o grupo de Alemán, Ortega chegou a um acordo com elementos dos “contras”, a guerrilha armada e treinada pela CIA para realizar ataques terroristas nas vilas e cidades nicaragüenses durante a década de 80.

Um ex-contra, Jaime Morales Carazo, é um aliado de Ortega e será o vice-presidente. Se acontecer alguma coisa com Ortega—que tem sessenta anos—seu sucessor será o ex-porta-voz e chefe dos contras (que atualmente ocupa a casa da família de Ortega, que foi confiscada). Carazo é íntimo amigo do ex-presidente Alemán, sendo inclusive padrinho de seus filhos.

Um outro ex-guerrilheiro de direita, Salvador Talavera, formou o Partido de Resistência da Nicarágua para representar os ex-soldados dos contras, muitos dos quais são pobres camponeses e índios Miskito, que não receberam as concessões de terra prometidas em troca de seus serviços na revolta apoiada pelos EUA. Em setembro, Talavera, conhecido como “Pequeno Canalha” durante a guerra dos contras, assinou o “pacto de paz” com os sandinistas, aparecendo eventualmente na campanha de Ortega.


A FSLN corteja a igreja e os grandes empresários

Como parte de seu envolvimento com a direita, Ortega selou acordos com os dois mais poderosos representantes da reação na Nicarágua: a igreja católica e as instituições empresariais.

Em 2005, Ortega prestou reverência à hierarquia da igreja católica, casando-se com sua companheira de longa data, Rosário Murillo, numa cerimônia conduzida pelo bispo da igreja da Nicarágua, Cardeal Miguel Obando y Bravo. Ele ainda “confessou” publicamente a Obando y Bravo supostos pecados do regime sandinista na década de 80, o que levou o cardeal a fazer vários depoimentos na televisão durante a campanha eleitoral, afirmando que os católicos poderiam votar em Ortega de forma consciente.

A reaproximação com a igreja chegou a seu ponto máximo no mês passado, quando deputados sandinistas, a mais ampla fração do legislativo, votaram a favor de uma absurda lei anti-aborto, a mais atrasada do hemisfério norte, que prevê sentenças de seis a trinta anos de prisão para mulheres e médicos que realizarem abortos.

Não há exceções na lei em relação ao estupro, incesto ou riscos de saúde ou de vida da mãe. As leis existentes já são tão restritas que apenas 24 abortos legais foram realizados nos últimos três anos na Nicarágua, sendo que o número de abortos ilegais foi de 32.000.

O retorno de Ortega à presidência tem assim um alto custo, que já está ainda sendo pago pelas mulheres nicaragüenses. A primeira morte registrada sob a nova lei ocorreu poucos dias depois das eleições presidenciais, quando Jazmina Bojorge, de 18 anos, faleceu por complicações numa gravidez de risco. O feto de cinco meses também faleceu.

Ortega e a FSLN também procuraram estreitar as relações com os grandes empresários. A FSLN trocou a retórica radical pela defesa do nacionalismo burguês, reivindicando que o desenvolvimento da economia capitalista da Nicarágua deve ser menos subserviente ao imperialismo norte-americano, ao invés de propor a substituição do capitalismo pelo socialismo.

Durante a campanha presidencial, Ortega se esforçou para reafirmar tanto aos capitalistas da Nicarágua quanto aos investidores estrangeiros que suas propriedades estariam seguras sob o novo governo sandinista. No dia 29 de setembro, ele se reuniu com mais de cem investidores norte-americanos e representantes de Estado prometendo a eles que no seu governo “nada será confiscado”. Mais tarde ele assinou um “pacto de governabilidade” elaborado pela Câmara de Comércio da Nicarágua, no qual ele promete respeitar o “livre” mercado e o direito de propriedade.

Dois dias após a vitória eleitoral, Ortega se reuniu com o ex-presidente norte-americano, Jimmy Carter, que liderou uma grande operação de monitoramento da eleição, garantindo a ele que o novo governo respeitará os direitos de propriedade, o “livre mercado” e o acordo de livre comércio com os EUA. O New York Times declarou que “empresários afirmaram que eles acreditam que o Sr. Ortega fará uma revisão das reformas postas em prática na década de 90”. Espera-se, com isso, a privatização de mais de 360 empresas estatais.

Ortega disse ainda que manterá alguns membros do governo anterior, do presidente Bolaños, sobretudo aqueles que são a favor da economia de mercado. Em 16 de novembro, ele declarou seu “absoluto acordo” com as severas condições impostas pelo Fundo Monetário Internacional para a concessão de novos empréstimos. Tais condições exigem a redução dos gastos governamentais e dos impostos, limitando enormemente a capacidade do governo em distribuir a renda e usar o dinheiro em programas sociais e de infra-estrutura.

Satisfeitos pela declaração de Ortega, uma equipe de negociação do FMI estava sendo enviada a Manágua. O FMI, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial prometeram ajudar o futuro governo com 200 milhões de dólares em investimentos.


A resposta de Washington

O retorno do líder da FSLN ao palácio presidencial produziu um previsto mal-estar no governo Bush e na ultra-direita norte-americana. Muitos daqueles que detém altos cargos no aparelho de segurança nacional norte-americano se destacaram durante a campanha de Reagan para destruir o regime sandinista nos anos 80.

Robert Gates, nomeado por Bush para suceder Donald Rumsfeld no Pentágono, foi deputado diretor da CIA na década de 80 e se envolveu profundamente na guerra ilegal contra a Nicarágua. John Negroponte, atual diretor da inteligência nacional, era então embaixador dos EUA em Honduras, o país vizinho onde funcionava a base de treinamento e armamento dos contras. Elliot Abrams, atual diretor do Conselho Nacional de Segurança para o Oriente Médio, foi o chefe do Departamento de Estado diretamente responsável pelos contras. No escândalo Irã-Contra do final da década de 80, ele declarou-se culpado por falso testemunho diante de uma comissão do Congresso, sendo posteriormente perdoado pelo então presidente Bush.

A campanha eleitoral na Nicarágua produziu uma reunião virtual, em Manágua, de fascistas norte-americanos financiadores dos contras, alertando em tom apocalíptico que a eleição de Ortega poderia transformar a Nicarágua numa base para o terrorismo internacional, retratando o regime sandinista da década de 80 como uma agência do “comunismo internacional”.

Oliver North, o coronel aposentado da marinha que se tornou a face pública do escândalo Irã-Contra, apareceu em Manágua, seguido por Jeane Kirkpatrick, ex-embaixador da ONU no governo Reagan. Eles não chegaram a um acordo, pois North apoiou Rizo e Kirkpatrick apoiou Montealegre.

Outros norte-americanos que se opõem a Ortega são: o ex-patrocinador do departamento de Estado dos contras e chefe das políticas para a América Latina nos primeiros anos do atual governo Bush, Otto Reich; o governador da Flórida e irmão do presidente norte-americano, Jeb Bush; e o Secretário de Estado Assistente para os Assuntos do Hemisfério Ocidental, Tom Shannon.

Os anteriores patrocinadores dos contras no congresso também foram decisivos. Os congressistas republicanos, Dana Rohrabacher, Tom Tancredo e Dan Urton pediram ao governo norte-americano que proibisse a transferência de dinheiro feita pelos imigrantes nicaragüenses que moram nos Estados Unidos para suas famílias na Nicarágua, o que representa uma soma aproximada de 850 milhões de dólares anuais. “Se Daniel Ortega, que se declarou inimigo dos EUA, tomar de volta o controle da Nicarágua, você pode esperar que o governo norte-americano responderá de acordo”, afirmaram eles numa declaração conjunta. “Nós não permitiremos que um governo hostil, anti-americano, consiga os mesmos benefícios econômicos” que um regime a favor dos EUA.

O congressista Peter Hoekstra, presidente do Comitê de Inteligência, escreveu uma carta pública à Secretária de estado, Condoleezza Rice, pedindo para que o governo Bush faça uma “completa reavaliação das relações com a Nicarágua” no caso de uma vitória de Ortega. O Secretário de Comércio norte-americano, Carlos Gutierrez, advertiu que com a eleição de Ortega, mais de 220 milhões de dólares em ajudas e investimentos importantes correrão sérios riscos.

A possibilidade de Ortega se eleger fez com que o governo Bush investisse pesado na tentativa de evitar sua vitória. A Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional, o Instituto Nacional Democrático, o Instituto Republicano Internacional e a Fundação Internacional para Sistemas Elétricos gastaram um total de 15 milhões de dólares para treinar dezenas de milhares de fiscais e oficiais eleitorais—valor que se aproxima muito da despesa estimada de todos os candidatos à presidência da Nicarágua (17 milhões de dólares).

Um clima ainda mais pesado foi gerado pelo anúncio de que o Comando do Exército do Sul dos EUA enviaria 2.000 reservistas para o departamento nicaragüense de Carazo, alegando exercícios humanitários “para construir escolas e clínicas e realizar serviços médicos”. As tropas norte-americanas estarão na Nicarágua do dia primeiro de janeiro ao dia 15 de maio, coincidindo com os meses iniciais do novo mandato.

Entretanto, é notável que os empresários locais demonstraram muito menos preocupação que Washington a respeito dos perigos do governo Ortega. Uma carta dos membros da Associação da Nicarágua de Investidores, publicada pelo Los Angeles Times, afirmava: “o Sr. Ortega declarou que ele está completamente comprometido em estimular os investimentos estrangeiros e o turismo, percebendo que esse é o futuro do crescimento econômico do país. Nós acreditamos que suas intenções são sérias”. Mike Cobb, o investidor norte-americano do primeiro resort na praia Marriott, na Nicarágua, e presidente de desenvolvimento da Gran Pacifica, disse que planeja “seguir adiante a toda velocidade” e “alcançar o objetivo que planejamos”.

O aliado do governo Bush na região, o presidente colombiano Álvaro Uribe, parabenizou Ortega e se ofereceu para atuar como um mediador nas negociações com agências de empréstimos. Depois de mais de uma semana de relativo silêncio, o embaixador norte-americano, Paul Trivelli, anunciou no dia 16 de novembro que o governo Bush poderia reconhecer o resultado da eleição e trabalhar com Ortega. Trivelli apoiou Montealegre publicamente durante a campanha.


Um balanço do sandinismo

A integração de Ortega e sua camarilha nos esforços da elite nicaragüense em realizar uma reaproximação com o imperialismo norte-americano confirmam a análise da natureza de classe dos sandinistas feita pelo movimento trotskista mundial depois que a FSLN chegou ao poder em 1979. A FSLN adotou publicamente o castrismo e a luta contra o imperialismo norte-americano e ainda prestou um falso serviço ao socialismo. No entanto nunca chegou a ser um partido da classe trabalhadora ou um partido socialista. Ao contrário, significou sempre um movimento nacionalista-burguês, procurando usar o apoio de Cuba e da URSS para conseguir espaço de manobra numa região dominada pelo imperialismo norte-americano.

O governo Reagan respondeu ao regime sandinista financiando forças organizadas da CIA, os contras, que conduziram uma década de guerra de sabotagem e terror contra a população da Nicarágua, na qual mais de 500.000 pessoas morreram. O conflito arrastou-se até que a crise do regime stalinista pôs fim ao apoio da União Soviética aos sandinistas, quando Ortega e seus aliados fizeram um acordo com Washington, o que levou à sua derrota nas eleições de 1990.

Nos últimos 16 anos ocorreu a rápida degradação dos já limitados direitos sociais, como educação e assistência médica, conquistados pelos sandinistas na década de 80. Um milhão de crianças em idade escolar não vai à escola, e a taxa de alfabetização, que era próxima dos 90% em 1990, despencou para 67,5% atualmente. Apenas 29% das crianças completam o ensino fundamental. Mais da metade da população não consegue ter acesso aos serviços médicos mais elementares.

Tanto a FSLN quanto os seus oponentes políticos conservadores aderiram às políticas do “livre mercado”. Mas, ao contrário das declarações de que a Nicarágua poderia se desenvolver economicamente sob a base do livre comércio, o que ocorreu foi uma enorme diminuição dos investimentos. O capital saiu livremente para fora do país, que acabou se tornando dependente de empréstimos das instituições financeiras internacionais.

Este foi um período no qual a ampla maioria dos nicaragüenses caiu na miséria, enquanto os ricos se enriqueceram ainda mais. Estes, que representam cerca de 10% da população, ficam atualmente com 45% da renda nacional. Oficialmente, 22% da força de trabalho está desempregada e outros 40% subempregada; as taxas de crescimento indicam um aumento anual de 1,4% no desemprego. A fome é endêmica; mais de 20% da população é desnutrida, e cerca de um milhão vive na fronteira da morte devido à fome.

A Nicarágua continua sendo a segunda nação latino-americana mais pobre, depois do Haiti, com uma taxa de pobreza de 45%. Em média, a renda per capita é de 790 dólares por ano, com uma distribuição absurda, na qual 80% da população recebe menos de dois dólares por mês. Um crescente número de trabalhadores nicaragüenses emigrou para a Costa Rica e para os Estados Unidos a fim de procurar por emprego.

O trabalho infantil é desenfreado, com o número aproximado de 167.000 crianças que são forçadas a trabalhar todos os dias. A mortalidade materna é de 150 para cada 100.000 pessoas vivas (este número é duas vezes mais alto na parte mais pobre da Costa Atlântica). Há dezenas de milhares de minas explosivas deixadas pela guerra dos contras da CIA, que continuam a mutilar crianças e adolescentes.

A infra-estrutura social está se desintegrando. Apenas duas vias principais são utilizáveis; a linha férrea do país foi desmantelada em 1990; a Nicarágua não possui mais uma estrutura pesqueira como antigamente e seus portos encontram-se num estado tão avançado de degradação que as exportações e importações são feitas pelos portos de Honduras e Costa Rica. As falidas políticas de “livre mercado” tornaram os serviços básicos, como saneamento e eletricidade, inacessível para centenas de milhares de nicaragüenses. Ao mesmo tempo, o aumento no preço dos combustíveis refletiu no aumento do preço do transporte público.

Ao longo desse período, o Partido Sandinista garantiu sua participação na Assembléia Nacional e fez parte da introdução das reformas de “livre mercado”. Enquanto a população sofria, a elite nicaragüense, incluindo Ortega e outros líderes da FSLN, enriquecia-se por meio das políticas de mercado, da onda de corrupção que varreu o país, particularmente no rastro do furacão Mitch, que matou milhares de nicaragüenses em 1998.

A resposta de Ortega para o aprofundamento da calamidade social foi a de defender a eliminação das barreiras aos investimentos e garantir que a Nicarágua é ainda um país onde as corporações transnacionais podem pagar baixos salários, expandindo a tão comentada zona de livre comércio que emprega agora milhares de nicaragüenses em condições semelhantes à escravidão, pagando-lhes salários de fome.

O líder sandinista assumirá a presidência sob condições nas quais a Nicarágua e a América Central estão se dirigindo rapidamente para um ponto de colapso social. No ano passado, trabalhadores da Nicarágua protestaram diversas vezes contra as políticas das grandes empresas, da FSLN e do PLC. Este ano ocorreram greves de milhares de trabalhadores dos transportes, professores e trabalhadores da saúde pública contra a austeridade política do governo e o colapso dos padrões de vida básicos. Os trabalhadores das zonas de livre comércio estão exigindo cada vez mais a negociação coletiva de direitos e de condições decentes. Os trabalhadores agrícolas e os desempregados estão dando seu apoio, organizando greves e manifestações.

Ortega foi eleito pela oligarquia que foi anteriormente sua inimiga, tendo ao seu lado um vice-presidente dos contras, para dar resposta à crise crescente. A FSLN, um movimento que surgiu como uma guerrilha que se apresentava como representante dos pobres e oprimidos contra a ditadura de Somoza, tem a confiança e a proteção do capitalismo nicaragüense, totalmente comprometido com a defesa dos lucros dos grandes empresários e com a repressão da classe trabalhadora e dos pobres.

Na imprensa norte-americana, o retorno de Ortega ao poder na Nicarágua será caracterizado como mais uma expressão do amplo movimento à esquerda em curso na América Latina, que viu social-democratas, ex-guerrilheiros anti-americanos ou líderes de sindicatos, como Lula no Brasil, chegarem ao poder na maioria dos países. Como se sabe, a campanha presidencial de Ortega recebeu subsídio financeiro direto da Venezuela, e o presidente venezuelano Hugo Chavez prometeu baratear o fornecimento de petróleo no caso de nova pressão norte-americana sobre a Nicarágua.

Mas, no final das contas, o surgimento desses regimes está longe de representar a chegada ao poder pelo povo ou pela classe trabalhadora, mas significa a última linha de defesa da classe capitalista da América Latina e seus patrões imperialistas em Washington.

O problema estratégico enfrentado pela classe trabalhadora latino-americana, assim como em todos os países atrasados e oprimidos, permanece o mesmo que aquele elaborado por Leon Trotsky em sua teoria da Revolução Permanente: a construção de partidos revolucionários que estabelecerão a independência política da classe trabalhadora em relação à burguesia nacional e a união dos oprimidos do “terceiro mundo” com a classe trabalhadora dos países avançados numa luta comum pelo socialismo.

Evo Morales e a farsa das nacionalizações na Bolívia - Jair Antunes

Extraído do sítio: http://www.wsws.org/pt/2007/may2007/por1-m22.shtml

Como fizera o ano passado, no último dia primeiro de maio, Evo Morales, presidente da Bolívia, anunciou, novamente, de forma bombástica nos meios de comunicação, a concretização das nacionalizações das empresas privadas petrolíferas e petroquímicas que até então atuavam no país. Estas empresas haviam sido privatizadas no final dos anos noventa durante a “virada neoliberal” latino-americana. Assim, segundo Morales, o povo boliviano volta agora a ser o verdadeiro proprietário das riquezas naturais existentes no subsolo de sua pátria.

Porém, o que Evo Morales está promovendo efetivamente na Bolívia não é a nacionalização propriamente dita (no sentido clássico da palavra) das empresas estrangeiras que atuam no país. O que ele está fazendo, na verdade, é a re-compra de empresas antes estatais que haviam sido privatizadas no final da década de 1990.

A farsa das nacionalizações de Morales pode ser mais facilmente compreendida com o caso exemplar da re-compra das duas refinarias de propriedade da estatal brasileira Petrobrás em território boliviano.

Em 1996, após acordos de integração energética firmados pelos governos brasileiro e boliviano, surge oficialmente a Petrobrás Bolívia S.A. (PEB), empresa de capital brasileiro que tem por meta a extração, refino e distribuição de gás natural boliviano para o Brasil. Em 1997, inicia-se então a construção do gasoduto Brasil-Bolívia, com custo total de 8 bilhões de dólares. O capital para tal empreendimento gigantesco veio da própria PEB e da estatal boliviana (YPFB).

Em 1999, a Petrobrás adquire as duas maiores refinarias petrolíferas da Bolívia: Guillermo Elder Bell, de Santa Cruz de La Sierra, e Gualberto Villarroel, de Cochabamba, criando uma nova companhia, a Petrobras Bolivia Refinación. Desde então, a Petrobrás passa a ser a maior empresa do país. Desta forma, até 2005, a Petrobrás Bolívia respondia pela participação de 18% do Produto Interno Bruto (PIB) boliviano e por 24% de todos os impostos arrecadados no país (Agência O Globo -10/05/07).

A Petrobrás produzia, então, 100% da gasolina e 60% do óleo diesel consumidos na Bolívia. Assim sendo, desde 2000, a empresa passou também a atuar na distribuição de combustíveis dentro da própria Bolívia, criando então uma enorme rede de postos de abastecimento de combustíveis com bandeira própria (cerca de ¼ do total de postos de gasolina existentes atualmente no país vizinho).

No entanto, poucos meses após o início de seu mandato presidencial, em primeiro de maio de 2006, dia do Trabalho, Evo Morales ordena a invasão das refinarias da Petrobrás boliviana pelas tropas de seu exército, como forma de anunciar simbolicamente ao mundo que a Bolívia estava, a partir de então, reassumindo o controle da economia do país, rompendo com mais de uma década de submissão ao “capitalismo selvagem”.

Para tornar efetivo tal anuncio “nacionalista”, o governo boliviano vinha já há algum tempo negociando com a estatal brasileira o valor das indenizações a serem pagas pela re-estatização das duas refinarias controladas pela Petrobrás na Bolívia. Em 1999, a Petrobrás havia pago 104 milhões de dólares pelas duas refinarias e havia investido, de lá para cá, mais $30 milhões em melhorias. Inicialmente, a Petrobrás havia pedido $200 milhões por ambas empresas, mas no último dia 10 de maio o governo brasileiro cedeu em sua oferta e o preço final da re-compra ficou acertado em 112 milhões de dólares (cerca de 224 milhões de reais).

A farsa da “virada nacionalista” anunciada por Morales fica clara no decreto presidencial do último dia 13/05 onde o governo autoriza a estatal petroleira boliviana YPFB a formar parcerias com o capital estrangeiro, tanto público como privado, para exploração de novas reservas de petróleo e gás natural no subsolo boliviano. No dia, Morales já havia firmado 44 novos contratos com empresas petrolíferas. Na ocasião, apesar da retórica nacionalista, Morales conclamou as empresas estrangeiras a que investissem no país, pois teriam garantias jurídicas em favor de novos contratos de parceria.

Desde o ano passado, a YPFB tem firmado acordos com a estatal petroleira venezuelana PDVSA para exploração de grandes jazidas na Bolívia em sistema de parceria, através da Petroandina (com 51% de capital da YPFB e 49% de capital da PDVSA).

No último dia 10 de maio, a Agência Folha divulgou que o grupo brasileiro Norberto Odebrecht estaria disposto a investir 1,5 bilhão de dólares na construção de três instalações petroquímicas na Bolívia. Segundo a Folha, já há negociações entre os executivos do grupo e o governo boliviano em torno de um acordo para a parceria. Através da Braskem - filial da Odebrecht na Venezuela e uma das maiores empresas petroquímicas da América Latina - a empresa construiria 3 unidades petroquímicas na Bolívia: duas de polietileno e uma de etileno, produzindo então 5 milhões de metros cúbicos diários de gás.

Após anunciar de forma satisfatória a compra das empresas pertencentes à Petrobrás, Morales quer agora comprar também as ações das outras grandes empresas multinacionais que atuam no país: Shell, Repsol e British Petroleum (BP). Após concluir tais negociações, o governo boliviano afirma que passará a ter o controle total da exploração das riquezas hidrocarboníferas do subsolo do país, iniciando, assim, uma “nova história patriótica”, supostamente devolvendo desta forma a “soberania nacional” ao povo boliviano, antes entregue pelos governos neoliberais ao capital especulativo.

Pensamos, porém, que o que Morales está fazendo na Bolívia é o mesmo que Hugo Chávez já vem realizando na Venezuela desde que assumiu a presidência do país em 1999: utilizar-se da enorme riqueza natural existente no subsolo boliviano para implantar programas assistencialistas e obter o máximo apoio popular possível.

A Bolívia é um dos países mais pobres da América Latina. Segundo o anuário Estatístico/2006 da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), a Bolívia tem atualmente mais de 60% de sua população vivendo abaixo da linha da pobreza (63,9%) e ou na miséria absoluta (34,7%). Na América Latina como um todo, os índices de pobreza em 2005 estavam em cerca de 39,8% da população total e a indigência estava na casa dos 15,4%. Estes dados comparativos mostram que a Bolívia tem atualmente os mais altos índices de pobreza e miséria entre os países da América do Sul (os dados para a Bolívia são de 2004).

É graças a estes índices altíssimos de pobreza, indigência e miséria que Evo Morales construiu sua plataforma eleitoral de campanha à presidência da República e formou sua base eleitoral vitoriosa em 2005. É, portanto, a esta mesma base eleitoral miserável e ressentida que Morales mira quando anuncia bombasticamente a re-nacionalização das empresas exploradoras do subsolo e do povo boliviano.

Mas, para isso, era necessário o controle total da máquina administrativa do Estado nas mãos do executivo. Morales, assim, da mesma forma que Chávez na Venezuela, eliminou a oposição parlamentar interna ao conseguir formar um Parlamento totalmente conforme às necessidades governistas. Aprovou também uma nova Constituição Federal, dando maior autonomia de ação a seu governo. Morales controla também o exército, os sindicatos de mineradores (os mais fortes do país) e o principal partido popular boliviano, o MAS (Movimiento al Socialismo), partido este que tem maioria no Parlamento e lhe possibilitou a ascensão política em nível nacional ao promover, no início do milênio, a defesa da produção de cocaína junto às comunidades indígenas como produto ligado às tradições religiosas incaicas.

Neste sentido, como podemos perceber, o “socialismo” de Evo Morales está ligado diretamente ao fortalecimento do Estado e à maior exploração das riquezas naturais do país. Este pseudo-socialismo - que, ao invés de gerar maior quantidade de empregos à população local, acaba por implantar no país empresas com alta tecnologia que pouco utilizam mão de obra não-especializada - é, na verdade, um grande programa de governo em nome da burguesia mundial, pois, se, por um lado, com as re-estatizações o Estado passa a ter o controle acionário sobre as empresas atuantes no país, por outro lado, o governo dá novas garantias às empresas multinacionais para investirem ali sob a proteção da nova Constituição.

Quer dizer, na prática, o que o governo de Morales está fazendo nada mais é do que renegociar os antigos contratos sob nova forma de proteção jurídica. O que o governo boliviano está fazendo é comprar de volta as empresas antes com capital totalmente privado e reprivatizando parte dos ativos de cada uma delas, sob a forma que ele chama de “capital misto”.

Neste processo de redirecionamento do capital, certamente a Petrobrás sai perdendo (ainda que os negócios da estatal brasileira representem apenas ínfimos 0,3% do total da empresa), bem como outras empresas multinacionais certamente perderão, como a Shell, a Repsol e a British Petroleum (BP), mas não perde o capital enquanto categoria, pois, na prática, o que Morales está fazendo é uma simples mudança na composição do capital explorador das riquezas naturais bolivianas, onde o Estado passa a ser o gerente direto desta nova fase de exploração capitalista no país.

Saem grupos capitalistas menos amigos (que não queriam renegociar contratos anteriormente estabelecidos e que lhes eram altamente vantajosos, como era o caso dos contratos da Petrobrás) e entram grupos capitalistas “mais parceiros” do novo “socialismo-moralista”, o que nada mais é que uma cópia da farsa nacionalista do “socialismo do século XXI” promovido por Hugo Chávez na Venezuela. Saem Petrobrás, Shell e consortes e entram Odebrecht, PDVSA e outros capitais “socialistas”, amigos do também “bolivarista” Evo Morales.

Mas, certamente, não será o povo boliviano como um todo quem será beneficiado com este pseudo-socialismo beneficiador do grande capital. Por certo, os altíssimos índices de pobreza e miséria poderão diminuir alguns pontos percentuais na Bolívia nos próximos anos. Mas, sem dúvida, a médio e longo prazo esta pseudo-política-socialista de Morales enfrentará seu auto-esgotamento, ou seja, esta política se esgotará por suas próprias contradições e não resolverá nenhum dos problemas estruturais da população boliviana que continuará na miséria e submetida ao saque do grande capital internacional.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O Comunismo e a Família - Alexandra Kollontai

Retirado do sítio: http://www.marxists.org/portugues/kollontai/1920/mes/com_fam.htm

A mulher já não depende do homem

Se manterá a família em um Estado comunista? Persistirá na mesma forma atual? São estas questões que atormentam, nesse momento, à mulher trabalhadora e a seus companheiros, os homens.

Não devemos achar estranho que nesses últimos tempos este problema perturbe a mente das mulheres trabalhadoras. A vida muda continuamente diante de nossos olhos; antigos hábitos e costumes desaparem pouco a pouco. Toda a existencia da familia proletaria se modifica e se organiza de uma forma tão nova, tão fora do comum, tão estranha, como nunca podemos imaginar.

E uma das coisas que mais causa perplexidade na mulher, nesses momentos, é a maneira como foi facilitado o divórcio.

De fato, em virtude do decreto do Comissario do Povo de 18 de dezembro de 1917, o divórcio deixou de ser um privilégio acessível somente aos ricos; de agora em diante, a mulher trabalhadora não terá que esperar meses e, inclusive, até anos para que seja julgado seu pedido de separação matrimonial que dê a ela o direito de separar-se de um marido alcólatra ou violento, acostumado a espancá-la. De agora em diante poderá se obter o divórcio amigavelmente dentro do período de uma ou duas semanas, no máximo.

Porém, é precisamente esta facilidade para obter o divorcio, fonte de tantas esperanças para as mulheres que são desgraçadas em seu matrimônio, o que assusta outras mulheres, particularmente aquelas que consideram o marido como o "provedor" da família, como o único sustento da vida, a essas mulheres que não compreendem que devem acostumar-se a buscar e a encontrar esse sustento em outro lugar, não na pessoa do homem, mas sim na pessoa da sociedade, do estado.


Da família gentílica aos nossos dias

Não há nenhuma razão para nos enganarmos: a família normal dos tempos passados na qual o homem era tudo e a mulher era nada -posto que não tinha vontade própria, nem tempo do qual dispor livremente-, este tipo de família sofre modificações dia a dia, e atualmente é quase uma coisa do passado, o qual não deve nos assustar.

Seja por erro ou ignorância, estamos dispostos a crer que tudo o que nos rodeia deve permanecer imutável, enquanto tudo o mais muda. Sempre foi assim e sempre será. Esta afirmação é um erro profundo.

Para nos dar conta de sua falsidade, não precisamos mais que observar como viviam os povos do passado e, imediatamente, vemos como tudo está sujeito à mudança e como não há costumes, nem organizações políticas, nem moral que permaneçam fixas e invioláveis.

Assim, portanto, a família tem mudado frequentemente de forma nas diversas épocas da vida da humanidade.

Houve épocas em que a família foi completamente diferente de como estamos acostumados a admití-la. Houve um tempo em que a única forma de família que se considerava normal era a chamada família genésica, aquela em que a cabeça da família era a mãe-anciã, em torno da qual se agrupavam, na vida e no trabalho comum, os filhos, netos e bisnetos.

A família patriarcal foi em outros tempos considerada também como a única forma possível de famísilia, presidida por um pai-amo, cuja vontade era lei para todos os demais membros da família. Ainda em nossos tempos se pode encontrar nas aldeias russas, famílias camponesas deste tipo. Na realidade, podemos afirmar que nesses locais a moral e as leis que regem a vida familiar são completamente diferentes das que regulamentam a vida da família do operário da cidade. No campo existem todavía, grande número de costumes que já não é possível encontrar na família da cidade proletária.

O tipo de família, seus costumes, etc., varíam segundo as raças. Há povos, como por exemplo os turcos, árabes e persas, entre os quais a lei autoriza o marido a ter várias mulheres. Existiram e todavía se encontram tribos que toleram o costume contrário, quer dizer, que a mulher tenha vários maridos.

A moral a serviço do homem atual o autoriza exigir de las jóvenes a virgindade até seu casamento legítimo. Porém, não obstante, há tribos em que ocorreo o contrário: a mulher tem orgulho de ter tido muitos amantes e enfeita braços e pernas com braceletes que indicam o número...

Diversos costumes, que a nós nos surpreendem, hábitos que podemos, inclusive, qualificar de imorais, outros povos o praticam, como a sanção divina, enquanto que, por sua parte, qualificam de "pecaminosos" muitos de nossos costumes e leis.

Portanto, não há nenhuma razão para que nos aterrorizemos diante do fato de que a família sofra uma mudança, porque gradualmente se descartem vestígios do passado vividos até agora, nem porque se implantam novas relações entre o homem e a mulher. Não temos mais que nos perguntar: "o que morreu em nossos velho sistema familiar e que relações há entre o homem trabalhador e a mulher trabalhadora, entre o campones e a camponesa?"

Quais de seus respectivos direitos e deveres se encaixam melhor nas condições de vida da nova Rússia? Tudo o que seja compatível com o novo estado de coisas se manterá; o restante, toda essa bagagem antiquada que herdamos da maldita época de servidão e dominação, que era a característica dos latifundiários e capitalistas, tudo isso terá que ser varrido juntamente com a mesma classe exploradora, com esses inimigos do proletariado e dos pobres.


O capitalismo destruiu a velha vida familiar

A família, em sua forma atual, não é mais que uma das tantas herenças do passado. Sólidamente unida, compacta em si mesma em seus comienzos, e indissolúvel -tal era o caráter do matrimônio santifico pela cura-, a família era igualmente necessária para cada um de seus membros. Porque, quem trataria de criar, vestir e educar os filhos se não fosse a família? Quem os guiaria na vida? Triste sorte a dos órfãos naqueles tempos; era o pior destino que alguém poderia ter.

No tipo de família a que estamos acostumados, o marido é quem ganha o sustento, que mantém a mulher e os filhos. A mulher, por sua parte, se ocupa dos afazeres domésticos e de criar os filhos.

Porém, desde há um séxulo, esta forma corrente de família experimentou uma destruição progressiva em todos os países do mundo, nos que o capitalismo domina, naqueles países em que o número de fábricas cresce rápidamente, jutntamente com outras empresas capitalistas que empregam trabalhadores.

Os costumes e a moral familiar se formam simultaneamente como consequencia das condições gerais da vida que rodeia a família. O que mais contribuiu para que se modificassem os costumes familiares de uma maneira radical foi, indiscutivelmente, a enorme expansão que adquiriu por toda parte o trabalho assalariado da mulher. Anteriormente, o homem era a única possibilidade de sustento da família. Porém, desde os últimos cinquenta ou sessenta anos, temos visto na Rússia (com anterioridade em outros países) que o regime capitalista obriga as mulheres a buscar trabalho remunerado fora da família, fora de casa.


Trinta milhões de mulheres suportam uma carga dupla

Como o salário do homem, a base do sustento da família, era insuficiente para cobrir as necessidades da mesma, a mulher se viu obrigada a procurar trabalho remunerado; a mãe teve que ir também à porta da fábrica. Ano a ano, dia a dia, foi crescendo o número de mulheres pertecentes à classe trabalhadora que abandonavam suas casas para engrossar as fileiras das fábricas, trabalhando como operárias, dependientas, oficinistas, lavadeiras ou empregadas.

Segundo cálculos de antes da Grande Guerra, nos países da Europa e América, chegava a sessenta milhões o número de mulheres que ganhavam a vida com seu trabalho. Durante a guerra esse número aumentou consideravelmente.

A imensa maioria dessas mulheres estavam casadas; fácil é imaginarmos a vida familiar que podiam disfrutar. Que vida familiar pode existir onde a esposa e mãe está fora de casa durante oito horas diárias, dez, melhor dizendo (contando a viagem de ia e volta)? A casa fica, necessariamente, descudiada; os filhos crecem sem nenhum cuidado maternal, abandonados a si mesmo em meio aos perigos da rual, na qual passam a maior parte do tempo.

A mulher casada, a mãe que é operária, sua sangue para cumprir com três tarefas que pesam ao mesmo tempo sobre ela: dispor das horas necessárias para o trabalho, o mesmo que faz seu marido, em alguma indústria ou estabelecimento comercial; dedicar-se depois, da melhor forma possível, aos afazêres domésticos e, por último, cuidar de seus filhos.

O capitalismo carregou para sobre os ombros da mulher trabalhadora um que a esmaga; a converteu em operária, sem aliviá-la de seus cuidados de dona de casa e mãe.

Portanto, a mulher se esgota como consequência dessa tripla e insuportável carga que com frequencia expressa com gritos de dor e lágrimas.

Os cuidados e as preocupações sempre foram o destino da mulher; porém sua vida nunca foi mais desgraçada, mais desesperada que sob o sistema capitalista, logo quando a indústria atravessa um período de máxima expansão.


Os trabalhadores aprendem a existir sem vida familiar

Quanto mais se extende o trabalho assalariado da mulher, mais aumenta a decomposição da família. Que vida familiar pode haver onde o homem e a mulher trabalham na fábrica, em seções diferentes, se a mulher não dispõe nem sequer do tempo necessário para para preparar uma comida razoavelmente boa para seus filhos?! Que vida familiar pode ser a de uma família em que o pai e a mãe passam fora de casa a maior parte das vinte e quatro horas do dia, voltados a um duro trabalho que os impede de dedicar uns poucos minutos a seus filhos?!

Em épocas anteriores, era completamente diferente. A mãe, a dona de casa, permanecía em casa, se ocupava das tarefas domésticas e de seus filhos, aos quais não deixava de observar, sempre vigilante.

Hoje em dia, desde as primeiras horas da manhã, até soar a sirene da fábrica, a mulher trabalhadora corre apressada para chegar a seu trabalho; à noite, de novo, ao soar a sirene, volta correndo à casa para preparar a sopa e cuidar dos afazêres domésticos indispensáveis. Na manhã seguinte, depois de breves horas de sono, começa novamente para a mulher sua pesada carga. Não pode, portanto, sorpreender-nos, portanto, o fato de que, devido a essas condições de vida, se desfaçam os laços familiares e a família se dissolva cada dia mais. Pouco a pouco vai desaparecendo tudo aquilo que convertia a família em um todo sólid, tudo aquilo que constituía suas bases de apoio, a família é cada vez menos necessária a seus próprios membros e ao estado. As velhas formas familiares se convertem em um obstáculo.

Em que consistía a força da família nos tempos pasados? Em primeiro lugar, no fato de que era o marido, o pai, quem mantinha a família; em segundo lugar, o lar era algo igualmente necessário a todos os membros da família e em terceiro e último lugar, poque os filhos eram educados pelos pais.

O que fica atualmente disso tudo? O marido, como vimos, deixou de ser o sustento único da família. A mulher, que vai trabalhar, se converteu, nesse sentido, igual a seu marido. Fica todavía, não obstante, a função da família de criar e manter seus filhos enquanto são pequenos. Vejamos agora, na realidade, o que sobra dessa obrigação.


O trabalho caseiro não é mais uma necessidade

Houve um tempo em que a mulher da classe pobre, tanto na cidade como no campo, passava sua vida no seio da família. A mulher não sabia nada do que acontecia pra lá da porta de sua casa e é quase certo que tampouco desejava saber. Em compensação, tinha dentro de sua casa as mais variadas ocupações, todas úteis e necessárias, não só para a vida da família em sí, mas também para a de todo o Estado.

A mulher fazia, é certo, tudo o que hoje faz qualquer mulher operária ou camponesa. Conzinhava, lavava, limpava a casa e repasaba a roupa da família. Porém não fazia isso sozinha. Tinha uma série de obrigações que já não têm as mulheres de nosso tempo: manipulava a lã e o linho, tecia as telas e os adornos e se dedicava, na medida das possibilidades familiares, às tarefas de conservação de carnes e demais alimentos; destilava as bebidas da família e inclusive modelava velas para a casa

Quão diversas eram as tarefas da mulher nos tempos passados! Assim passaram a vida nossas mães e avós. Ainda em nossos dias, nas aldeias mais remotas, em pleno campo, sem contato com as linhas de trem ou longe dos grandes rios, pode-se encontrar pequenos núcloeos onde se conserva, todavía, sem modificação alguma, este modo de vida dos bons tempos do passado, em que a dona de casa realizava uma série de trabalhos dos quais a mulher trabalhadora das grandes cidades ou das regiões de grande população industrial não tem noção, desde há muito tempo.


O trabalho industrial da mulher no lar

Nos tempos de nossas avós eram absolutamente necessários e úteis os trabalhos domésticos da mulher, do que dependia o bem-estar da família. Quanto mais de dedicava a dona de casa a essas tarefas, melhor era a vida no lar, mais orden e abundância se refletiam na casa. Até o próprio Estado podia se beneficiar bastante das atividades da mulher enquanto dona de casa. Porque, na realidade, a mulher de outros tempos não se limitava a preparar purês para ela ou sua família, suas mãos produziam muitos outros produtos de riqueza como telas, linho, manteiga, etc., coisas que podiam ser levadas ao mercado e ser consideradas como mercadorias, como coisas de valor.

É certo que nos tempos de nossas avós e bisavós o trabalho não era avaliado em dinheiro. Porém não havia nenhum homem, fosse camponês ou operário, que não buscasse como companheira uma mulher com "mãos de ouro", frase, todavía, proverbial entre o povo.

Porque só os recursos do homem, sem o trabalho doméstico da mulher, não bastavam para manter o lar.

No que diz respeito aos bens do estado, aos interesses da nação, coincidíam com os do marido; quanto mais trabalhadora era a mulher no seio da família, mais produtos de todos tipos se produzia: telas, couros, lã, cuso excedente podia ser vendido no mercado das redondezas; consequentemente, a dona de casa contribuía para aumentar em seu conjunto a prosperidade econômica do país.


A mulher casada e a fábrica

O capitalismo modificou totalmente esse antigo modo de vida. Tudo o que antes se produzia no seio da família, se fabrica agora em grandes quantidades nas fábricas. A máquina substituiu os ágeis dedos da dona de casa. Que mulher trabalharia hoje modelando velas ou manipulando tecidos? Todos esses produtos podem ser adquiridos na venda mais próxima. Antes, todas as garotas tinham que aprender a tecer suas roupas. É possível encontrar em nossos tempos uma jovem operária que faça suas roupas? Em primeiro lugar, carece do tempo necessário para tal. O tempo é dinheiro e não há ninguém que queira perdê-lo de uma maneira improdutiva, quer dizer, sem obter nenhum proveito. Atualmente, toda a mulher operária prefere comprar suas roupas a perder tempo fazendo-as.

Poucas mulheres trabalhadoras, e só em casos isolados, podemos encontrar hoje em dia que preparem as conservas para a família quando a é que na venda de comestíveis ao lado de sua casa pode comprá-las perfeitamente preparadas. Ainda no caso de que o produto vendido no estabelecimento comercial seja de uma qualidade inferior, ou que não seja tão bom como o que possa fazer uma dona de casa em seu lar, a mulher trabalhadora não tem tempo nem energias para dedicar-se a todas as operações que um tipo de trabalho desse requer.

A realidade, portanto, é que a família contemporânea se torna cada vez mais independente de todos aqueles trabalhos domésticos sem cuja preocupação não poderia se poderia conceber a vida familiar de nossas avós.

O que se produzia anteriormente no seio da família se produz atualmente com o trabalho comum de homens e mulheres trabalhadores nas fábricas.


Os afazêres individuais estão fadados a desaparecer

A família atualmente consume sem produzir. As tarefas essencias da donda de caso se reduziram a quatro: limpeza (do chão, dos móveis, etc.); cozinha (preparação d comida), lavar a roupa e as vestimentas da família.

Esses trabalhos são esgotantes. Consomem todas as energias e todo o tempo da mulher trabalhadora que, além do mais, tem que trabalhar em uma fábrica.

É certo que os afazêres individuais de nossas avós compreendiam muito mais operações, porém, não obstante, estavam dotados de uma qualidade de que carece os trabalhos domésticos da mulher operária de nossos dias; estes perdeream sua qualidade de trabalhos úteis ao estado do ponto de vista da economia nacional, porque são trabalhos com os que não se criam novos valores. Com eles não se contribui para a prosperidade do país.

É em vão que a mulher trabalhadora passe o dia desde a manhã até a noite limpando sua casa, lavando e tingindo a roupa, consumindo suas energias para conservar as roupas em ordem, matando-se para preparar com seus modestos recursos a melhor comida possível, porque quando termina o dia não ficará, apesar de seus esforços, um resultado material de todo seu trabalho diário; com suas mãos infatigáveis não haverá criado em todo o dia nada que possa ser considerado como uma mercadoria no mercado comercial. Mil anos que vivesse, tudo seguiria igual para a mulher trabalhadora. Todas as manhãs havería tirar a poeira da cômoda; o marido viria com vontade de jantar a noite e seus filhos voltaríam sempre pra casa com os sapatos cheios de barro... O trabalho da dona de casa tem a cada dia menos utilidade, é cada vez mais improdutivo.


A aurora do trabalho caseiro coletivo

Os trabalhos domésticos em forma individual começaram a desaparecer e dia a dia vão sendo substituídos pelo trabalho caseiro coletivo e chegará um dia, mais cedo ou mais tarde, ao ponto que a mulher trabalhadora não terá que ocupar-se de seu próprio lar.

Na Sociedade Comunista de amanhã, esses trabalhos serão realizados por uma categoria especial de mulheres trabalhadoras dedicadas unicamente a essas ocupações.

As mulheres dos ricos, já faz muito tempo, vivem livres dessas desagradáveis e fatigosas tarefas. Porque a mulher trabalhadora tem que continuar com essa pesada carga?

Na Rússia Soviética, a vida da mulher trabalhadora deve estar rodeada das mesmas comodidades, a mesma limpreza, a mesma higiene, a mesma beleza que até agora constituía o ambiente das mulheres pertencentes às classes endinheiradas. Em uma sociedade comunista a mulher trabalhadora não terá que passar suas escassas horas de descanso na cozinha, porque nela existiríam restaurantes públicos e cozinhas centrais nos quais poderá comer todo mundo.

Está crescendo o número de estabelecimentos desse tipo em todos os países, inclusive os capitalistas. Na realidade, se pode dizer que desde há meio século aumentam a cada dia em todas as cidades da Europa; crescem como cogumelos depois da chuva de outono. Porém, enquanto sob o sistema capitalista, somente pessoas com bolsas bem cheias podem permitir-se ao gosto de comer nos restaurantes, em uma cidade comunista estarão ao alcande de todo mundo.

O mesmo se pode dizer da lavagem de roupa e demais trabalhos caseiros. A mulher trabalhadora não terá que se sufocar em um oceano de sujeira nem estragar a vista remendando e costurando a roupa à noite. Não terá mais que levá-la, cada semana, às lavanderias centrais para ir buscá-la depois lavada. Desse modo, a mulher trabalhadora terá uma precopação a menos.

A organização de locais especiais para passar e remendar a roupa oferecerão à mulher trabalhadora a oportunidade de dedicar-se às noites a leituras instrutivas, a distrações saudáveis, ao invés de passá-las como até agora em tarefas esgotantes.

Por tanto, vemos que as quatro últimas tarefas domésticas que todavía pesam sobre a mulher de nossos tempos desaparecerão com o triunfo do comunismo.

Não terá do que reclamar a mlher operária, porque a sociedade comunista haverá acabado com o jugo doméstido da mulher para fazer sua vida mais alegre, mais rica, mais livre e mais completa.


A criação dos filhos no sistema capitalista

Que sobrará da família quando desaparecerem todos as tarefas do trabalho caseiro individual? Todavía teremos que lidar com o problema dos filhos. Porém, no que se refere a essa questão, o Estados dos Trabalhadores acudirá em auxílio a família, substituindo-a, gradualmente, a Sociedade tomará conta de todas aquelas obrigações que antes recaíam sobre os pais.

Sob o sistema capitalista, a instrução dos filhos deixou de ser uma obrigação dos pais. O filho aprende na escola. E quando o filho entra na idade escolar, os pais respiram aliviados. Quando chega esse momento, o desenvolvimento intelectual da criança deixa de ser um assunto de sua incumbência.

Não obstante, com isso não terminavam todas as obrigações da família a respeito da criança. Todavía subsistia a obrigação de alimentar o filho, calçar-lhe, vestir-lhe, convertê-lo em operário direito e honesto para que, com o tempo, pude-se sobreviver por contra própria e ajudar seus pais quando estes se tornassem velhos.

Porém o mais comum era, não obstante, que a família operária não pudesse quase nunca cumprir inteiramente estas obrigações relacionadas a seus filhos. O reduzido salário de que depende a família operária não lhe permite nem se quer dar a seus filhos o suficiente para comer, enquanto que o excessivo trabalho que pesa sobre os pais lhes impede de dedicar à educação da jovem geração toda a atenção que exige essa tarefa. Se dava por certo que a família se ocupava da criação dos filhos. Porém, o fazia na realidade? Mais justo sería dizer que é na rua onde se criam os filhos do proletariado. Os filhos da classe trabalhadora desconhecem as satisfações da vida familiar, prazeres dos quais participamos nós com nossos pais.

Porém, além do mais, temos que levar em conta que a redução dos salários, a insegurança no trabalho e até a fome convertem, frequentemente, o garoto de 10 anos em um operário independente. Desde este momento, tão logo o filho (seja menino ou menina) começa a ganhar um salário, se considera dono de sua pessoa até o ponto que as palavras e os conselhos de seus pais deixam de causar-lhe a menor impressão, quer dizer, se debilita a autoridade dos pais e termina a obediência.

A medida que vão desaparecendo um a um os trabalhos domésticos da família, todas as obrigações de sustento e criação dos filhos são desempenhadas pela sociedade ao invés de pelos pais. Sob o sistema capitalista, os filhos eram, com demasiada frequência, na família proletária, uma carga pesada e insustentável.


Os filhos e o Estado Comunista

Nesse aspecto, a Sociedade Comunista também sairá em auxílio dos pais. Na Rússia Soviética se empreendeu, graças aos Comissariados de Educação Pública e Bem-estar Social, grandes avanços. Se pode dizer que neste aspecto já se fez muitas coisas para facilitar a tarefa da família de criar e manter seus filhos.

Já existem casas para as crianças em fase de amamentação, creches, jardins de infância, colônias e lares para crianças, enfermarías e postos de saúse para os doentes ou que precisam de cuidado especial, restaurantes, refeitórios gratuitos para os estudantes nas escolas, livros de estudo gratuitos, roupas e calçado para as crianças dos estabelecimentos de ensino. Tudo isso não demonstra suficientemente que a criança sai do marco estreito da família, passando o peso de sua criação e educalçao dos pais à coletividade?

Os cuidados dos pais a respeito dos filhos podem classificar-se em três grupos: 1º, cuidados que os filhos precisam imprescindivelmente nos primeiros tempos de sua vida; 2º, os cuidados que exige a criação do filho, e 3º, os cuidados que exige a educação do filho.

No que diz respeito à instrução dos filhos, em escolas primárias, institutos e universidades, já se converteu em uma obrigação do estado, inclusive na sociedade capitalista.

Por outro lado, as ocupações da classe trabalhadora, as condições de vida, obrigam, inclusive na sociedade capitalista, a criação de locais de juego, creches, asilos, etc. Quanto mais consciência tenha a classe trabalhadora de seus direitos, quanto melhor estiverem organizados em qualquer estado específico, tanto mais interesse terá a sociedade no problema de aliviar a família do cuidado dos filhos.

Porém a sociedade burguesa tem medo de ir demasiado longe no que diz respeito a considerar os interesses da classe trabalhadora, e muito mais se contribui para a desintegração da família.

Os capitalistas se dão conta, perfeitamente, de que o velho tipo de família, em que a esposa é uma escrava e o homem o responsável pelo sustento e bem-estar da família, de que uma família desse tipo é a melhor arma para afogar os esforços do proletariado pela sua libertação, para debilitar o espírito revolucionário do homem e da mulher proletários. A preocupação pela qual pode passar a sua família priva o operário de toda sua firmeza, lhe obriga a transigir com o capital.-Que nos farão os proletários quando seus filhos tiverem fome?

Contrariamente ao que acontece na sociedade capitalista que não foi capaz de transformar a educação da juventude em uma verdadeira função social, em uma obrea do Estado, a Sociedade Comunista considerará como base real de suas leis e costumes, como a primeira pedra do novo edifício, a educação social da geração nascente.

Não será a família do passado, mesquinha e estreita, com brigas entre os pais, com seus interesses exclusivistas para os filhos a que moldará o homem da sociedade de amanhã.

O homem novo, de nossa nova sociedade, será modelado pelas organizações socialistas, jardins infantis, residências,creches para as crianças, etc, e muitas outras instituições desse tipos nas que a criança passará a maior parte do dia e nas que educadores inteligentes o convertirão em um comunista consciente da magnitude dessa inviolável divisa: solidariedade, camaradagem, ajuda múltua e devoção à vida coletiva.


A sobrevivência da mãe assegurada

Vemos agora, uma vez que não se precisa atender à criação e educação dos filhos, que é o que ficará das obrigações da família com respeito a seus filhos, particularmente depois que haja sido aliviada da maior parte dos cuidados materiais que trazem consigo o nascimento de um filho, ou seja, à excepção dos cuidados que exige um filho recém nascido quando todavía necessita de atenção de sua mãe, enquanto aprende a andar, agarrando-se às roupas de sua mãe. Nisso também o Estado Comunista sai em auxílio da mãe trabalhadora. Já não existirá a mãe oprimida com um bebê nos braços. O Estado dos Trabalhadores se encarregará da obrigação de assegurar a subsistência a todas as mães, estejam ou não legitimamente casadas, desde que amamente seu filho; instalará por todas parte casas de maternidade, organizará em todas as cidades e em todos os povos creches e instituições semeçhantes para que a mulher possa ser útil trabalhando para o Estado enquanto, ao mesmo tempo, cumpre suas funções de mãe.


O matrimônio deixará de ser uma cadeia

As mães operárias não têm porque alarmarem-se. A sociedade comunista não pretende separar os filhos dos pais, nem arrancar o recem nascido do peito de sua mãe. Não existe a menor intenção de recorrer à violência para destruir a família como tal. Nada disso. Essas não são as aspirações da sociedade comunista.

O que presenciamos hoje? Pois que se rompem os laços da desgastada família. Esta, gradualmente, vai se libertando de todos os trabalhos domésticos que anteriormente eram outros tantos pilares que sustentavam a família como um todo social. Os cuidados da limpeza, etc., da casa? Também parece que demonstrou sua inutilidade. Os filhos? Os pais proletários já não podem atender a seus cuidados; não podem assegurar nem sua sobrevivência nem sua educação.

Esta é a situação real cujas consequências sofrem igualmente os pais e os filhos.

Portanto, a Sociedade Comunista se aproximará do homem e da mulher proletários para dizer-lhes:"Sois jovens e se amam". Todos têm o direito à felicidade. Por isso devem viver vossa vida. Não tenham medo do matrimônio, já não é mais uma cadeia para o homem e a mulher da classe trabalhadora. E, sobretudo, não tenham medo, sendo jovens e saudáveis, de dar a vosso país novos operários, novos cidadãos. A sociedade dos trabalhadores necessita de novas forças de trabalho; saúda a chegada de cada recém-nascido ao mundo. Tão pouco temam pelo futuro de vosso filho; ele não conhecerá a fome nem o frio. Não será desgraçado, nem ficará abandonado a sua sorte como acontecía na sociedade capitalista. Tão pronto ele chegue ao mundo, o Estado dos trabalhadores, a Sociedade Comunista, assegurará ao filho e à mãe alimentação e cuidados solícitos. A pátria comunista alimentará, criará e educará o filho. Porém essa pátria não tentará, de modo algum, arrancar o filho dos pais que queiram participar na educação de seus pequenos. A Sociedade Comunista tomará como todas as obrigações da educação do filho, porém nunca despojará das alegrias paternais, das satisfações maternais a aqueles que sejam capazes de apreciar e compreender essas alegrias. Se pode, portanto, chamar isso de destruição da família por violência ou separação a força da mãe e o filho?


A família como união de afetos e camaradagem

Há algo que não se pode negar, o fato de que há chegado a hora do velho tipo de família. A culpa disso não é do comunismo: é o resultado da mudança experimentada pelas condições de vida. A família deixou de ser uma necessidade para o Estado como ocorría no passado.

Todo o contrário resulta em algo pior que inútil, posto que sem necessidade impede que as mulheres trabalhadoras possam realizar um trabalho muito mais produtivo e muito mais importante. Tão poucoé necessária a família aos seus membros, posto que a tarefa de criar osfilhos, que antes lhe pertencia por completo, passa cada vez mais às mãos da coletividade.

Sobre as ruínas da velha vida familiar, veremos ressurgir uma nova forma de família que suporá relações completamente diferentes entre o homem e a mulher, baseadas em uma união de afetos e camaradagem, em uma união de pessoas iguais na sociedade comunista, as duas livres, as duas independentes, as duas operárias. Não mais "servidão" doméstica para a mulher! Não mais desigualdade no seio da família!

A mulher, na Sociedade Comunista, não dependerá de seu marido, seus robustos braços serão o que proporcionará a ela seu sustento. Se acabará com a incerteza sobre a sorte dos filhos. O Estado Comunista assumirá todas essas responsabilidades. O matrimônio ficará purificado de todos seus elementos materiais, de todos os cálculos de dinheiros que constituem a repugnante mancha da vida familiar de nosso tempo. O matrimio se transformará de agora em diante na união sublime de duas almas que se amam, que se professem fé mútua. Uma união desse tipo promete a todo operário, a toda operária, a mais completa felicidade, o máximo de satisfação que pode caber a criaturas consciente de si mesmas e da vida que a rodeia.

Esta união livre, forte no sentimento de camaradagem em que está inspirada, em vez de escravidão conjugal do passado, é o que a sociedade comunista de amanhã oferecerá a homens e mulheres.

Uma vezes que tenham sido transformadas as condições de trabalho, uma vez que tenha-se aumentado a segurança material da mulher trabalhadora, uma que tenha desaparecido o matrimônio tal como consagrava a Igreja - isso é, o chamado matrimônio indissolúvel, que no fundo não era mais que uma mera fraude-, uma vez que esse matrimônio seja substituído pela união livre e honesta de homens e mulheres que se amam e são camaradas, haverá começado a desaparecer outra calamidade horrorosa que mancha a humanidade e cujo peso recai por inteiro sobre a fome da mulher trabalhadora: a prostituição.


Se acabará para sempre a prostituição

Essa vergonha se deve ao sistema econômico hoje em vigor, à existência da propriedade privada. Uma vez desaparecida a propriedade privada, desaparecerá automaticamente o comércio da mulher.

Portanto, a mulher trabalhadora deve deixar de se preocupar com o fato de que a família tal como está constituída hoje está fadada ao desaparecimento. Seria muito melhor saudar com alegria a aurora de uma nova sociedade que liberará a mulher da servidão doméstica, que aliviará o peso da maternidade para a mulher, uma sociedade em que, finalmente, veremos desaparecer a mais terrível das maldições que pesam sobre a mulher: a prostituição.

A mulher, a quem convidamos a que lute pela grande causa da liberação dos trabalhadores, precisa saber que no novo Estado não haverá motivo algum para separações mesquinhas, como ocorre agora.

"Esses são meus filhos. Eles são os únicos a quem devo toda minha atenção maternal, todo meu afeto. esses são filhos teus; são os filhos do vizinho. Não tenho nada a ver com eles."

Desde agora, a mãe operária que tenha plena consciência de sua função social, se elevará ao extremo que chegará a não estabelecer diferenças "os teus e os meus"; terá que recordar sempre que de agora em diante não haverpa mais "nossos" filhos, mas sim os do Estado Comunista, um bem comum a todos os trabalhadores.


A igualdade social do homem e da mulher

O Estado dos Trabalhadores tem necessidade de uma nova forma de relação entre os sexos. O carinho estreito e exclusivista da mãe por seus filhos tem que ampliar-se até dar conta de todos os filhos da grande família proletária.

Ao invés do matrimônio indissolúvel, baseado na servidão da mulher, veremos nascer a união livre fortalecida pelo amor e o respeito mútuo de dos membros do Estado Operário, iguais em seus direitos e em suas obrigações.

Ao invés da família de tipo individual e egoísta, se levantará uma grande família universal de trabalhadores, na qual todos eles, homens e mulheres, serão antes de tudo trabalhadores e camaradas. Esras serão as relações entre homens e mulheres na Sociedade Comunista de amanhã. Estas novas relações assegurarão à humanidade todos os gozos do chamado amor livre, enobrecido por uma verdadeira igualdade social entre companheiros, gozos que são desconhecidos na sociedade comercial capitalista.

Abram caminhos à existência de uma infância robusta e sana; abram caminhos a uma juventude vigorosa que ame a vida com todas suas alegrias, uma juventude livre em seus sentumentos e em seus afetos!

Esta é a consigna da Sociedade Comunista. Em nome da igualdade, da liberdade e do amor, fazemos um chamado a todas as mulheres trabalhadoras, a todos homens trabalhadores, mulheres camponesas e camponeses para que resolutamente e cheios de fé se entreguem ao trabalho da reconstrução da sociedade humana para fazê-la mais perfeita, mais justa e mais capaz de assegurar ao indivíduo a felicidade a que tem direito.

A bandeira vermelha da revolução social que tremulará, depois da Rússia, em outros países do mundo proclama que não está longe o momento em que poderemos gozar do céu na terra, ao que a humanidade aspira desde há séculos.

O Castrismo e a Política do Nacionalismo Pequeno-Burguês - Bill Van Auken

Palestra foi proferida no dia 7 de Janeiro de 1998 para o curso internacional de verão sobre Marxismo e os Problemas Fundamentais do Século XX, organizado pelo Socialist Equality Party (Partido da Igualdade Socialista, SEP, na sigla em inglês) da Austrália, em Sydney, de 3 a 10 de janeiro de 1998. Bill Van Auken é o editor internacional do Site Socialista de Interligação Mundial (wsws.org) e autor de diversas obras críticas sobre a luta das populações oprimidas da América Latina, África do Sul e Oriente Médio por todo o pós-guerra. Texto retirado do sítio: http://www.wsws.org/pt/2008/sep2008/port-s16.shtml

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Socialismo proletário versus nacionalismo pequeno-burguês

Os revisionistas pablistas, assim como os ex-radicais de classe média em geral, são hostis a tal abordagem. Eles esperam com fervor por uma volta do castrismo. Todos se entusiasmaram com a aparição do Exército Zapatista de Libertação Nacional em Chiapas (EZLN), México, assim como aplaudiram as ações do Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA) quando este capturou a embaixada do Japão em Lima há pouco mais de um ano atrás.

Nosso movimento não se juntou às comemorações desse aparente ressurgimento do guevarismo e da esvaziada fórmula política da “luta armada”. Temos um longo histórico de luta contra tais posições, reconhecendo que elas não são portadoras dos esforços socialistas revolucionários do proletariado, mas da política do nacionalismo pequeno-burguês. Elas não se dirigem à resolução dos problemas fundamentais da direção revolucionária da classe trabalhadora, mas sim à negação do papel revolucionário desta classe como um todo e à dispersão de camadas radicais de estudantes, assim como de trabalhadores e camponeses, para longe da luta pelo socialismo.

Elas servem não para iluminar, mas para obscurecer os problemas estratégicos da revolução socialista elaborados por Trotsky em sua teoria da Revolução Permanente. Palavras de ordem como “a responsabilidade do revolucionário é fazer a revolução”, “luta armada” e “guerra popular prolongada” deixam de responder às questões de qual classe cumprirá o papel principal na revolução, qual a conexão existente entre a revolução em um só país e a revolução mundial e qual a relação entre a luta dos trabalhadores e oprimidos em países atrasados, conjuntamente com a classe trabalhadora dos países capitalistas avançados.

Por detrás de sua retórica radical, esses movimentos possuem concepções firmadas sobre todas essas questões. Invariavelmente, eles se dirigem a suprimir a luta revolucionária independente do proletariado e a subordinar as massas oprimidas como um todo às necessidades da burguesia nacional.

Nesse sentido, não importa o quão radical aparentem ser esses movimentos, são sempre, em última análise, um dos derradeiros bastiões do imperialismo contra a revolução socialista. É a essência da natureza do nacionalismo pequeno-burguês que nos permite compreender a facilidade com que o capitalismo se apropria, em proveito próprio, da imagem de Che.

Se examinarmos cuidadosamente as políticas do MRTA peruano e dos zapatistas mexicanos, elas não passam de manifestações diferentes da acomodação com o imperialismo, posta em prática por todos os regimes e movimentos nacionalistas burgueses. O grupo Tupac Amaru capturou a residência do embaixador japonês com o intuito de pressionar o imperialismo japonês a exercer influência sobre o regime de Fujimori para que abrandasse sua política. O objetivo final do grupo, comunicado a alguns dos seqüestrados, era forçar um acordo de negociação pelo qual ele pudesse transformar-se de um movimento armado em um partido político legal pequeno-burguês.

Já em relação ao movimento zapatista, é universalmente reconhecido justamente por ter, desde o princípio, renunciado a qualquer objetivo revolucionário. As vagas reivindicações que têm sido feitas pelo Subcomandante Marcos são de democratização, fim à corrupção e mais direitos culturais para a população indígena. Tais reivindicações poderiam ser e têm sido adotadas não só pela esquerda pequeno-burguesa, mas também por setores do partido da situação, o PRI, e até mesmo pelo partido de oposição de direita, o PAN. Marcos e os zapatistas, ao invés de apontar o caminho revolucionário aos trabalhadores mexicanos e ao campesinato oprimido, converteram-se em novo instrumento para fechar acordos com a burguesia mexicana.


O papel político da pequena-burguesia

O que exatamente queremos dizer quando descrevemos esses diferentes movimentos como “nacionalistas pequeno-burgueses”? Este não é só um epíteto político lançado por marxistas a seus adversários. Isto é uma definição científica dos interesses e métodos de classes que caracterizam tais movimentos. Marx, ao basear-se na experiência da revolução de 1848, e Trotsky, em sua teoria da Revolução Permanente, demonstraram que a pequena-burguesia é incapaz de uma ação política consistente e independente. Sua inconsistência é o reflexo de sua posição social intermediária. Presos entre as duas principais classes da sociedade e constantemente sendo diferenciados como exploradores e explorados, ela está suscetível a seguir uma dessas duas classes, o proletariado ou a burguesia.

No período do pós-guerra, o imperialismo criou e veio a depender de uma nova camada social identificada como classe média. Em países capitalistas avançados, isso consistia em funcionários da burocracia governamental e escritórios corporativos, aqueles que administravam serviços públicos de bem estar social recém-criados e os que dirigiam a mídia de massas em crescimento.

Um estrato social análogo surgiu nos países oprimidos, e foi a essa camada que o imperialismo entregou o poder durante o período de descolonização. Na América Latina, assim como em outras regiões do globo oprimidas pelo imperialismo, as oportunidades apresentadas a essa camada social eram infinitamente mais limitadas do que as apresentadas aos seus equivalentes dos países capitalistas adiantados. Milhares de estudantes se formavam na universidade sem perspectiva de uma carreira profissional. Em vários casos, aqueles que buscavam uma profissão ou tentavam sobreviver de um pequeno-negócio desfrutavam de pouco mais, em termos de qualidade de vida, do que um trabalhador comum. Foi este estrato social que providenciou a principal base às políticas nacionalistas pequeno-burguesas.

Havia, portanto, uma base de classe objetiva para a emergência das teorias pablistas de uma “nova realidade mundial”, na qual a luta pelo socialismo poderia ser levada não pela classe trabalhadora e sua consciente vanguarda revolucionária, mas pela pequena-burguesia radicalizada. Em última instância, essas formulações revisionistas refletiam tanto as aspirações dessa camada particular da sociedade, assim como a necessidade do imperialismo de um amortecedor que se colocasse entre si e a ameaça da revolução proletária.


As raízes da revolução Cubana

Como qualquer grande acontecimento, a revolução dirigida por Fidel Castro em 1959 tinha suas raízes em desenvolvimentos históricos precedentes. Essas raízes históricas, normalmente ignoradas pelos bajuladores pablistas de Fidel e pela esquerda pequeno-burguesa em geral, precisam ser melhor examinadas para entendermos o significado político e o conteúdo de classe do castrismo.

A história cubana foi moldada principalmente pelo caráter precoce de sua luta pela independência, a qual transferiu efetivamente sua condição de posse colonial do moribundo colonialismo espanhol para uma condição de semi-colônia política e econômica do poder imperialista em formação, os Estados Unidos.

Os EUA intervieram em Cuba em 1898 após uma guerra de 30 anos pela independência cubana. A intervenção foi curta e decisiva. Os espanhóis perderam suas colônias no Tratado de Paris, um acordo do qual os próprios cubanos não participaram.

Esse acordo gerou o que ficou conhecido como a República da Emenda Platt. Nomeada por causa do senador que a redigiu, a legislação foi aprovada em Washington e imposta como emenda à primeira constituição cubana. Ela incluía uma proibição a qualquer república cubana independente de fazer parte de qualquer tratado internacional considerado prejudicial aos interesses dos EUA. Também garantia aos EUA o direito de intervir militarmente “para a preservação da independência cubana, a manutenção de um governo adequado à proteção da vida, propriedade e liberdade individual, pelo fim das obrigações que dizem respeito a Cuba no Tratado de Paris.” Os EUA viriam a fazer uso repetidamente desse “direito” durante a primeira parte do século XX.

A dependência de Cuba ao imperialismo Americano não era só formal, corporificada na Emenda Platt. Ela baseava-se nas exportações cubanas de açúcar ao mercado americano. Somente esse plantio era responsável pela grande maioria dos ganhos de exportação, e era transportado quase que exclusivamente para os Estados Unidos. A monocultura açucareira condenou a maioria da população ao atraso, à pobreza e ao desemprego crônico.

As relações sociais e políticas que vieram a prevalecer em Cuba estavam relacionadas ao caráter inacabado de sua luta democrática burguesa pela independência nacional. Enquanto a condição de semi-colônia de Cuba estava entre as mais gritantes do mundo, ela não era, de forma alguma, única.

Como prevenia Quarta Internacional antes da Segunda Guerra Mundial: “Estados nacionais atrasados não podem mais contar com seu desenvolvimento democrático. Cercados pelo capitalismo decadente e capturados pelas contradições do imperialismo, a independência de um país atrasado será inevitavelmente semi-fictícia e o regime político, sob a influência de contradições de classe internas e pressões externas, inevitavelmente cairá em uma ditadura contra a população.”2

Outra declaração, escrita no mesmo ano, salientava que não havia possibilidade de acabar com a opressão capitalista por fora da revolução socialista: “As esperanças de libertação dos povos coloniais estão, portanto, entrelaçadas ainda mais do que antes à emancipação dos trabalhadores de todo o mundo. As colônias serão libertadas política, econômica e culturalmente somente quando os trabalhadores dos países adiantados colocarem um fim ao domínio capitalista e se lançarem, juntamente com os povos dos países atrasados, na reorganização da economia mundial como um todo em um nível superior, adequando-a às necessidades sociais e não aos lucros monopolistas.”3

Como veremos, a história cubana ulterior provou essa tese, ainda que negativamente. Sem uma luta unificada e internacional da classe trabalhadora, a verdadeira libertação econômica, política e cultural provou-se impossível.

A relação entre os EUA e Cuba deu vazão a uma organização política burguesa notável por sua impotência, extrema corrupção e freqüentes ondas de violência. A dominação americana da economia, combinada com a predominância de imigrantes estrangeiros tanto nos negócios como nas classes proprietárias de terra, também fez surgir um nacionalismo cubano caracterizado por um extremo anti-americanismo, até mesmo com um caráter xenofóbico.

Outra perspectiva, no entanto, surgiu de fato em Cuba. Em 1925, o Partido Comunista Cubano foi formado, afiliando-se à Terceira Internacional. Sua figura principal foi Julio Antonio Mella, um estudante de direito que tornou-se o líder de um movimento pela reforma universitária no início dos anos 20 e buscava levar os estudantes à classe trabalhadora.

Mella e seus camaradas dirigiu a luta contra a ditadura de Gerardo Machado, descrito por Mella como um “Mussolini tropical”. Aprisionado pela ditadura, ele foi solto sob pressão popular e então fugiu do país, viajando à União Soviética, Europa e finalmente ao México.

Mella rompeu com o Partido Comunista no México em 1929, declarando seu apoio à luta de Trotsky contra a burocracia stalinista. Logo depois, foi assassinado.

Mella emergiu de um amplo movimento de estudantes e intelectuais cubanos que buscavam mudar o sistema político corrupto e sua dominação pelo imperialismo americano. Mas ele renunciou às concepções nacionalistas dominantes e adotou a perspectiva do internacionalismo socialista.

O stalinismo acabou impedindo que a classe trabalhadora providenciasse sua própria saída aos problemas históricos de Cuba baseada em tal perspectiva. Pode-se dizer, desse modo, que o stalinismo ajudou a preparar a subida de Fidel ao poder muito antes de o Partido Comunista Cubano sequer pensar em juntar forças. Ao suprimir a perspectiva pela qual Mella e a primeira geração de marxistas cubanos haviam lutado, o stalinismo promoveu o crescimento do nacionalismo pequeno-burguês radical.

Na primeira palestra deste curso, David North tratou até certo ponto de como a história consiste não meramente em “o que aconteceu” ou “quem ganhou”, mas, ao invés disso, em quais alternativas existem e quais as conseqüências daquelas que foram tomadas e daquelas que não foram. O que teria acontecido se a Oposição de Esquerda tivesse prevalecido? A mesma pergunta pode ser feita em relação a Cuba, apesar de que em menor escala.

Há limites, é claro, no que podemos dizer seguramente sobre “o que poderia ter sido”. Não se pode afirmar com segurança, por exemplo, que, se tivesse havido um verdadeiro partido comunista em Cuba, uma revolução socialista teria acontecido em tal e tal ano. Podemos dizer com segurança, porém, que, se tivesse havido um verdadeiro partido revolucionário da classe trabalhadora, diferente do aparato político e corrupto do stalinismo cubano, o surgimento de uma tendência específica conhecida como castrismo teria sido impossível.

Às vésperas da degeneração stalinista do Partido Comunista cubano, o país passou por uma profunda crise revolucionária. Uma insurreição nacional irrompeu em 1933, forçando o ditador Machado a fugir do país. O ponto culminante desse movimento foi uma greve geral da classe trabalhadora, que presenciou o fechamento de fábricas, engenhos de açúcar e propriedades.

Enquanto a greve geral crescia em intensidade e em caráter, o Partido Comunista stalinista cubano, que controlava os sindicatos, lançou uma ordem de “volta ao trabalho”, argumentando que a greve ameaçava provocar uma intervenção americana. Enquanto a ampla maioria de trabalhadores ignorou a ordem, o PC ainda assim entrou em negociações secretas com Machado, obtendo concessões ao partido em troca por seu papel de responsabilidade em acabar com a greve.

Este acordo, que somente teve curta duração porque Machado fugiu para o exílio, veio a estabelecer um padrão de atuação seguido pelo PC nos 25 anos seguintes. Os stalinistas mantiveram sua dominação sobre o movimento operário enquanto forjavam uma série de alianças com partidos conservadores e até mesmo regimes militares. Nos anos 40, os stalinistas entraram no governo do homem forte dos EUA, Fulgêncio Batista.


Castro e castrismo

Com o Stalinismo relegado, por conta de sua colaboração com partidos de direita e ditaduras, a retórica do anti-imperialismo e da revolução social foi, aos poucos, sendo monopolizada por elementos nacionalistas da classe média radicalizada, centrada particularmente entre os estudantes da Universidade de Havana. Foi desse ambiente que surgiu Fidel Castro.

Nascido em uma família espanhola dona de terras, o despertar de Castro para a vida política começou como um estudante de um colégio Jesuíta. Lá, ele foi influenciado por padres espanhóis que apoiaram o fascismo de Franco. Ele leu todas as obras de Jose Antonio Primo de Rivera, o fundador da Falange Espanhola4 e era, de acordo com seus colegas de classe, fortemente atraído pela ideologia fascista.

No final da década de 40 e no início da década de 50, Castro foi envolvido em atividades de grupos armados estudantis que dominavam a Universidade, a ideologia desses grupos era, ao mesmo tempo, nacionalista e explicitamente anti-comunista.

Castro começou sua luta contra Batista como membro de um partido burguês, o Partido Ortodoxo. Ele lançou-se a candidato para o poder Legislativo cubano em 1952, mas a reviravolta de Batista naquele ano frustrou suas ambições parlamentares. Ele então começou a organizar um pequeno grupo de seguidores da ação armada. Liderou um ataque ao acampamento do exército de Moncada, em julho de 1953. Todos os 200 participantes foram mortos ou presos.

As ações de Castro não eram únicas. Durante esse período, seguidores de vários partidos e facções da pequena-burguesia realizaram ataques às guarnições militares, tentativas de assassinatos e até mesmo de tomada do palácio de Batista. Suas afirmações políticas durante o período que antecedeu a revolução de 1959, pouco o diferenciava das políticas ordinárias do nacionalismo cubano anti-Batista. Seu mais famoso discurso, “A História Me Absolvirá”, preparado em sua defesa no julgamento do ataque à Moncada, consiste em denúncias da repressão ditatorial e numa lista de reformas democráticas bastante moderadas.

Após uma curta sentença de prisão, Castro foi ao México, de onde, no fim de 1956, organizou um desembarque de aproximadamente 80 homens armados. Assim como Moncada, o desembarque foi uma catástrofe, sobrevivendo apenas uma dúzia após o primeiro encontro com as forças repressivas de Batista. Apesar disso, somente dois anos depois Castro subiu ao poder.

O poder só caiu, literalmente, nas mãos das guerrilhas de Castro porque não existia outra força política crível na ilha.

Esse vazio político tinha a função, acima de tudo, de abafar qualquer direção revolucionária da classe trabalhadora cubana. Apesar de todas as limitações do reformismo de Castro, suas políticas sociais eram de longe mais radicais que aquelas apresentadas pelos stalinistas. Além disso, suas ações armadas, mesmo sendo limitadas como eram, ganharam um apoio popular amplo no momento em que os stalinistas cubanos foram vistos como cúmplices da ditadura de Batista.

A intenção original de Castro era alcançar uma reconciliação com os EUA. Na sua primeira viagem aos Estados Unidos, depois de quatro meses no poder, Castro declarou o seguinte: “Eu proclamei de maneira clara e definitiva que nós não somos comunistas. As portas estão abertas aos investimentos privados que contribuam com o desenvolvimento industrial de Cuba. É absolutamente impossível progredirmos se não alcançarmos um entendimento com os Estados Unidos”.

O movimento de Castro, entretanto, comprometeu-se com uma limitada reforma agrária e limitadas medidas sociais em benefício do povo cubano. Nos seus primeiros meses, decretou uma redistribuição de terras improdutivas, uma redução nos arrendamentos, aumentos de salário e várias medidas de expansão da educação e da saúde.


Washington não receberia nada dele

Os Estados Unidos tentaram disciplinar Castro com uma frágil pressão econômica. Num conflito ascendente com o regime cubano, os EUA cortaram a quota de exportação de seu açúcar, sua principal corda de sustentação, bem como recusou-se a fornecê-lhe petróleo.

O regime cubano respondeu com nacionalizações — primeiramente de propriedades estadunidenses, depois dos donos dos negócios cubanos — e buscando a assistência da burocracia soviética.

A política estrangeira dos EUA era rigidamente ideológica e vingativa. Já a Inglaterra tentou avanços similares, mas numa forma diferente. Líderes africanos como Nkrumah, Kuanda e Kenyatta foram sustentados, apesar de sua retórica radical e até “socialista”. Devido a isso, preservam a influência do imperialismo inglês e seus interesses na região.

Ironicamente, a arrogância e estupidez dos EUA provaram ser os pilares centrais da manutenção do poder de Castro ao longo dos últimos 40anos. Eles permitiram-no posar como a personificação do nacionalismo cubano e acusar qualquer oposição como uma ferramenta do imperialismo Yankee.

Juntamente com a aproximação com Moscou, Castro forjou uma aliança com os stalinistas cubanos. Essa iniciativa foi saudada pelos pablistas, pela pequena-burguesia e pela esquerda em geral, como mais uma indicação da radicalização da revolução e de seu caráter socialista. Na verdade, não era nada disso. Como vimos, os stalinistas, então conhecidos como Partido Socialista Popular (PSP) de Cuba, eram uma força política profundamente reacionária e desacreditada. Eram parte da estrutura política burguesa existente em Cuba, tendo servido fielmente até mesmo ao regime de Batista.

Tendo encontrado de repente a si mesmo lançado no poder, Castro voltou-se ao PSP. Ele não tinha um partido, um programa, ou mesmo um exército real. Os stalinistas cubanos o abasteceram com um aparato e uma ideologia que permitiu que pudesse governar.

Castro reinterpretaria, mais tarde, seu próprio passado político, declarando que havia tornado-se um “Marxista-Leninista” muito antes do golpe de Batista, embora “não muito” um comunista. Todas as aventuras políticas — dos seus dias em grupos armados anti-comunistas, na universidade, até sua campanha como candidato ao Congresso por um partido burguês — foram reformuladas como meras táticas iniciais destinadas a preparar as condições para uma revolução socialista.

O que Castro, assim como outros nacionalistas burgueses de esquerda, encontrou no “Marxismo-Leninismo”? Claramente, ele não estava buscando uma perspectiva científica para guiar a luta da classe trabalhadora para sua própria emancipação social e política. Ao mesmo tempo, isso era mais do que um mero pretexto para conseguir o apoio de Moscou.

Eles conheciam o Marxismo-Leninismo que aprenderam dos stalinistas como uma política que promoveria o uso do Estado para efetuar mudanças desejadas na ordem social. Eles encontraram nele uma justificativa para seu próprio controle irrestrito do Estado, governando por um onipotente “partido revolucionário” e dirigido por um infalível e insubstituível líder nacional. Deveríamos recordar que Chiang kai shek também modelou seu partido, o Kuomintang, com o que aprendeu do stalinismo.


O mito do guerrilheirismo

Como praticamente todos os regimes nacionalistas e tendências que surgiram no período pós-guerra, o Castrismo repousa em um plano de ilusões em relação à sua própria origem e desenvolvimento. Tal mitificação é necessária, dando o caráter de classe desses movimentos, apoiando, como eles fazem, a pequena-burguesia e a burguesia nacional, enquanto declaram representar os interessas das massas oprimidas.

Após tomar o poder, Castro e seus seguidores retrataram sua vitória como o resultado exclusivo de uma luta armada travada pelos guerrilheiros nas montanhas de Sierra Maestra: uma vitória militar sobre o imperialismo e a burguesia nacional, realizada por uma pequena força através de pura vontade e determinação. Como escreveu Che Guevara apenas um mês após a derrubada da ditadura de Batista:

“Nós demonstramos que um grupo pequeno de homens que determinados, apoiados pelo povo e sem medo de morrer, pode superar um exército normal... Trouxemos outra lição para nossos irmãos na América [Latina], economicamente na mesma situação agrária que nós, onde se deve fazer revoluções agrárias, lutar nos campos, nas montanhas, e daqui levar a revolução para as cidades, e não tentar fazê-la mais tarde...”

Essa concepção, que se tornou a explicação oficial da revolução cubana, representou uma distorção radical dos fatos. Durante os seis anos de poder de Batista, cerca de 20.000 cubanos perderam suas vidas nas mãos do regime. Desses, 19.000 foram mortos em cidades de Cuba. Atos de sabotagem, ataques políticos e outras formas de resistência, a maioria deles fora do controle do Movimento 26 de Julho de Castro, foram generalizados e, em última instância, foram o principal impulso para a queda do regime.

A guerrilha de Castro atingiu, no máximo, alguns milhares de homens. Não houve batalhas militares conclusivas e o maior compromisso envolveu não mais que 200 guerrilheiros. Batista perdeu tanto o apoio da burguesia cubana — uma parte significante dela apoiou Castro — quanto de Washington, que impôs a proibição de armas ao seu regime. Desprovidos desse apoio, eles rapidamente se desintegraram.

Dentro de Cuba, esse mito dos guerrilheiros de Castro que derrotaram tanto o imperialismo dos Estados Unidos quanto as classes dominantes nacionais através da pura audácia e valentia militar, satisfez um propósito político muito definido. Justificou a consolidação de um regime que instalou incontestavelmente toda a soberania do poder estatal nas próprias mãos de Castro.

O mito desenvolvido por Castro e Guevara seria exportado com resultados catastróficos. A assim chamada “Via Cubana” foi promovida por toda América Latina, como a única forma viável de luta revolucionária. Milhares de jovens latino-americanos foram massacrados e mortos pela promessa de que tudo o que precisavam para derrubar governos e findar a opressão social era coragem e poucas armas.

O livro mais famoso de Guevara, “Guerra de Guerrilhas”, serviu como um manual para essa estratégia nefasta. O seguinte resume o que descreveu como as três grandes lições da experiência cubana para a “mecânica dos movimentos revolucionários na América”:

Forças populares podem vencer uma guerra contra o exército.

Não é necessário que todas as condições estejam dadas para fazer uma revolução; o foco de insurreição [termo para a unidade de guerrilha] pode criá-las.

Nas Américas subdesenvolvidas a área da luta armada é primordialmente o campo.

As medíocres análises que continham esses escritos eram radicalmente falsas. O caminho de desenvolvimento da América Latina era capitalista há muitos anos. A base da exploração na América Latina não era, como Guevara afirmava, latifundiária — concentração de terra na mãos de uma pequena minoria — mas sim, essencialmente, de relações capitalistas de trabalho assalariado e lucro. Mesmo com esses trabalhos sendo escritos, o continente passava por importantes mudanças estruturais que proletarizavam ainda mais a população e levavam à migração maciça das zonas rurais para as cidades.

Nada disso foi analisado. A preparação revolucionária foi reduzida ao processo impressionista de escolher a arena rural como apropriada para a guerra de guerrilha. Aqueles que seguiram esse conselho terminaram em armadilhas nas florestas e sertões, onde foram condenados à morte em combate direto com os exércitos latino-americanos.

O que a todo o momento sobrevém na política de Guevara é a rejeição da classe trabalhadora enquanto a classe revolucionária e seu desprezo pela habilidade dos trabalhadores e das massas oprimidas a tornarem-se conscientes politicamente e cumprir sua própria luta pela emancipação.

Ao mesmo tempo em que ele propõe o interior do país como o único lugar possível para uma luta armada, esta não é a maneira de mobilizar os camponeses pelas suas demandas sociais. Ao contrário, a concepção de Che se baseava na utilização da violência, buscando “obrigar a ditadura a recorrer à violência para desmascarar, assim, sua verdadeira natureza como ditadura das classes sociais reacionárias”. Em outras palavras, o alvo do grupo de guerrilha era provocar repressão do governo contra os camponeses, que assim supostamente responderiam apoiando a luta das guerrilhas contra o governo.

Para tal luta, nem teoria ou política são exigidas, menos ainda uma intervenção ativa nas lutas da classe trabalhadora ou das massas oprimidas. Guevara começou a construir grupos de guerrilha na América latina, ele insistia que eles excluíam todas as discussões e controvérsias políticas. A unidade era pra ser baseada exclusivamente no acordo sobre a tática da “luta armada”.


O fiasco do guevarismo

Os resultados foram presumivelmente desastrosos. Foi em sua nativa Argentina que Che formou um dos primeiros grupos de guerrilha, sob direção do jornalista Jorge Masetti. Em sua biografia de Che, Anderson fornece uma fria exposição desse fiasco. Os guerrilheiros nunca viram combate. Alguns perderam-se e outros morreram de fome na floresta. Outros caíram nas mãos da polícia. Antes da dizimação do grupo, entretanto, Masetti mandou executar três de seus membros alegando infrações disciplinares. O autor cita que um dos sobreviventes desse desastre notou que os três homens condenados eram judeus. Descobriu-se que Masetti, antes de seu alinhamento com o castrismo, foi membro de uma organização de extrema direta na Argentina, que era nacionalista e anti-semita.

O próprio grupo de Che na Bolívia teve um fim parecido. O que é mais notável sobre suas atividades ali foi a completa indiferença diante da situação política e social do país. Os mineiros de estanho, a força mais poderosa da revolução boliviana de 1951, estavam engajados em greves e confrontos contra o exército meses antes da chegada de Che no país. Em seu diário, ele simplesmente registrou esses fatos como parte do pano de fundo para sua própria atividade. Ele não tinha nenhuma perspectiva ou política para apresentar aos trabalhadores bolivianos. Quanto à classe camponesa boliviana, sua reação diante do inicio da luta armada não foi a de apoiar os guerrilheiros, mas, muito mais, de entregá-los aos militares.

Na Bolívia, os castristas contaram com o apoio do Partido Comunista pró-Moscou. Esse apoio nunca foi próximo e muitos culparam aos stalinistas e à burocracia de Moscou por condenarem as guerrilhas ao isolamento total e, possivelmente, até por fornecerem à inteligência dos EUA informação sobre onde se encontrava Che.

O que é plausível. O secretário-geral do PC boliviano à época, Monje, foi, ao que parece, um agente da KGB que mudou-se para uma residência fixa em Moscou pouco depois da morte de Guevara. Outra coisa que ficou clara com da biografia de Castaneda foi o extraordinário controle de todos principais Partidos Comunistas da América Latina por tais figuras, em muitos casos homens que tiveram papel direto no assassinato de Trotsky em 1940. Ele também esclareceu, através de documentos secretos oficiais dos arquivos soviéticos, como esses partidos eram financiados diretamente por Moscou. A burocracia soviética financiava verdadeiras agências políticas que tinham como propósito promover sua própria perseguição para a coexistência pacífica com Washington.

Mas, ao final nos deparamos com o fato de que tamanha traição não era tão necessária. A idéia que uma revolução seria feita por menos de duas dúzias de homens armados numa região onde eles não tinham antecedentes políticos, sem apoio ou ao menos um programa desenvolvido com perspectiva para ganhar tal apoio, foi condenada desde o início. É perceptível o caráter patético dessa aventura pelo fato de Guevara, em seus dias finais, quando cercado pelo exército boliviano, planejar recorrer a apoio internacional... Escrevendo cartas para Bertrand Russel e Jean Paul Sartre.


Cuba e a Quarta Internacional

A revolução cubana mostrou ser um ponto crucial na história da Quarta Internacional.

O Partido Socialista dos Trabalhadores (Socialist Workers Party, SWP), então seção americana, após dirigir a luta contra o pablismo em 1953, reunificou-se com esta tendência uma década depois, época em que ela era dirigida por Ernest Mandel. A reunificação foi baseada principalmente numa avaliação comum sobre o castrismo e o papel do nacionalismo pequeno-burguês. Eles determinaram, baseados na nacionalização de grande parte das forças produtivas de Cuba, que esta havia se tornado um Estado Operário. Além disso, eles trabalharam com a perspectiva de que o castrismo tornar-se-ia uma tendência internacional, criando uma nova direção revolucionária mundial da classe trabalhadora.

Essa perspectiva tinha implicações que iam muito além de Cuba. Como Trotsky havia salientado em relação ao debate sobre a definição do Estado soviético, em 1939-1940, por detrás de cada definição sociológica reside uma prognóstico histórico. Aceitar a designação de Cuba como Estado Operário era uma ruptura com toda concepção histórica e teórica da revolução socialista desenvolvida desde Marx.

Em Cuba, o poder caiu nas mãos do exército de guerrilheiros, que tinha nitidamente um caráter nacionalista pequeno-burguês, sem qualquer linha séria para os trabalhadores. Os próprios trabalhadores não desempenharam um papel significante na formação do novo regime, nem estabeleceram qualquer meio de exercer o controle democrático do Estado quando ele fora formado.

Designar tal regime como um “Estado Operário” trazia grandes conseqüências. Significou o abandono de toda a luta travada pelo movimento marxista para a independência política e organizativa da classe trabalhadora. Indicou, em sentido contrário, que o caminho para o socialismo seria através da subordinação da classe trabalhadora a direções nacionalistas. Seriam os castristas, os exércitos de guerrilheiros e outros nacionalistas enraizados na pequena-burguesia os que dirigiriam a revolução socialista, não a classe trabalhadora instruída e organizada por partidos da Quarta Internacional. Esse foi o prognóstico histórico central que se desdobrou das definições sociológicas, feitas pelos pablistas, de um Estado Operário em Cuba.

A perspectiva elaborada por Joseph Hansen do SWP em relação a Cuba foi feita sobre uma rude vulgarização do marxismo. Ele tomou como seu ponto de partida uma decisão anterior do movimento trotskista, de usar a definição altamente condicional e bastante temporária de “Estado Operário deformado” para a China e os estados-tampão do leste europeu.

Nessas discussões anteriores, o SWP — ainda não degenerado pelo pablismo — enfatizou o adjetivo “deformado”, para indicar que esses Estados eram historicamente inviáveis. Eles opuseram-se a tentativa de Pablo de usar essa definição como um meio de atribuir ao stalinismo um potencial revolucionário.

Hansen, no entanto, de forma ainda mais simplista que Pablo, começa a demonstrar como Cuba reuniu uma série de critérios abstratos — acima de tudo a nacionalização econômica — que supostamente a colocou na categoria de Estado Operário.

A classe trabalhadora não participou da revolução e não exerceu nenhum controle sobre o aparato do Estado depois dela. Mas esses fatos foram tomados meramente como um critério normativo menor que a revolução cubana ainda não havia desenvolvido, demonstrando que o progresso ainda estava por ser feito e que a defesa incondicional de Cuba, portanto, era ainda mais necessária.

Como escreveu Hansen no momento: “O governo de Cuba ainda não instituiu formas proletárias democráticas de poder como conselhos de trabalhadores, soldados e camponeses. Entretanto, por ter se movido numa direção socialista, provou possuir uma tendência democrática. Não hesita em armar o povo e preparar uma milícia popular. Tem liberdade de expressão garantida a todos os grupos que apóiam a revolução. A este respeito, se mantém em um contraste positivo diante dos outros estados não-capitalistas, que têm sido contaminados pelo Stalinismo.”

“Se fosse permitido à revolução cubana desenvolver-se livremente, sua tendência democrática sem dúvida a dirigiria rapidamente à criação de formas democráticas proletárias adaptadas às próprias necessidades de Cuba. Uma das mais fortes razões para apoiar vigorosamente a revolução, portanto, é a de dar a máxima possibilidade para que essa tendência se desenvolva.”

A realidade cubana, no entanto, era totalmente diferente do cenário rosa pintado por Hansen. Os trotskistas cubanos, por exemplo, foram brutalmente reprimidos, seus líderes presos e sua imprensa destruída. A ilha tem mantido, há muito tempo, um dos mais altos números de prisioneiros políticos de qualquer país no mundo, não poucos deles antigos camaradas de Castro no Movimento 26 de Julho.

De um ponto de vista teórico, o aspecto mais falso da avaliação de Hansen era sua sugestão que, se fosse dada a oportunidade, o regime de Castro “instituiria formas de poder democráticas e proletárias”, isto é: conselhos operários ou, usando o termo forjado na Revolução Russa, sovietes.

Tais órgãos de poder operário, entretanto, não são instituídos ou concedidos por um regime criado por pequeno-burgueses nacionalistas. Tais instituições criadas por Castro, Gaddafi ou Saddam Hussein, são nada mais que uma abertura ao regime bonapartista. Conselhos operários genuínos ou sovietes só podem ser criados pelos próprios trabalhadores, como um meio de organizar as massas, derrubando o capitalismo e estabelecendo um novo poder proletário de Estado.

Lenin e os bolcheviques não acabaram com os sovietes dos trabalhadores depois de tomar o poder. Particularmente, eles dirigiram a luta pelo poder através desses órgãos que o proletariado russo criou por si só, baseado no desenvolvimento de sua própria luta de classe e do avanço da consciência política de classe produzida pela longa intervenção dos marxistas russos.

Os pablistas adotaram a posição de que as nacionalizações de Castro e sua auto-proclamação como um marxista-leninista constituíram a confirmação da teoria da Revolução Permanente.

Realmente, Cuba, assim como muito outros países oprimidos no curso das décadas seguidas da Segunda Guerra Mundial, prouveram uma confirmação da Revolução Permanente, mas de forma negativa. Ou seja: onde não existia um partido revolucionário para a classe trabalhadora — portanto, as massas de oprimidos não possuíam uma direção —, representantes da burguesia nacional e da pequena-burguesia nacionalista intrometeram-se e impuseram sua própria solução. Nasser, Nehru, Perón, Ben Bella, Skharno, os Baathistas e, posteriormente, os fundamentalistas islâmicos no Irã e os sandinistas na Nicarágua, eram todos exemplos desse mesmo processo. Na prática, em todos esses casos foram realizadas nacionalizações.

Num documento enviado pela Liga Socialista dos Trabalhadores (Socialist Labour League, SLL) para o SWP em 1961, os trotskistas ingleses criticaram severamente a adulação de Hansen às lideranças pequeno-burguesas nacionalistas.

“Não é o trabalho dos trotskistas auxiliar a função de tais líderes nacionalistas” eles afirmaram. “Eles somente comandam o apoio das massas por causa da traição da direção social-democrata e, particularmente, da stalinista. Dessa forma eles tornam-se um amortecedor entre o imperialismo e as massas de operários e camponeses. A possibilidade de auxílio econômico da União Soviética os permite, muitas vezes, barganhar mais com os imperialistas, até mesmo possibilita que elementos mais radicais da liderança da burguesia e da pequena-burguesia ataquem propriedades imperialistas, conquistando apoio das massas. Mas, para nós, em todos os casos, a questão fundamental é a classe trabalhadora nesses países ganharem independência política através de um partido marxista, dirigindo os camponeses pobres para a construção dos sovietes e reconhecendo as ligações necessárias com a revolução socialista internacional. Em nenhum caso, em nossa opinião, os trotskistas deveriam ter esperança de que aquela direção nacionalista tornar-se-ia socialista.”

Aqueles familiarizados mais tarde com a degeneração do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (Workers Revolutionary Party, WRP) sabem que essa passagem depõe diretamente contra a linha que Healy, Banda e Slaughter começariam a seguir, apenas uma década mais tarde, em relação à OLP (Organização para Libertação da Palestina) e vários regimes árabes. Isso demonstra apenas a sutileza da análise e o fato de que o ataque revisionista à Quarta Internacional estava fundamentado em forças objetivas de classe. Tendo abandonado a luta contra o pablismo, a direção da seção inglesa estava prestes a ser vítima das mesmas forças de classe que fatalmente minaram o SWP.

O desdobramento da definição de Cuba como um Estado Operário e sua revolução como uma nova estrada para o socialismo, foi a renúncia de toda a perspectiva da Revolução Permanente. A classe trabalhadora já não teria mais que desempenhar a função de direção nos países atrasados e nem lutar pelo desenvolvimento de sua consciência socialista. Pelo contrário, grupos de guerrilha, apoiando-se em camponeses, trariam o socialismo sem os trabalhadores e, até mesmo, apesar dos trabalhadores.

Isso marcou a rejeição da mais essencial fundamentação do marxismo. A luta pelo socialismo era separada do proletariado. A emancipação da classe trabalhadora já não seria mais obra da própria classe trabalhadora. Ao contrário, esta classe tornou-se muda espectadora das ações de heróicos guerrilheiros.

Analisando deste ponto de vista, é possível compreender claramente a base de classe desta longa obsessão de toda a esquerda pequeno-burguesa por Fidel Castro. O que eles vêem em Castro é a habilidade da pequena-burguesia dominar a classe trabalhadora e executar uma função aparentemente independente. Cuba, para eles, serviu como prova de que a esquerda intelectual, os estudantes ou a classe média radicalizados não têm de subordinar-se à classe trabalhadora e à longa e dura luta pelo desenvolvimento da consciência socialista entre os trabalhadores. Preferencialmente, eles revolucionariam a sociedade pela sua própria atividade espontânea.

Combatendo esse ataque revisionista ao marxismo, a SLL levou a discussão a respeito de Cuba às questões metodológicas mais fundamentais. Isso demonstrou que o SWP estava engajado naquilo que Trotsky chamou de “culto ao fato consumado”, adaptando-se, assim, à realidade determinada pela estrutura social existente e às formas burguesas de consciência que prevalecem amplamente entre as massas de trabalhadores e oprimidos. Esses fatores foram tomados como objetivos e determinantes, completamente separados da consciência de luta pelo partido revolucionário do proletariado.

O método do SWP era uma contemplação passiva desses “fatos” e uma adaptação às direções existentes, em busca daquilo que aparentava oferecer a perspectiva mais imediata de sucesso político. Dessa forma, eles tornaram-se apologistas dessas direções, justificando todas suas ações com o argumento: “O que mais eles poderiam ter feito sob as circunstâncias dadas?” Essas “circunstâncias”, entretanto, sempre excluíram a luta consciente dos trotskistas para mobilizar independentemente a classe trabalhadora, baseados em seu próprio programa socialista internacionalista.

A SLL defendeu as conquistas teóricas feitas pelo movimento trotskista na luta contra o Stalinismo. Insistiu que as experiências estratégicas da época imperialista como um todo demonstravam que as lideranças alheias à classe trabalhadora não eram capazes de levar adiante, completamente, a luta pela libertação da opressão imperialista e do atraso nos países coloniais e semi-coloniais.

Essas lutas poderiam ser completadas somente com a conquista do poder pela classe trabalhadora e a extensão da revolução socialista mundial. A principal tarefa que sobrevém desta análise é a construção de partidos revolucionários da classe trabalhadora, baseados na luta contra todas as tendências oportunistas, particularmente a stalinista, que tentou subordinar a classe trabalhadora ao nacionalismo e às direções nacionalistas.

Acima de tudo, o pablismo negou que a realização da revolução socialista requeria o desenvolvimento de um alto nível de consciência política socialista nas seções dirigentes da classe trabalhadora. A consciência política dos trabalhadores era, no plano pablista das coisas, um assunto indiferente. Quando a classe trabalhadora era vista relacionada com a revolução socialista, era meramente como uma força objetiva liderada e manipulada por outros.

A resolução redigida pelos pablistas após a reunificação com o SWP esclareceu as implicações políticas das revisões teóricas desenvolvidas com a questão cubana. Lá é afirmado o seguinte: “A fraqueza do inimigo permitiu a ascensão ao poder mesmo com instrumentos embotados” . Em outras palavras, Estados Operários poderiam ser estabelecidos mesmo sem a construção de partidos da classe trabalhadora.

Nesses países, declararam eles, e particularmente na América Latina, as condições de pobreza abundante e a relativa fraqueza das estruturas do Estado burguês “criaram situações nas quais a falta de uma onda revolucionária não dirige automaticamente a uma relativa ou mesmo temporária estabilização social ou econômica. Uma sucessiva luta de massas aparentemente inesgotável continua... A fraqueza do inimigo oferece à revolução muitos meios de recuperação das derrotas temporárias ocorridas nos países imperialistas.”

Essa foi uma distorção grosseira da teoria da Revolução Permanente de Trotsky. Quando Trotsky apontou a fraqueza da burguesia na Rússia czarista, não o fez tomando uma espécie de vazio atemporal, mas particularmente em relação à dominação do imperialismo por um lado e a força objetiva, por outro, dos poucos, mas concentrados, operários russos. A burguesia nunca foi tão fraca fraca diante da democracia pequeno-burguesa. Era fraca ao confrontar um jovem proletariado guiado por uma direção revolucionária.

Os pablistas, entretanto, rejeitaram o papel do proletariado industrial e delegaram a tarefa da revolução somente às forças pequeno-burguesas.

Suas teorias de “instrumentos embotados” e “lutas de massas inesgotáveis” foram elaboradas às vésperas do primeiro golpe — liderado pelo General Castelo Branco, no Brasil — em uma série apoiada pelos EUA, que mergulharia a América Latina numa década de apavorante repressão, cuja sombra ainda paira sobre o continente.

Os pablistas não só falharam na preparação da classe trabalhadora a esses acontecimentos, eles ajudaram a facilitá-los ao insistir que a revolução poderia ser dirigida por outras forças que não a da classe trabalhadora e ao apoiar a perspectiva castrista de ações armadas por grupos de guerrilheiros isolados.


O pablismo e a crise da direção

Por que o castrismo se tornou tamanho pólo de atração na América Latina? Enquanto as condições sobre a guerra de guerrilha apresentadas por Guevara no continente talvez já tenham se provado falsas, havia uma coisa que os países latino-americanos compartilhavam. As lideranças dominantes dentro da classe trabalhadora, particularmente os partidos comunistas stalinistas, não ofereciam qualquer saída sob condições de crescente crise revolucionária.

A “nova realidade” que os pablistas celebravam, a do ascenso de uma tendência radical nacionalista liderada pela pequena-burguesia, como o castrismo, era essencialmente a manifestação da crise não solucionada da direção revolucionária dentro da própria classe trabalhadora. Ainda assim, eles a apresentavam como a solução para essa crise, negando o objetivo estratégico da Quarta Internacional. Abandonando uma orientação independente para a classe trabalhadora e a luta para construir um partido que pudesse esmagar a dominação da burocracia, eles reduziram a Quarta Internacional ao papel de auxiliar os nacionalistas pequeno-burgueses e stalinistas, engenhosamente os influenciando e empurrando para a esquerda.

Como essa perspectiva se realizou na prática? Em 1968, os pablistas organizaram seu Nono Congresso, imediatamente após o fiasco de Guevara na Bolívia e às vésperas de grandes embates de classe na América Latina. Eles instruíram, então, os partidos latino-americanos filiados ao Secretariado Unificado a abandonarem a classe trabalhadora e se engajarem na guerra de guerrilha.

Como afirmava o documento do congresso: “Mesmo no caso de países onde podem ocorrer primeiramente grandes mobilizações a partir de conflitos perpetrados pelas classes urbanas, a guerra civil tomará formas variadas, nas quais o principal eixo por todo um período será a guerrilha rural, um termo cujo principal significado é militar-geográfico e que não implica numa composição exclusivamente (ou mesmo predominantemente) camponesa.”

A resolução continua: “A única perspectiva realista para a América Latina é aquela da luta armada, que pode durar muitos anos. A preparação técnica não pode ser concebida como mero aspecto do trabalho, mas como o aspecto fundamental em escala internacional e um dos aspectos fundamentais naqueles países onde mesmo as condições mínimas ainda não existam.”

Não seriam possíveis instruções mais explícitas. Caso qualquer um nas seções latino-americanas nutrisse dúvidas sobre a existência de apoio suficiente entre o campesinato, ou de condições políticas necessárias para ensaiar um levante no campo, a resolução assegurava que não era necessário qualquer apoio camponês e que a situação política era outro assunto. Tudo o que se fazia necessário eram “preparações técnicas” para a luta armada.

O resultado foi a liquidação política e a aniquilação física dos líderes guerrilheiros dirigidos pelos pablistas na América Latina.

Na Argentina, por exemplo, a seção oficial do Secretariado Unificado se reconstituiu como o ERP antes de romper formalmente com os pablistas. Engajou-se no seqüestro de executivos por dinheiro de resgate, simplesmente adicionando a isso reivindicações por maiores salários e melhores condições para os trabalhadores.

Qual foi o efeito de tais ações? Essencialmente, os trabalhadores foram ensinados que não era seu papel levar adiante a luta para pôr fim ao capitalismo. Eles deveriam meramente servir como gratos espectadores, enquanto heróicas guerrilhas armadas faziam o trabalho por eles.

No Chile, os trabalhadores conduziram uma forte ofensiva, ulteriormente estrangulada pelo governo da Unidade Popular de Allende, cujas políticas pavimentaram o caminho para a ditadura de Pinochet. Na Argentina, o “Cordobazo”, de 1969, durante o qual os trabalhadores de Córdoba tomaram o controle da cidade, inaugurou uma ofensiva prolongada que foi suprimida pelos peronistas e aniquilada, em seguida, pela ditadura de Videla. Na Bolívia, os mineiros se levantaram repetidamente apenas para serem subordinados por suas lideranças a uma suposta seção esquerdista e nacionalista dos militares, controlada pelo General Torres. Previsivelmente, Torres logo entregou o poder aos seus colegas mais tradicionais, que conduziram uma impiedosa repressão aos trabalhadores bolivianos.

Os pablistas, com sua virada em direção ao castrismo, abandonaram tanto a classe trabalhadora quanto a luta para libertá-la da dominação das velhas burocracias. Da mesma forma como Castro havia supostamente confirmado a teoria da Revolução Permanente, agora ele também havia tornado tal luta algo supérfluo.

O SWP de Hansen afirmou essa tese com seu habitual cinismo e aspereza, proclamando que Castro havia superado o papel contra-revolucionário do stalinismo.

“Incapaz de alvejar o obstáculo stalinista, a revolução regrediu uma distância considerável e tomou um desvio. O desvio nos levou a alguns terrenos muito difíceis, incluindo a Sierra Maestra de Cuba, mas está claro, agora, que o bloqueio stalinista está sendo contornado.

“Não é necessário pedir liderança a Moscou. Essa é a principal lição a ser retirada da experiência cubana... Para finalmente quebrar a hipnose do stalinismo, se tornou necessário percorrer de quatro as selvas de Sierra Maestra.”

Tal conclusão tinha implicações políticas definidas que se estendiam para muito além de Cuba. Se alguém podia simplesmente “contornar o bloqueio stalinista” pelos meios da guerra de guerrilha liderada por nacionalistas pequeno-burgueses, a difícil e prolongada luta conduzida pela Quarta Internacional para quebrar o estado de choque que o stalinismo mantinha sobre a classe trabalhadora não era apenas supérflua, mas também contra-produtiva.

O resultado final dessa perspectiva não foi quebrar, mas sim fortalecer o controle do stalinismo sobre o movimento dos trabalhadores nos países oprimidos e particularmente na América Latina. Ela ajudou a desviar toda uma geração de jovens latino-americanos do foco da luta com a classe trabalhadora. A virada em direção ao guerrilheirismo representou um favor aos stalinistas e outras direções burocráticas. Isolou os elementos mais revolucionários entre a juventude, assim como uma parte dos trabalhadores radicalizados, fortalecendo, assim, o próprio controle da burocracia sobre o movimento dos trabalhadores.

Em última instância, a adaptação dos pablistas ao nacionalismo pequeno-burguês ajudou a assegurar que a classe trabalhadora não tivesse qualquer liderança revolucionária ao passo em que entrava em seus principais conflitos de classe no final da década de 1960 e início da de 1970. As aventuras guerrilheiras que promoveram deram aos militares e ao imperialismo o pretexto para impor a ditadura. Dessa maneira, a tendência revisionista atuou com um papel crucial, preparando as mais sangrentas derrotas já sofridas pelos trabalhadores da América Latina.


Balanço do guerrilheirismo

Qual foi o destino dos movimentos guevaristas-castristas que os pablistas proclamaram como os novos instrumentos da revolução socialista? Traçar uma evolução concreta é expor o caráter de classe desses movimentos desde suas origens.

O FALN da Venezuela foi um dos principais movimentos guerrilheiros da década de 1960, formado com suporte cubano. Citemos uma declaração dada por um dos líderes desse movimento durante o período.

“Quando falamos da libertação da Venezuela queremos dizer da libertação de toda a América Latina; não reconhecemos fronteiras na América Latina. Nossas fronteiras são fronteiras ideológicas. Nós interpretamos a solidariedade internacional de uma maneira verdadeiramente revolucionária e estamos, portanto, comprometidos em lutar, lutar contra o imperialismo até que ele não mais exista; estamos comprometidos em não baixar nossas armas até que o imperialismo norte-americano em particular seja reduzido à impotência.”

O autor dessas linhas é Teodoro Petkoff. Ele, desde então, não apenas baixou suas armas, como se tornou Ministro do Planejamento da Venezuela e principal quadro responsável pela implementação dos programas de austeridade do FMI. Da proclamação de solidariedade internacional e da luta até a morte contra o imperialismo Yankee, Petkoff se engajou no corte de salários e privatização de empresas estatais, almejando a competição com outras economias capitalistas da região por investimentos transnacionais. Espera-se que ele surja como o candidato líder na eleição presidencial venezuelana deste ano [1998].

O seu caso é representativo. No Uruguai, a guerrilha Tupamaro é hoje parte da Frente Ampla, uma frente eleitoral burguesa que administra as condições sociais em desintegração na capital Montevidéu. O movimento M-19 conseguiu um trato com o governo colombiano, que não só assegurou aos seus líderes cargos no parlamento, mas permitiu que seus membros trocassem suas armas por pequenos empréstimos empresariais.

No começo da década de 1980, o regime de Castro e seus apoiadores afirmava que a América Central, com a tomada de poder pelos sandinistas nicaragüenses e a erupção da guerra civil em El Salvador, oferecia uma nova comprovação de sua perspectiva.

Que se tornaram todos esses movimentos? Os sandinistas, o FMLN em El Salvador, o URNG na Guatemala, todos fizeram pactos com as forças responsáveis pelo assassinato de centenas de milhares de trabalhadores e camponeses. Castro intermediou as negociações dos pactos de Contadora e Esquipulas, que consolidaram o poder nas mãos de facções da burguesia apoiadas pelos EUA, ao mesmo tempo fazendo dos líderes dos assim chamados movimentos de liberação deputados parlamentares, oficiais militares e policiais dos novos regimes. Todos esses grupos se dividiram em diversas facções, denunciando uns aos outros, com grande justificação, por traição política e corrupção financeira.

Enquanto isso, as massas da região se encontram em condições de pobreza e opressão que são tão ruins quanto ou ainda piores que aquelas que deram sustentação aos levantes revolucionários na região há 20 anos atrás. O efeito resultante dos movimentos nacionalistas pequeno-burgueses influenciados pelo castrismo foi o de semear a desmoralização na camada mais militante dos trabalhadores, da juventude e dos camponeses.


Cuba hoje

E Cuba? Qual foi o resultado final do novo caminho para o socialismo que o regime de Castro e os revisionistas pablistas tanto proclamaram há 35 anos?

Por 30 anos a ilha sobreviveu graças a grandes subsídios da burocracia de Moscou. Como dizem tanto os apoiadores de Castro quanto as estimativas dos EUA, os subsídios econômicos vindos da União Soviética constituíram um montante de algo entre 3 e 5 bilhões de dólares anuais. O mecanismo dessa ajuda foi a compra, pelo bloco soviético, de produtos agrícolas cubanos, particularmente açúcar, por preços superiores - em até 12 vezes - aos do mercado, assim como a venda de petróleo por preços inferiores. Com base nesse arranjo, Cuba chegou ao ponto de comprar açúcar da vizinha República Dominicana, e revender o petróleo no mercado mundial para obter moeda forte.

A dependência dos subsídios soviéticos teve o efeito de solidificar a monocultura de açúcar em Cuba, a base histórica de seu atraso e opressão. Da mesma forma como antes da revolução de 1959, as exportações de Cuba - uma parcela de 83 por cento delas destinada à URSS e Europa Oriental - consistiam em açúcar, tabaco, níquel, peixe e outras poucas commodities agrícolas. Do bloco soviético, Cuba importava bens de consumo manufaturados e maquinaria, sem mencionar uma grande parte dos seus alimentos.

Nenhum ajuste ou mudança abrupta na política econômica ditada pelo infalível “líder máximo” Fidel Castro mudou essa relação essencial. No final, as reformas substanciais conquistadas pelo povo cubano nas áreas da saúde, educação e nutrição foram sustentadas através desses subsídios. Agora que o regime se volta ao investimento estrangeiro direto, as reformas estão sendo sistematicamente retalhadas.

Castro entrou numa barganha faustica com a burocracia soviética, na qual ele funcionou como o peão das relações EUA-URSS em troca de subsídios soviéticos. Inevitavelmente, o diabo veio receber a parte que lhe cabia.

A dissolução da URSS anunciou uma catástrofe econômica para Cuba. A resposta do regime de Castro foi promover maiores investimentos estrangeiros e permitir o ascenso de uma crescente estratificação social dentro da própria Cuba.

O Ministro do Exterior, Roberto Robaina, explicou a política econômica de Cuba recentemente numa entrevista com o jornal estatal Granma: “Em Cuba o que se dá é uma abertura econômica com garantias totais a investidores estrangeiros... a abertura é estratégica e está se alargando e aprofundando a cada dia...

“Mitsubishi Motors, Castrol, Unilever, Sherrit Gordon, Grupo Sol, Total, Melia Hotels, Domos, ING Bank, Rolex, DHL, Lloyds, Canon, Bayer, todos esses são nomes de sucesso no universo dos negócios e estão em Cuba. Algumas dessas firmas têm o maior capital do mundo e elas colocaram sua confiança em nós.

“Facilidade de investir capital, segurança e respeito, garantias de repatriação de lucro, disponibilidade de pessoal com um alto nível de excelência, acomodação, desejo de ir em frente, seriedade nas negociações e lealdade de seus parceiros cubanos, esses são alguns dos elementos mais apreciados por aqueles que escolheram se juntar a Cuba...”

Apesar dele não dizer no Granma, o ponto é indubtavelmente direcionado a estes investidores, que obtêm a mais barata mão-de-obra do hemisfério e têm a garantia de um ambiente livre de greves, graças ao estado policial com treinamento stalinista.

O regime de Castro habitualmente afirma que o investimento capitalista estrangeiro foi procurado pelo propósito de salvar as “conquistas sociais” da Revolução Cubana. A realidade é que o regime de Castro, assim como regimes burgueses em todo o antigo mundo colonial, está engajado em vender mão-de-obra barata às multinacionais.

No caso de Cuba, isso é feito de forma extremamente direta e centralizada. A força de trabalho cubana é alocada para as corporações estrangeiras em troca de moeda forte paga ao governo cubano. O governo contrata os trabalhadores necessários que recebem uma fração desse montante na forma de pesos, a moeda local. As companhias estrangeiras têm total controle no que concerne à demissão de trabalhadores.

O crescimento da desigualdade social é alimentado pela florescente economia do dólar. A maior fonte de reservas estrangeiras hoje é o dinheiro enviado por exilados, fixados principalmente nos EUA, aos seus parentes em Cuba. Que se pode dizer de uma “revolução” que é economicamente dependente daqueles que ela recentemente chamou de “gusanos” contra-revolucionários, ou vermes?

Outra moeda forte entra no país através do crescimento da indústria turística, que o regime de Castro tornou peça central em seu planejamento econômico. O resultado é aquilo que alguns em Cuba descreveram como apartheid turístico. Novos hotéis, restaurantes, lojas foram erguidas, reservadas apenas aos estrangeiros, com cubanos comuns barrados. A prostituição vai ao extremo. A imensa maioria da população vive em condições de pobreza.

O regime Castro põe a culpa de todos os problemas econômicos da ilha no embargo dos EUA. Sem dúvida a política dos EUA é um brutal e irracional exercício de poder imperialista contra um pequeno país oprimido. Mas essa política esteve em vigor por 35 anos. Nesse tempo, Cuba teve relações econômicas com praticamente todo outro país importante no mundo.

A crise cubana é fundamentalmente o desenrolar do caráter burguês da própria revolução, que falhou em resolver quaisquer problemas históricos da sociedade cubana. Em vez disso, as contradições foram encobertas com grandes subsídios da burocracia soviética.

Poucos países viram tamanho êxodo de refugiados. Nos primeiros anos da revolução, esses consistiam majoritariamente na burguesia e camadas mais privilegiadas da classe média. Mas aqueles que fugiram em jangadas e câmaras pneumáticas em 1980 e 1990 estavam motivados pelas mesmas forças que puseram milhares em fuga do Haiti, México e outros países: o desejo de escapar da fome e opressão.

Sobre essas condições se baseia um regime que sufoca as aspirações das massas de trabalhadores cubanos. Castro governa através de uma ditadura política organizada em linhas militares. A instituição essencial do estado são as forças armadas, que controlam a maior parte dos empreendimentos econômicos cubanos.

Castro está sacralizado na constituição cubana como presidente pelo resto da vida. Opor-se a ele é, portanto, não apenas algo “contra-revolucionário”, mas inconstitucional. Ele é tanto chefe de estado e do governo ao mesmo tempo, quanto primeiro secretário do Partido Comunista e comandante-chefe das forças armadas. Em suma, todo o poder está concentrado em suas mãos e ele impõe seu jugo pessoal sobre cada decisão significativa. Com Castro agora em seus 70 anos, a sucessão começa a se tornar uma questão cada vez mais forte. Seu irmão Raul ocupa todos os postos secundários no governo, forças armadas e partido.

Na medida em que Cuba é identificada com o socialismo — algo que é, por um lado, promovido pelos imperialistas e, por outro, pelo regime de Castro e seus aduladores da esquerda pequeno-burguesa — tem o efeito de desacreditar a concepção de uma alternativa socialista ao capitalismo, particularmente na América Latina.

...


Notas
1. Ano da unificação de alguns setores do CI, liderados pelo SWP, com os pablistas do SI. A base principal de tal unificação oportunista foram os “novos fatos” da Revolução Cubana.

2. Leon Trotsky, Writings of Leon Trotsky 1939-40, (New York: Pathfinder Press, 1973), p. 202
3. Documents of the Fourth International: The Formative Years 1933-40 (New York: Pathfinder, 1973), p. 394
4. Falange Espanhola foi o único partido político legalmente reconhecido durante a ditadura de Francisco Franco, na Espanha.