quarta-feira, 29 de abril de 2009

Comentários sobre a seção Política


Para Marx, ao contrário da tendência dominante no pensamento da época, a política tomada de maneira isolada (a política em si) não é a chave para compreensão da sociedade, e por conseqüência, tampouco, para sua transformação, uma vez que ela é muito mais determinada pelo status quo das relações sociais entre os homens do que determinante destas.

Assim, a maneira como os homens produzem e reproduzem sua sobrevivência, ou em outras palavras, o grau de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais por elas engendradas são a chave para compreender todos os demais aspectos gerados no interior das sociedades que tivemos no decorrer da história. Ao perceber que estas diversas sociedades eram marcadas pelo antagonismo de classes, resultantes de diferentes níveis de apropriação da riqueza social, Marx concluiu que uma gama de "instituições" da sociedade, as quais não tinham qualquer função produtiva, como o estado, a polícia, os partidos, os sindicatos, a política etc... eram produtos das relações sociais, ou seja, dos interesses das classes sociais existentes. Estas "instituições" podem representar os interesses tanto das classes dominantes quanto das dominadas (como os sindicatos, os partidos operários), mas em regra são responsáveis por legitimar e perpetuar os privilégios e poder da classe dominante. Posto isto, o Estado se apresentava como uma das principais "instituições" deste tipo, sendo produto do antagonismo inconciliável de classes, atuando como uma "força especial de repressão".

Tendo isto em vista, uma vez pressuposta uma sociedade sem classes sociais, o Estado deixaria de existir espontaneamente. Desta maneira, considerando a política como uma mediação entre o Estado e a sociedade civil, ela também desapareceria em uma sociedade sem classes. Afinal, a política, no sentido acima colocado, aparece como a prática da conciliação, da negociação, e pela sua própria natureza, procura contornar as contradições imanentes da sociabilidade em questão, sem jamais resolvê-las.

Neste momento é possível que o leitor esteja se indagando: ora, sendo a política um elemento não essencial para a compreensão da realidade, por que uma seção inteira dedicada a política? E ainda, porque esta seção aparece justamente como a primeira? No entanto, tais perguntas podem ser respondidas da seguinte maneira.

Em primeiro lugar, julgamos mais adequados iniciar a exposição a partir do aparente, da política, cujo senso comum acredita ser o fundamento, através da qual será realizada a revolução e uma sociedade emancipada será construída. Assim, no curso do desenvolvimento, o misticismo envolvendo a política é posto e as contradições inerentes a esta nos conduzirão aos aspectos fundamentais e essenciais para melhor compreensão e conseqüente transformação da sociedade. Tal modo de exposição, explica a seqüência dos títulos das seções desta seleção de textos, escolhidas como uma proposta de curso introdutório ao marxismo: Política, Filosofia e Economia.

Em segundo lugar, vale ressaltar que Marx não estava interessado em criar "receitas para o futuro", embora as contradições presentes no cerne da sociedade capitalista, desde aquele tempo, nos permita aludir a respeito de uma sociedade sem classes; tal momento está distante da realidade que nos apresenta hoje. Neste sentido, possuímos elementos concretos apenas para iniciar o longo processo transitório entre nossa sociedade capitalista e uma sociedade comunista emancipada e sem classes sociais. Portanto, enquanto existirem classes, a política desempenhará um longo e importante papel, ainda que como instrumento da classe trabalhadora (seja na construção de uma organização revolucionária e na elaboração de um programa que possibilite adesão e participação da classe explorada a tal organização, ou após a tomada de poder pela classe trabalhadora). Mas, deve ficar claro, qualquer tentativa de mudança radical na sociedade, jamais deve se fundamentar na política, como coloca Marx nas "Glosas críticas de 44": "Quanto mais desenvolvido e generalizado se achar o entendimento político de um povo, mais o proletariado desperdiça suas energias - pelo menos no início do movimento - em revoltas irrefletidas, estéreis, que são afogadas em sangue. Ao pensar sob forma política, divisa o fundamento de todos os males na vontade e os meios para os remediar na força e na derrubada de uma determinada forma de governo.". Neste ponto, vale ressaltar que a política estaria presente enquanto mediação necessária para a organização revolucionária e a classe trabalhadora, mas não o alicerce sobre a qual ela se sustenta. Por um lado, porque o objetivo a ser atingido não é simplesmente um novo governo e sim a derrubada de um modo de produção e a construção de um novo, por outro, uma organização não ganhará corpo com atitudes puramente políticas baseadas na vontade, mas na ação política assentada sobre as contradições da estrutura social dada a cada momento.

Todavia, a política terá um papel importante e insubstituível, mas apenas enquanto as classes sociais subsistirem, como explica Marx de maneira bastante esclarecedora nos dois trechos que se seguem da "Miséria da Filosofia" e das "Glosas críticas de 44": "A classe laboriosa substituirá, no decorrer de seu desenvolvimento, a antiga sociedade civil por uma associação que excluirá as classes e seu antagonismo, e não haverá mais poder político propriamente dito, visto que o poder político é exatamente o resumo oficial do antagonismo na sociedade civil. (...) Não afirme que o movimento social exclui o movimento político. Não existe nunca movimento político que não seja, ao mesmo tempo social. É apenas em uma ordem de coisas em que não haverá mais classes e antagonismo de classes que as revoluções sociais deixarão de ser revoluções políticas...".

"Tudo que há de absurdo ou parafrásico numa revolução social com alma política há de racional numa revolução política com alma social. A revolução, genericamente - é a derrocada do poder existente e a dissolução das antigas condições -, é um ato político. Toda revolução dissolve a velha sociedade, assim considerada é uma revolução social. Toda revolução derruba o antigo poder, nesse sentido é uma revolução política. E sem revolução não pode o socialismo se realizar. Este necessita do ato político na medida em que tem a necessidade de destruir e dissolver. Porém, ali onde começa sua atividade organizadora, ali onde se manifesta seu fim em si, sua alma, o socialismo despeja seu invólucro político".

Neste ponto, cabe ressaltar duas tendências equivocadas que há muito se manifestam nas correntes "ditas" marxistas. Uma politicista, outra a-política. Sabemos que um dos aspectos preponderantes que levou Marx a taxar diversas correntes socialistas de utópicas (como as derivadas de Saint Simon, Owen, Fourier) era o apoliticismo que as caracterizava. Apesar da crítica visceral dos útopicos sobre a sociedade capitalista, estavam preocupados em elaborar um modelo pronto de sociedade socialista desconsiderando como tais modelos seriam levados a cabo. Marx, ao contrário, não se preocupava em elaborar "receitas para o futuro", o próprio atribuíra o status de científico a sua teoria, por esta ao mesmo tempo que mostrava a insustentabilidade da sociedade capitalista, também mostrava de maneira inseparável a existência de um sujeito gerado no interior desta mesma sociedade capaz de levar a cabo uma revolução política contra o capitalismo, assim como empreender uma revolução estrutural nas relações de produção, o proletariado. Desta maneira, mesmo que a tarefa central da classe trabalhadora, seja conduzir a um revolucionamento permanente nas relações de produção, está só poderá realizar-se através de uma mediação política. Mediação está que embora se sustente nas contradições imanentes da lógica do capital, não perde em nenhum momento da transição o seu caráter político. Seja na organização da classe trabalhadora em sindicatos ou partidos, seja no ato revolucionário, seja em um estado pós-revolucionário isolado e ainda incapaz de se libertar do capital.

Neste sentido, a política é um elemento indispensável para a luta dos trabalhadores contra o sistema capitalista e sem a qual uma sociedade emancipada jamais se realizaria, todavia ela só cumpre o seu papel caso esteja unida de maneira indissociável a luta imediata da classe dominada. Como meio desta levar a cabo a sua missão histórica e não como um elemento externo que tem um fim em si mesmo.

Considerar a política apenas como um fim em si é abraçar a causa da conciliação e da negociação, ou seja, abandonar a possibilidade de uma mudança estrutural na sociedade, abandonar a possibilidade de uma sociedade sem classes sociais, abandonar a possibilidade da auto-emancipação humana. Um erro simétrico é a enfase em ressaltar o caráter negativo da política, ou melhor, como uma mera reprodução da dominação do homem pelo homem. Esta interpretação estéril é incapaz a enxergar a nossa história, como a história da luta de classes e assim é marcada por um grande pessimismo no que tange as ações políticas da classe trabalhadora contra a ordem burguesa e a burguesia. Se a vertente politicista jamais será capaz de revolucionar nossa sociedade, no outro extremo as vertentes da "essência negativa da política" jamais terão uma pratica social efetiva e jamais poderão romper com seu academicismo inócuo.

Feito estes comentários preliminares a respeito da transitoriedade do Estado e da política, e ao mesmo tempo o papel indispensável destes em todo período transitório, podemos agora, comentar sobre os textos desta seção. O primeiro deles "A Ilusão do Sufrágio Universal" do anarquista Mikhail Bakunin tem o objetivo de negar a democracia burguesa, que muitas vezes é encarada por partidos socialistas (principalmente os sociais democratas como o Psol) como mediação suficiente para uma transição socialista, tendo assim uma visão de transição de natureza unicamente política. Os dois textos subseqüentes de Lênin, "As Classes Sociais e o Estado" e "As Condições Econômicas do Definhamento do Estado", procuram caracterizar a transitoriedade do Estado e da democracia os quais se sustentam no antagonismo de classes. Partindo agora para o papel "positivo" da política, ou seja, aquela política que construindo uma sociedade sem classes dissolve a si mesma perdendo cada vez mais seu papel aparentemente fundamental, temos mais dois textos, "Reforma e Revolução" de Nahuel Moreno e "A Burocracia no Movimento Operário" de Ernest Mandel e Perry Anderson. O primeiro procura dar conta dos conceitos de revolução e reforma e o segundo alertar para o perigo e o problema da burocracia dentro das organizações operárias, tanto a nível sindical, como estatal.


Gustavo Henrique Lopes Machado


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