quinta-feira, 5 de junho de 2008

Reforma e revolução - Nahuel Moreno


Reforma e revolução se produzem em tudo o que existe, pelo menos em tudo o que é vivo. “Reforma”, como o nome indica, significa melhorar, adaptar alguma coisa, para que continue existindo. Já revolução” é o fim do velho e o surgimento de algo comple­tamente novo, diferente. Tomando como exemplo o desenvolvimento da aeronáutica, podemos ver que passou por três revoluções. A primeira foi quando o homem começou a voar com aparelhos mais leves que o ar, os balões. A segunda foi quando inventou aparelhos mais pesados que o ar, os aviões com motor a explosão. A terceira revolução são os motores de retropropulsão, a jato.

Por que chamamos de “revoluções” esses três grandes avanços? Porque cada um deles é substancialmente distinto do anterior, e liquida com o anterior. Os aviões com motor a explosão acabam com os balões. Os aviões a jato acabam com os aviões a explosão. Um avião não tem nada a ver com um balão, e um motor a jato não tem nada a ver com um motor a explosão.

Porém, entre casas revoluções, ocorrem progressos, melhoramentos, ou seja, reformas. O balão de ar quente, que voava para onde o vento soprava e só podia transportar três ou quatro pessoas, vai sendo melhorado até chegar aos grandes Zeppelins alemães, cheios de gases mais leves que o ar, com motores que lhes pemitia voar para onde quiserem e capazes de transportar dezenas de passageiros. Isso foi uma reforma. Os aviões monomotores, biplanos, usados na Primeira Guerra Mundial, só levavam uma ou duas pessoas, podiam subir poucas centenas de metros e tinham escassa autonomia de vôo; os últimos aviões com motor a explosão foram os enormes bombardeiros quadrimotores da Segunda Guerra Mundial, que voavam a milhares de metros de altura, levavam toneladas de bombas e tinham grande autonomia, ou os “Super Constellation” que transportavam mais de cem passageiros, atravessando os oceanos. Também foi uma reforma. Outra reforma é a que vai desde os primeiros aviões a jato alemães, ou os Gloster Meteor usados pelos americanos na Guerra da Coréia, que eram pequenos e com velocidades subsônicas, até os caças supersônicos atuais, ou o Concorde. Todos cases avanços foram reformas; porque um Zeppelin continuava sendo um balão; um super Constellation, um avião com motor a explosão, e um Concorde, um avião a jato, embora infinitamente superiores ao primeiro balão, ao monomotor da Primeira Guerra ou aos Messerschmidt a jato alemães da Segunda Guerra.

Como toda definição marxista ou científica, ‘revolução” e “reforma” são relativos ao segmento da realidade que estamos estudando, ou seja, ao objeto em relação ao qual aplicamos essas categorias. Se, em vez de estudar a aeronáutica, estivermos estudando os meios de transporte em geral, a coisa muda de figura. Há várias revoluções. O homem primeiro anda, depois cavalga, ou seja, utiliza os pés ou as patas de animais; depois inventa a roda, que constitui a maior revolução no transporte, até hoje. Graças à roda, desenvolvem-se muitos meios de transporte terrestre: as carroças e carruagens puxadas por cavalos, os trens, os automóveis. Por outro lado, o homem navega por diferentes meios o barco, o navio, o transatlântico, impulsionados por diferentes meios de energia. Por fim, voa.

Se considerarmos os meios pelos quais o homem se transporta, só há quatro revolu­ções; terra, mar, ar e espaço. Em relação a essa classificação, todas as outras mudanças são reformas: roda para a terra, as canoas ou navios para a água, os balões ou aviões para o ar, os foguetes para o espaço. Mas se analisarmos, por exemplo, o transporte terrestre em si, todas essas mudanças que mencionamos constituem revoluções.

Essas categorias de ‘reforma” e ‘revolução” aplicam-se também no campo histórico-social. Para poder usá-las corretamente, não devemos esquecer seu caráter relativo. Revolução em relação a que? Reforma em relação a que?

Se nos referimos à estrutura da sociedade, às classes sociais, a única revolução possível é a expropriação da velha classe dominante pela classe revolucionária. Essa expropriação muda totalmente a sociedade, porque faz desaparecer a classe que até então dominava a produção e a distribuição, e seu papel é assumido por outra classe. Qualquer outro fenômeno é uma reforma.

Se nos referimos ao estado, a única revolução possível é que uma classe destrua o estado da outra; que a expulse e o tome em suas mãos, construindo um estado distinto. Tudo o que possa acontecer com os regimes e governos são apenas reformas, na medida em que não mudam o caráter de classe do catado.

Mas nós sustentamos que a mesma lei se aplica em relação aos regimes políticos. Nos regimes políticos pode haver reformas e revoluções; ou seja, dentro de um mesmo estado - por exemplo, o estado burguês - ocorrem mudanças no regime político da burguesia, mudanças que podem se dar por duas vias: reformista ou revolucionária. Em relação ao estado, dá na mesma: são todas reformas, porque ele continua sendo burguês. Mas em relação ao regime não é a mesma coisa.

Esse problema é muito importante para a ação, a política e o programa do partido revolucionário. Porque o partido não luta em abstrato contra o estado burguês. Luta contra o estado tal como ele se dá em cada momento, isto é, luta contra o regime político, contra as instituições de governo que assumem esse estado em cada circunstância, e contra o governo que as encabeça.



As mudanças no Estado e na sociedade

Em linhas gerais, nós, marxistas revolucionários, afirmamos que a mudança no caráter do estado e da sociedade, nesta época de transição do capitalismo ao socialismo, só é possível por via revolucionária.

Essa questão dividiu o movimento marxista, precisamente entre reformistas e revolu­cionários.

Os reformistas argumentavam que era possível chegar ao socialismo gradativamente, sem revoluções, conquistando hoje a jornada de oito horas, amanhã o voto universal, depois de amanhã a legalidade para os partidos operários e, por fim, com esses partidos operários, a maioria parlamentar e o governo.

os revolucionários sustentavam que para fazer o socialismo era preciso derrotar a burguesia, fazendo uma revolução, isto é, tirando-lhe o poder para que fosse assumido pela classe operária. Não negavam a existência de reformas. Mas sustentavam que todas as conquistas que a classe operária pudesse obter, sem derrotar política e socialmente a burguesia - isto é, sem tomar o poder e expropriá-la - nunca poderiam levar ao socialismo por esse processo gradual, paulatino, de soma de conquistas, preconizado pelos reformistas. Mais ainda, sustentavam que se não se fizesse a revolução social, se retrocederia, perdendo as conquistas adquiridas.

Efetivamente, nacionalizar um banco ou uma ferrovia, impor a jornada de oito horas, levar representantes operários ao parlamento, são reformas no sistema capitalista. Servem para preparar a revolução, mas não mudam o sistema, porque a burguesia continua dominando o estado e a economia. E se por acaso um partido operário revolucionário conseguisse ganhar as eleições por maioria, as Forças Armadas do estado burguês o impediriam de assumir o governo, ou o derrubariam dentro de poucos dias, a menos que fossem derrotadas por uma revolução operária e socialista.

A primeira revolução operária vitoriosa, a russa, deu razão aos revolucionários. Foi uma revolução, porque liquidou o estado capitalista no terreno político e a burguesia no econômico, expropriando-a e eliminando-a como classe social. Já os reformistas nunca conseguiram chegar ao socialismo, apesar de existirem países que foram governados, durante anos afio, por esses partidos operários reformistas que ganharam eleições, como a social-democracia sueca ou alemã.

Por isso mesmo, retrocederam também nas reformas conquistadas pela classe operária, ou estão retrocedendo: os salários caem, o desemprego aumenta, as leis sociais são revogadas, etc.

Também existe reforma, portanto, no estado e na sociedade. A legalização dos partidos operários e dos sindicatos, pelo estado burguês, é uma reforma, já que introduz na superestrutura elementos de democracia operária. O mesmo se dá no terreno econômico. Os bolcheviques, por exemplo, realizam a revolução econômica quando expropriam a burguesia e nacionalizam as empresas. Mas, no campo, aceitam a repartição das terras, em pequenas propriedades, para os camponeses, enquanto preparavam um plano para convencê-los da vantagens da nacionalização da terra. O processo de transformação do camponês, de pequeno proprietário a operário rural assalariado nas terras do estado, seria revolucionário em relação ao camponês, que passaria de pequeno-burguês a operário. Mas é reformista em relação à economia do estado: antes e depois deste fato, o estado não é capitalista, mas operário, transicional.

O que é indiscutível é que o caráter do estado e da sociedade não muda se não se der uma revolução social e econômica, que destrua o estado burguês, coloque o proletariado no poder e exproprie a propriedade burguesa.


As mudanças no regime

Sustentamos que também existem mudanças revolucionárias e reformistas nos regimes políticos.

Comparando o processo argentino, boliviano ou peruano com o brasileiro ou espan­hol, surgiu uma discussão teoria apaixonante.

São iguais ou são diferentes? Se são iguais, isso significa que houve uma revolução no regime no Brasil com Geisel, e na Espanha com Juan Carlos, como na Argentina, na Bolívia ou no Peru? Ou não houve revolução em nenhum desses cinco países?

De um ponto de vista superficial, nesses cinco países aconteceu algo parecido: o regime de governo mudou, passando de ditatorial e totalitário a relativamente democrático. Sob Franco, Videla, Garrastazu Médici e Garcia Meza, não havia liberdades democráticas e métodos de repressão física eram utilizados para esmagar o movimento operário e de massas. Sob o rei Juan, Geisel, Bignone, Sues Zuazo e Belaúnde Terry, existem amplas liberdades democráticas e sindicais, os partidos políticos funcionam e há eleições. No entanto, nós dizemos que a Argentina, a Bolívia e o Peru, por um lado, e o Brasil (antes da mobilização de abril de 84) e a Espanha, pelo outro, são totalmente diferentes. Na Argentina, Bolívia e Peru houve uma revolução, e na Espanha e Brasil, não houve. Mas na Espanha e no Brasil houve, sim, reformas, e tão importantes que mudaram o caráter do regime.

Em primeiro lugar, a diferença mais visível entre esses dois processos é que na Argentina, Bolívia e Peru houve urna crise revolucionária, e no Brasil (antes de abril de 84) e na Espanha, não. Como já descrevemos em outras ocasiões, na Argentina, entre a queda de Galtiere a posse de Bignone, há um período no qual praticamente não existe governo, nem regime, nem nada. O presidente e a instituição fundamental do regime, a Junta Militar, não se fazem presentes. O mesmo acontece na Bolívia após a queda de Garcia Meza. Durante semanas, o parlamento eleito em 1980, auto-convocado, não entra em acordo sobre quem deve ser governo. De fato, até Siles assumir, não há governo. A mesma coisa se passa no Peru quando a Assembléia Constituinte, convocada pela própria ditadura em crise total, para tentar uma saída mais ou menos controlada, volta as costas aos militares e, durante certo tempo, ninguém sabe que constituição nem que novo regime vai dirigir o país.

No Brasil (antes de abril de 84) e na Espanha, pelo contrário, em nenhum momento se dá essa crise revolucionária, esse vazio institucional de poder. Existem, sim, crises políticas, mas não desaparecem de cena as instituições fundamentais do governo. E se não há crise revolucionária, não pode ter havido revolução. Esta é a primeira condição.

A segunda condição para que existia mudança de regime por via revolucionária, é que o regime anterior desapareça, não controle mais nada, e o que aparece depois seja total e absolutamente distinto. Já uma reforma é um processo gradual, no qual o regime sofre grandes modificações, mas planificadas e dosadas pelo poder. Surgem até regimes diferentes. Evidentemente, na Espanha e no Brasil, as liberdades, as cortes ou parlamentos, a eleição direta dos governos estaduais, etc., constituem um regime diferente daquele de Franco ou de Médici. A crise econômica e política, e a pressão do movimento de massas em ascenso, obrigam o regime a se adaptar, a se auto transformar até o ponto de sofrer mudanças qualitativas. Mas sempre tendo um elemento de continuidade: o bonapartismo. No Brasil, ninguém elegeu o presidente; ele era e continua sendo indicado pelos militares. E na Espanha ninguém elege o rei.

Na Argentina, ao contrário do Brasil (antes de abril de 84) e da Espanha, o novo regime é oposto ao anterior. Não existe tal processo gradual e planejado de reformas do velho regime. Todo mundo sabe que as aberturas democráticas no Brasil e da Espanha foram pensadas e preparadas pelo velho regime, antes mesmo que a crise econômica e política, e o ascenso de massas, o obrigassem a colocá-las em prática. Os militares na Argentina tinham o mesmo plano, os do Uruguai ainda têm. Mas esse piano não funcionou - a menos que alguém acredite que Videla, Massera e companhia planificaram e controlaram que iam ser presos, acusados de homicídios e torturas.

Na Espanha e no Brasil (até abril de 84), todos os passos são previsíveis, até que uma revolução acabe com eles. Na Argentina, pelo contrário, ninguém, nem mesmo os partidos políticos burgueses, previu ou controlou que Galtieri ia cair, nem o que ia acontecer depois. Por isso mesmo, durante vários meses, sob o governo de Bignone, ninguém no país sabia que tipo de constituição ia ser aprovada nem como iam ser as eleições. Também ninguém planejou que as massas teriam liberdades de insultar ou bater, nas ruas, impunemente, nos oficiais mais importantes das Forças Armadas. Agora, vá um militante revolucionário brasileiro ou espanhol insultar os oficiais das Forças Armadas, para ver o que lhe acontece!!

Para terminar de esclarecer este ponto, vejamos o programa dos nossos partidos. No Brasil (até abril de 84) e na Espanha, o eixo político fundamental continua sendo a luta contra o bonapartismo. Todo o programa revolucionário deve ter como palavra de ordem central: “Abaixo o rei! (ou o presidente militar)”. “Pela república democrática”. “Pelo direito do povo eleger seu governo!’.

Na Argentina, não. Não poderemos atacar Alfonsín, Luder ou quem ganhar as eleições por ser um governo ou regime bonapartista, não eleito livremente pelo povo. A tal ponto triunfou a revolução política, democrática, que atacamos o novo regime e o novo governo porque são capitalistas e pró-imperialistas. E lutamos pela revolução político-social, pela tomada do poder pelo proletariado, pelo socialismo.

Essa diferença no programa reflete a mudança que há na realidade.

Na Espanha e no Brasil com Geisel-Figueiredo (até abril de 84), houve uma reforma espetacular, que modificou qualitativamente o regime, fazendo concessões democráticas muito importantes às massas. Já não é um bonapartismo fascista ou semifascista. Mas conserva a instituição central bonapartista. É o que chamamos de “bismarckismo senil”. Não se fez a revolução democrática que destrua esse poder bonapartista. Na Argentina, esse poder bonapartista já foi destruído, quer dizer, revolucionado. Ou, pelo menos, destruído tanto quanto pode ser num país que ainda não fez sua revolução socialista, única forma de eliminar pela raiz os poderosos elementos bonapartistas e de totalitarismo de qualquer regime burguês.

Uma última discussão sobre esse problema tem a ver com o fato de que na Argentina, no Peru e na Bolívia, o movimento de massas não destruiu as Forças Armadas burguesas, como ocorreu, por exemplo, na Nicarágua. Já assinalamos que consideramos fundamental esta diferença, e que se trata de dois tipos distintos de revolução democrática. Mas não queremos discutir sobre palavras. Pode ser incorreto, efetivamente, chamar de “revolução” um fenômeno como o argentino, o peruano ou o boliviano. Podemos usar outro nome para diferenciá-lo, desde que digamos que também é totalmente diferente do processo reformista, gradual, de concessões democrático-burguesas controladas, como na Espanha e no Brasil (até abril de 84). As liberdades democrático-burguesas da Argentina atual foram produto da crise geral do regime militar e da burguesia, e do colossal ascenso do movimento de massas. Não foram concessões planejadas e controladas pela burguesia e os militares, mas sim conquistas arrancadas pela ação das massas trabalhadoras, que originaram um novo regime de liberdades democrático-burguesas completamente diferente, nesse aspecto, do regime anterior. A isso chamamos de “revolução” democrática, assim como Lenin definiu como revolução democrática a revolução de fevereiro de 1917, ou Trotsky a revolução espanhola de 1931 (que foi produto da crise e de uma eleição, e não de um enfrentamento de rua das massas contra o governo).



Contra-revolução e reação

O processo oposto á revolução é a contra-revolução. O oposto da reforma é a reação. Contra-revolução e reação também se produzem nos três campos: econômico-social, político-social e político. Para a contra-revolução e a reação, também se aplica a lei de que são termos relativos. Pode haver uma contra-revolução política, no regime, que em relação à sociedade e ao estado não seja uma contra-revolução, mas sim uma reação. Por exemplo: o stalinismo faz uma contra-revolução política: destrói o regime de Outubro e implanta um regime contra-revolucionário. Muda inclusive o tipo de estado: de estado operário a estado operário burocratizado. Mas, em relação ao caráter do estado, não é uma contra-revolução: não se restaura a economia capitalista nem a burguesia toma o poder de volta; o estado continua sendo operário. A mudança do estado soviético, como produto da contra-revolução política stalinista, não é contra-revolucio­nária mas reacionária.

Uma reação no terreno econômico-social é, por exemplo, a política da burocracia chinesa de incentivar a propriedade privada das pequenas indústrias. Em relação aos setores industriais que forem privatizados, será uma contra-revolução, porque deixarão de ser propriedade estatal coletiva e passarão a ser propriedade privada. Mas em relação a estrutura global da sociedade e do estado chinês, é uma reação. Introduz elementos regressivos capitalistas numa sociedade não capitalista. Mas não é uma contra-revolu­ção. Contra-revolução seria a restauração da propriedade privada sobre os recursos fundamentais da economia chinesa, porque aí mudaria abrupta e totalmente o caráter da sociedade e, com ela, do estado: voltaria a ser um estado burguês, capitalista.

Finalmente, também existe reação e contra-revolução em relação aos regimes do estado burguês. Se se passa a um regime fascista ou bonapartista, que esmaga o movimento operário com métodos de guerra civil, é uma contra-revolução. Exemplos: Pinochet, Videla, Hitler, Franco, etc. (E contra-revolução em relação ao regime político, não ao estado, que continua sendo burguês e não retrocede ao feudalismo ou a outra sociedade mais regressiva. Em relação ao estado burguês, é uma reação.)

Se se passa de um regime democrático a um mais totalitário, repressivo, mas que não esmaga os trabalhadores com métodos de guerra civil, é uma reação, não uma contra-revolução. Exemplo: Onganía derruba Illia e instaura o estado de sítio, mas sob um e outro regime a Justiça funciona, e o estado de sítio é aplicado segundo a mesma Constituição.

Essa diferença entre contra-revolução e reação se manifesta também no terreno institucional. Tanto sob Illia como sob Onganía, a instituição fundamental, sobre a qual se apóia o regime político, são as Forças Armadas. Illia sobe ao poder através de eleições condicionadas pelos militares, que proscrevem o partido majoritário, o peronismo. São essas mesmas Forças Armadas que levam Onganía ao poder. Trata-se de uma mudança reacionária de regime.

É bem diferente do golpe de Videla ou de Pinochet. Esse último aniquila o velho regime democrático burguês, com seu parlamento e seus partidos, que funcionava no Chile há dezenas de anos, e instaura um novo regime, diametralmente oposto ao anterior: sua instituição fundamental é o bonaparte Pinochet que se apóia nas Forças Armadas Trata-se de uma contra-revolução.

Essas definições nos permitem corrigir um erro terminológico que cometemos muitas vezes: falar de “contra-revolução democrática”. Assim denominávamos os processos nos quais a burguesia tenta desviar e frear a revolução, iludindo as massas com o mecanismo da democracia-burguesa. É certo que seu objetivo é contra-revolucionário, mas não se trata de uma contra-revolução, justamente porque não muda radicalmente o regime. A burguesia tenta frear a revolução através de manobras, aproveitando as ilusões democráticas das massas, e eventualmente reprimindo-as, mas sempre dentro da legalidade democrático-burguesa. Ela não destrói o regime democrático-burguês, mas se apóia nele. Por isso não se trata de uma contra-revolução. De agora em diante, chamaremos esse tipo de processo de “reação democrático-burguesa”.