terça-feira, 13 de julho de 2010

O Castrismo e a Política do Nacionalismo Pequeno-Burguês - Bill Van Auken

Palestra foi proferida no dia 7 de Janeiro de 1998 para o curso internacional de verão sobre Marxismo e os Problemas Fundamentais do Século XX, organizado pelo Socialist Equality Party (Partido da Igualdade Socialista, SEP, na sigla em inglês) da Austrália, em Sydney, de 3 a 10 de janeiro de 1998. Bill Van Auken é o editor internacional do Site Socialista de Interligação Mundial (wsws.org) e autor de diversas obras críticas sobre a luta das populações oprimidas da América Latina, África do Sul e Oriente Médio por todo o pós-guerra. Texto retirado do sítio: http://www.wsws.org/pt/2008/sep2008/port-s16.shtml

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Socialismo proletário versus nacionalismo pequeno-burguês

Os revisionistas pablistas, assim como os ex-radicais de classe média em geral, são hostis a tal abordagem. Eles esperam com fervor por uma volta do castrismo. Todos se entusiasmaram com a aparição do Exército Zapatista de Libertação Nacional em Chiapas (EZLN), México, assim como aplaudiram as ações do Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA) quando este capturou a embaixada do Japão em Lima há pouco mais de um ano atrás.

Nosso movimento não se juntou às comemorações desse aparente ressurgimento do guevarismo e da esvaziada fórmula política da “luta armada”. Temos um longo histórico de luta contra tais posições, reconhecendo que elas não são portadoras dos esforços socialistas revolucionários do proletariado, mas da política do nacionalismo pequeno-burguês. Elas não se dirigem à resolução dos problemas fundamentais da direção revolucionária da classe trabalhadora, mas sim à negação do papel revolucionário desta classe como um todo e à dispersão de camadas radicais de estudantes, assim como de trabalhadores e camponeses, para longe da luta pelo socialismo.

Elas servem não para iluminar, mas para obscurecer os problemas estratégicos da revolução socialista elaborados por Trotsky em sua teoria da Revolução Permanente. Palavras de ordem como “a responsabilidade do revolucionário é fazer a revolução”, “luta armada” e “guerra popular prolongada” deixam de responder às questões de qual classe cumprirá o papel principal na revolução, qual a conexão existente entre a revolução em um só país e a revolução mundial e qual a relação entre a luta dos trabalhadores e oprimidos em países atrasados, conjuntamente com a classe trabalhadora dos países capitalistas avançados.

Por detrás de sua retórica radical, esses movimentos possuem concepções firmadas sobre todas essas questões. Invariavelmente, eles se dirigem a suprimir a luta revolucionária independente do proletariado e a subordinar as massas oprimidas como um todo às necessidades da burguesia nacional.

Nesse sentido, não importa o quão radical aparentem ser esses movimentos, são sempre, em última análise, um dos derradeiros bastiões do imperialismo contra a revolução socialista. É a essência da natureza do nacionalismo pequeno-burguês que nos permite compreender a facilidade com que o capitalismo se apropria, em proveito próprio, da imagem de Che.

Se examinarmos cuidadosamente as políticas do MRTA peruano e dos zapatistas mexicanos, elas não passam de manifestações diferentes da acomodação com o imperialismo, posta em prática por todos os regimes e movimentos nacionalistas burgueses. O grupo Tupac Amaru capturou a residência do embaixador japonês com o intuito de pressionar o imperialismo japonês a exercer influência sobre o regime de Fujimori para que abrandasse sua política. O objetivo final do grupo, comunicado a alguns dos seqüestrados, era forçar um acordo de negociação pelo qual ele pudesse transformar-se de um movimento armado em um partido político legal pequeno-burguês.

Já em relação ao movimento zapatista, é universalmente reconhecido justamente por ter, desde o princípio, renunciado a qualquer objetivo revolucionário. As vagas reivindicações que têm sido feitas pelo Subcomandante Marcos são de democratização, fim à corrupção e mais direitos culturais para a população indígena. Tais reivindicações poderiam ser e têm sido adotadas não só pela esquerda pequeno-burguesa, mas também por setores do partido da situação, o PRI, e até mesmo pelo partido de oposição de direita, o PAN. Marcos e os zapatistas, ao invés de apontar o caminho revolucionário aos trabalhadores mexicanos e ao campesinato oprimido, converteram-se em novo instrumento para fechar acordos com a burguesia mexicana.


O papel político da pequena-burguesia

O que exatamente queremos dizer quando descrevemos esses diferentes movimentos como “nacionalistas pequeno-burgueses”? Este não é só um epíteto político lançado por marxistas a seus adversários. Isto é uma definição científica dos interesses e métodos de classes que caracterizam tais movimentos. Marx, ao basear-se na experiência da revolução de 1848, e Trotsky, em sua teoria da Revolução Permanente, demonstraram que a pequena-burguesia é incapaz de uma ação política consistente e independente. Sua inconsistência é o reflexo de sua posição social intermediária. Presos entre as duas principais classes da sociedade e constantemente sendo diferenciados como exploradores e explorados, ela está suscetível a seguir uma dessas duas classes, o proletariado ou a burguesia.

No período do pós-guerra, o imperialismo criou e veio a depender de uma nova camada social identificada como classe média. Em países capitalistas avançados, isso consistia em funcionários da burocracia governamental e escritórios corporativos, aqueles que administravam serviços públicos de bem estar social recém-criados e os que dirigiam a mídia de massas em crescimento.

Um estrato social análogo surgiu nos países oprimidos, e foi a essa camada que o imperialismo entregou o poder durante o período de descolonização. Na América Latina, assim como em outras regiões do globo oprimidas pelo imperialismo, as oportunidades apresentadas a essa camada social eram infinitamente mais limitadas do que as apresentadas aos seus equivalentes dos países capitalistas adiantados. Milhares de estudantes se formavam na universidade sem perspectiva de uma carreira profissional. Em vários casos, aqueles que buscavam uma profissão ou tentavam sobreviver de um pequeno-negócio desfrutavam de pouco mais, em termos de qualidade de vida, do que um trabalhador comum. Foi este estrato social que providenciou a principal base às políticas nacionalistas pequeno-burguesas.

Havia, portanto, uma base de classe objetiva para a emergência das teorias pablistas de uma “nova realidade mundial”, na qual a luta pelo socialismo poderia ser levada não pela classe trabalhadora e sua consciente vanguarda revolucionária, mas pela pequena-burguesia radicalizada. Em última instância, essas formulações revisionistas refletiam tanto as aspirações dessa camada particular da sociedade, assim como a necessidade do imperialismo de um amortecedor que se colocasse entre si e a ameaça da revolução proletária.


As raízes da revolução Cubana

Como qualquer grande acontecimento, a revolução dirigida por Fidel Castro em 1959 tinha suas raízes em desenvolvimentos históricos precedentes. Essas raízes históricas, normalmente ignoradas pelos bajuladores pablistas de Fidel e pela esquerda pequeno-burguesa em geral, precisam ser melhor examinadas para entendermos o significado político e o conteúdo de classe do castrismo.

A história cubana foi moldada principalmente pelo caráter precoce de sua luta pela independência, a qual transferiu efetivamente sua condição de posse colonial do moribundo colonialismo espanhol para uma condição de semi-colônia política e econômica do poder imperialista em formação, os Estados Unidos.

Os EUA intervieram em Cuba em 1898 após uma guerra de 30 anos pela independência cubana. A intervenção foi curta e decisiva. Os espanhóis perderam suas colônias no Tratado de Paris, um acordo do qual os próprios cubanos não participaram.

Esse acordo gerou o que ficou conhecido como a República da Emenda Platt. Nomeada por causa do senador que a redigiu, a legislação foi aprovada em Washington e imposta como emenda à primeira constituição cubana. Ela incluía uma proibição a qualquer república cubana independente de fazer parte de qualquer tratado internacional considerado prejudicial aos interesses dos EUA. Também garantia aos EUA o direito de intervir militarmente “para a preservação da independência cubana, a manutenção de um governo adequado à proteção da vida, propriedade e liberdade individual, pelo fim das obrigações que dizem respeito a Cuba no Tratado de Paris.” Os EUA viriam a fazer uso repetidamente desse “direito” durante a primeira parte do século XX.

A dependência de Cuba ao imperialismo Americano não era só formal, corporificada na Emenda Platt. Ela baseava-se nas exportações cubanas de açúcar ao mercado americano. Somente esse plantio era responsável pela grande maioria dos ganhos de exportação, e era transportado quase que exclusivamente para os Estados Unidos. A monocultura açucareira condenou a maioria da população ao atraso, à pobreza e ao desemprego crônico.

As relações sociais e políticas que vieram a prevalecer em Cuba estavam relacionadas ao caráter inacabado de sua luta democrática burguesa pela independência nacional. Enquanto a condição de semi-colônia de Cuba estava entre as mais gritantes do mundo, ela não era, de forma alguma, única.

Como prevenia Quarta Internacional antes da Segunda Guerra Mundial: “Estados nacionais atrasados não podem mais contar com seu desenvolvimento democrático. Cercados pelo capitalismo decadente e capturados pelas contradições do imperialismo, a independência de um país atrasado será inevitavelmente semi-fictícia e o regime político, sob a influência de contradições de classe internas e pressões externas, inevitavelmente cairá em uma ditadura contra a população.”2

Outra declaração, escrita no mesmo ano, salientava que não havia possibilidade de acabar com a opressão capitalista por fora da revolução socialista: “As esperanças de libertação dos povos coloniais estão, portanto, entrelaçadas ainda mais do que antes à emancipação dos trabalhadores de todo o mundo. As colônias serão libertadas política, econômica e culturalmente somente quando os trabalhadores dos países adiantados colocarem um fim ao domínio capitalista e se lançarem, juntamente com os povos dos países atrasados, na reorganização da economia mundial como um todo em um nível superior, adequando-a às necessidades sociais e não aos lucros monopolistas.”3

Como veremos, a história cubana ulterior provou essa tese, ainda que negativamente. Sem uma luta unificada e internacional da classe trabalhadora, a verdadeira libertação econômica, política e cultural provou-se impossível.

A relação entre os EUA e Cuba deu vazão a uma organização política burguesa notável por sua impotência, extrema corrupção e freqüentes ondas de violência. A dominação americana da economia, combinada com a predominância de imigrantes estrangeiros tanto nos negócios como nas classes proprietárias de terra, também fez surgir um nacionalismo cubano caracterizado por um extremo anti-americanismo, até mesmo com um caráter xenofóbico.

Outra perspectiva, no entanto, surgiu de fato em Cuba. Em 1925, o Partido Comunista Cubano foi formado, afiliando-se à Terceira Internacional. Sua figura principal foi Julio Antonio Mella, um estudante de direito que tornou-se o líder de um movimento pela reforma universitária no início dos anos 20 e buscava levar os estudantes à classe trabalhadora.

Mella e seus camaradas dirigiu a luta contra a ditadura de Gerardo Machado, descrito por Mella como um “Mussolini tropical”. Aprisionado pela ditadura, ele foi solto sob pressão popular e então fugiu do país, viajando à União Soviética, Europa e finalmente ao México.

Mella rompeu com o Partido Comunista no México em 1929, declarando seu apoio à luta de Trotsky contra a burocracia stalinista. Logo depois, foi assassinado.

Mella emergiu de um amplo movimento de estudantes e intelectuais cubanos que buscavam mudar o sistema político corrupto e sua dominação pelo imperialismo americano. Mas ele renunciou às concepções nacionalistas dominantes e adotou a perspectiva do internacionalismo socialista.

O stalinismo acabou impedindo que a classe trabalhadora providenciasse sua própria saída aos problemas históricos de Cuba baseada em tal perspectiva. Pode-se dizer, desse modo, que o stalinismo ajudou a preparar a subida de Fidel ao poder muito antes de o Partido Comunista Cubano sequer pensar em juntar forças. Ao suprimir a perspectiva pela qual Mella e a primeira geração de marxistas cubanos haviam lutado, o stalinismo promoveu o crescimento do nacionalismo pequeno-burguês radical.

Na primeira palestra deste curso, David North tratou até certo ponto de como a história consiste não meramente em “o que aconteceu” ou “quem ganhou”, mas, ao invés disso, em quais alternativas existem e quais as conseqüências daquelas que foram tomadas e daquelas que não foram. O que teria acontecido se a Oposição de Esquerda tivesse prevalecido? A mesma pergunta pode ser feita em relação a Cuba, apesar de que em menor escala.

Há limites, é claro, no que podemos dizer seguramente sobre “o que poderia ter sido”. Não se pode afirmar com segurança, por exemplo, que, se tivesse havido um verdadeiro partido comunista em Cuba, uma revolução socialista teria acontecido em tal e tal ano. Podemos dizer com segurança, porém, que, se tivesse havido um verdadeiro partido revolucionário da classe trabalhadora, diferente do aparato político e corrupto do stalinismo cubano, o surgimento de uma tendência específica conhecida como castrismo teria sido impossível.

Às vésperas da degeneração stalinista do Partido Comunista cubano, o país passou por uma profunda crise revolucionária. Uma insurreição nacional irrompeu em 1933, forçando o ditador Machado a fugir do país. O ponto culminante desse movimento foi uma greve geral da classe trabalhadora, que presenciou o fechamento de fábricas, engenhos de açúcar e propriedades.

Enquanto a greve geral crescia em intensidade e em caráter, o Partido Comunista stalinista cubano, que controlava os sindicatos, lançou uma ordem de “volta ao trabalho”, argumentando que a greve ameaçava provocar uma intervenção americana. Enquanto a ampla maioria de trabalhadores ignorou a ordem, o PC ainda assim entrou em negociações secretas com Machado, obtendo concessões ao partido em troca por seu papel de responsabilidade em acabar com a greve.

Este acordo, que somente teve curta duração porque Machado fugiu para o exílio, veio a estabelecer um padrão de atuação seguido pelo PC nos 25 anos seguintes. Os stalinistas mantiveram sua dominação sobre o movimento operário enquanto forjavam uma série de alianças com partidos conservadores e até mesmo regimes militares. Nos anos 40, os stalinistas entraram no governo do homem forte dos EUA, Fulgêncio Batista.


Castro e castrismo

Com o Stalinismo relegado, por conta de sua colaboração com partidos de direita e ditaduras, a retórica do anti-imperialismo e da revolução social foi, aos poucos, sendo monopolizada por elementos nacionalistas da classe média radicalizada, centrada particularmente entre os estudantes da Universidade de Havana. Foi desse ambiente que surgiu Fidel Castro.

Nascido em uma família espanhola dona de terras, o despertar de Castro para a vida política começou como um estudante de um colégio Jesuíta. Lá, ele foi influenciado por padres espanhóis que apoiaram o fascismo de Franco. Ele leu todas as obras de Jose Antonio Primo de Rivera, o fundador da Falange Espanhola4 e era, de acordo com seus colegas de classe, fortemente atraído pela ideologia fascista.

No final da década de 40 e no início da década de 50, Castro foi envolvido em atividades de grupos armados estudantis que dominavam a Universidade, a ideologia desses grupos era, ao mesmo tempo, nacionalista e explicitamente anti-comunista.

Castro começou sua luta contra Batista como membro de um partido burguês, o Partido Ortodoxo. Ele lançou-se a candidato para o poder Legislativo cubano em 1952, mas a reviravolta de Batista naquele ano frustrou suas ambições parlamentares. Ele então começou a organizar um pequeno grupo de seguidores da ação armada. Liderou um ataque ao acampamento do exército de Moncada, em julho de 1953. Todos os 200 participantes foram mortos ou presos.

As ações de Castro não eram únicas. Durante esse período, seguidores de vários partidos e facções da pequena-burguesia realizaram ataques às guarnições militares, tentativas de assassinatos e até mesmo de tomada do palácio de Batista. Suas afirmações políticas durante o período que antecedeu a revolução de 1959, pouco o diferenciava das políticas ordinárias do nacionalismo cubano anti-Batista. Seu mais famoso discurso, “A História Me Absolvirá”, preparado em sua defesa no julgamento do ataque à Moncada, consiste em denúncias da repressão ditatorial e numa lista de reformas democráticas bastante moderadas.

Após uma curta sentença de prisão, Castro foi ao México, de onde, no fim de 1956, organizou um desembarque de aproximadamente 80 homens armados. Assim como Moncada, o desembarque foi uma catástrofe, sobrevivendo apenas uma dúzia após o primeiro encontro com as forças repressivas de Batista. Apesar disso, somente dois anos depois Castro subiu ao poder.

O poder só caiu, literalmente, nas mãos das guerrilhas de Castro porque não existia outra força política crível na ilha.

Esse vazio político tinha a função, acima de tudo, de abafar qualquer direção revolucionária da classe trabalhadora cubana. Apesar de todas as limitações do reformismo de Castro, suas políticas sociais eram de longe mais radicais que aquelas apresentadas pelos stalinistas. Além disso, suas ações armadas, mesmo sendo limitadas como eram, ganharam um apoio popular amplo no momento em que os stalinistas cubanos foram vistos como cúmplices da ditadura de Batista.

A intenção original de Castro era alcançar uma reconciliação com os EUA. Na sua primeira viagem aos Estados Unidos, depois de quatro meses no poder, Castro declarou o seguinte: “Eu proclamei de maneira clara e definitiva que nós não somos comunistas. As portas estão abertas aos investimentos privados que contribuam com o desenvolvimento industrial de Cuba. É absolutamente impossível progredirmos se não alcançarmos um entendimento com os Estados Unidos”.

O movimento de Castro, entretanto, comprometeu-se com uma limitada reforma agrária e limitadas medidas sociais em benefício do povo cubano. Nos seus primeiros meses, decretou uma redistribuição de terras improdutivas, uma redução nos arrendamentos, aumentos de salário e várias medidas de expansão da educação e da saúde.


Washington não receberia nada dele

Os Estados Unidos tentaram disciplinar Castro com uma frágil pressão econômica. Num conflito ascendente com o regime cubano, os EUA cortaram a quota de exportação de seu açúcar, sua principal corda de sustentação, bem como recusou-se a fornecê-lhe petróleo.

O regime cubano respondeu com nacionalizações — primeiramente de propriedades estadunidenses, depois dos donos dos negócios cubanos — e buscando a assistência da burocracia soviética.

A política estrangeira dos EUA era rigidamente ideológica e vingativa. Já a Inglaterra tentou avanços similares, mas numa forma diferente. Líderes africanos como Nkrumah, Kuanda e Kenyatta foram sustentados, apesar de sua retórica radical e até “socialista”. Devido a isso, preservam a influência do imperialismo inglês e seus interesses na região.

Ironicamente, a arrogância e estupidez dos EUA provaram ser os pilares centrais da manutenção do poder de Castro ao longo dos últimos 40anos. Eles permitiram-no posar como a personificação do nacionalismo cubano e acusar qualquer oposição como uma ferramenta do imperialismo Yankee.

Juntamente com a aproximação com Moscou, Castro forjou uma aliança com os stalinistas cubanos. Essa iniciativa foi saudada pelos pablistas, pela pequena-burguesia e pela esquerda em geral, como mais uma indicação da radicalização da revolução e de seu caráter socialista. Na verdade, não era nada disso. Como vimos, os stalinistas, então conhecidos como Partido Socialista Popular (PSP) de Cuba, eram uma força política profundamente reacionária e desacreditada. Eram parte da estrutura política burguesa existente em Cuba, tendo servido fielmente até mesmo ao regime de Batista.

Tendo encontrado de repente a si mesmo lançado no poder, Castro voltou-se ao PSP. Ele não tinha um partido, um programa, ou mesmo um exército real. Os stalinistas cubanos o abasteceram com um aparato e uma ideologia que permitiu que pudesse governar.

Castro reinterpretaria, mais tarde, seu próprio passado político, declarando que havia tornado-se um “Marxista-Leninista” muito antes do golpe de Batista, embora “não muito” um comunista. Todas as aventuras políticas — dos seus dias em grupos armados anti-comunistas, na universidade, até sua campanha como candidato ao Congresso por um partido burguês — foram reformuladas como meras táticas iniciais destinadas a preparar as condições para uma revolução socialista.

O que Castro, assim como outros nacionalistas burgueses de esquerda, encontrou no “Marxismo-Leninismo”? Claramente, ele não estava buscando uma perspectiva científica para guiar a luta da classe trabalhadora para sua própria emancipação social e política. Ao mesmo tempo, isso era mais do que um mero pretexto para conseguir o apoio de Moscou.

Eles conheciam o Marxismo-Leninismo que aprenderam dos stalinistas como uma política que promoveria o uso do Estado para efetuar mudanças desejadas na ordem social. Eles encontraram nele uma justificativa para seu próprio controle irrestrito do Estado, governando por um onipotente “partido revolucionário” e dirigido por um infalível e insubstituível líder nacional. Deveríamos recordar que Chiang kai shek também modelou seu partido, o Kuomintang, com o que aprendeu do stalinismo.


O mito do guerrilheirismo

Como praticamente todos os regimes nacionalistas e tendências que surgiram no período pós-guerra, o Castrismo repousa em um plano de ilusões em relação à sua própria origem e desenvolvimento. Tal mitificação é necessária, dando o caráter de classe desses movimentos, apoiando, como eles fazem, a pequena-burguesia e a burguesia nacional, enquanto declaram representar os interessas das massas oprimidas.

Após tomar o poder, Castro e seus seguidores retrataram sua vitória como o resultado exclusivo de uma luta armada travada pelos guerrilheiros nas montanhas de Sierra Maestra: uma vitória militar sobre o imperialismo e a burguesia nacional, realizada por uma pequena força através de pura vontade e determinação. Como escreveu Che Guevara apenas um mês após a derrubada da ditadura de Batista:

“Nós demonstramos que um grupo pequeno de homens que determinados, apoiados pelo povo e sem medo de morrer, pode superar um exército normal... Trouxemos outra lição para nossos irmãos na América [Latina], economicamente na mesma situação agrária que nós, onde se deve fazer revoluções agrárias, lutar nos campos, nas montanhas, e daqui levar a revolução para as cidades, e não tentar fazê-la mais tarde...”

Essa concepção, que se tornou a explicação oficial da revolução cubana, representou uma distorção radical dos fatos. Durante os seis anos de poder de Batista, cerca de 20.000 cubanos perderam suas vidas nas mãos do regime. Desses, 19.000 foram mortos em cidades de Cuba. Atos de sabotagem, ataques políticos e outras formas de resistência, a maioria deles fora do controle do Movimento 26 de Julho de Castro, foram generalizados e, em última instância, foram o principal impulso para a queda do regime.

A guerrilha de Castro atingiu, no máximo, alguns milhares de homens. Não houve batalhas militares conclusivas e o maior compromisso envolveu não mais que 200 guerrilheiros. Batista perdeu tanto o apoio da burguesia cubana — uma parte significante dela apoiou Castro — quanto de Washington, que impôs a proibição de armas ao seu regime. Desprovidos desse apoio, eles rapidamente se desintegraram.

Dentro de Cuba, esse mito dos guerrilheiros de Castro que derrotaram tanto o imperialismo dos Estados Unidos quanto as classes dominantes nacionais através da pura audácia e valentia militar, satisfez um propósito político muito definido. Justificou a consolidação de um regime que instalou incontestavelmente toda a soberania do poder estatal nas próprias mãos de Castro.

O mito desenvolvido por Castro e Guevara seria exportado com resultados catastróficos. A assim chamada “Via Cubana” foi promovida por toda América Latina, como a única forma viável de luta revolucionária. Milhares de jovens latino-americanos foram massacrados e mortos pela promessa de que tudo o que precisavam para derrubar governos e findar a opressão social era coragem e poucas armas.

O livro mais famoso de Guevara, “Guerra de Guerrilhas”, serviu como um manual para essa estratégia nefasta. O seguinte resume o que descreveu como as três grandes lições da experiência cubana para a “mecânica dos movimentos revolucionários na América”:

Forças populares podem vencer uma guerra contra o exército.

Não é necessário que todas as condições estejam dadas para fazer uma revolução; o foco de insurreição [termo para a unidade de guerrilha] pode criá-las.

Nas Américas subdesenvolvidas a área da luta armada é primordialmente o campo.

As medíocres análises que continham esses escritos eram radicalmente falsas. O caminho de desenvolvimento da América Latina era capitalista há muitos anos. A base da exploração na América Latina não era, como Guevara afirmava, latifundiária — concentração de terra na mãos de uma pequena minoria — mas sim, essencialmente, de relações capitalistas de trabalho assalariado e lucro. Mesmo com esses trabalhos sendo escritos, o continente passava por importantes mudanças estruturais que proletarizavam ainda mais a população e levavam à migração maciça das zonas rurais para as cidades.

Nada disso foi analisado. A preparação revolucionária foi reduzida ao processo impressionista de escolher a arena rural como apropriada para a guerra de guerrilha. Aqueles que seguiram esse conselho terminaram em armadilhas nas florestas e sertões, onde foram condenados à morte em combate direto com os exércitos latino-americanos.

O que a todo o momento sobrevém na política de Guevara é a rejeição da classe trabalhadora enquanto a classe revolucionária e seu desprezo pela habilidade dos trabalhadores e das massas oprimidas a tornarem-se conscientes politicamente e cumprir sua própria luta pela emancipação.

Ao mesmo tempo em que ele propõe o interior do país como o único lugar possível para uma luta armada, esta não é a maneira de mobilizar os camponeses pelas suas demandas sociais. Ao contrário, a concepção de Che se baseava na utilização da violência, buscando “obrigar a ditadura a recorrer à violência para desmascarar, assim, sua verdadeira natureza como ditadura das classes sociais reacionárias”. Em outras palavras, o alvo do grupo de guerrilha era provocar repressão do governo contra os camponeses, que assim supostamente responderiam apoiando a luta das guerrilhas contra o governo.

Para tal luta, nem teoria ou política são exigidas, menos ainda uma intervenção ativa nas lutas da classe trabalhadora ou das massas oprimidas. Guevara começou a construir grupos de guerrilha na América latina, ele insistia que eles excluíam todas as discussões e controvérsias políticas. A unidade era pra ser baseada exclusivamente no acordo sobre a tática da “luta armada”.


O fiasco do guevarismo

Os resultados foram presumivelmente desastrosos. Foi em sua nativa Argentina que Che formou um dos primeiros grupos de guerrilha, sob direção do jornalista Jorge Masetti. Em sua biografia de Che, Anderson fornece uma fria exposição desse fiasco. Os guerrilheiros nunca viram combate. Alguns perderam-se e outros morreram de fome na floresta. Outros caíram nas mãos da polícia. Antes da dizimação do grupo, entretanto, Masetti mandou executar três de seus membros alegando infrações disciplinares. O autor cita que um dos sobreviventes desse desastre notou que os três homens condenados eram judeus. Descobriu-se que Masetti, antes de seu alinhamento com o castrismo, foi membro de uma organização de extrema direta na Argentina, que era nacionalista e anti-semita.

O próprio grupo de Che na Bolívia teve um fim parecido. O que é mais notável sobre suas atividades ali foi a completa indiferença diante da situação política e social do país. Os mineiros de estanho, a força mais poderosa da revolução boliviana de 1951, estavam engajados em greves e confrontos contra o exército meses antes da chegada de Che no país. Em seu diário, ele simplesmente registrou esses fatos como parte do pano de fundo para sua própria atividade. Ele não tinha nenhuma perspectiva ou política para apresentar aos trabalhadores bolivianos. Quanto à classe camponesa boliviana, sua reação diante do inicio da luta armada não foi a de apoiar os guerrilheiros, mas, muito mais, de entregá-los aos militares.

Na Bolívia, os castristas contaram com o apoio do Partido Comunista pró-Moscou. Esse apoio nunca foi próximo e muitos culparam aos stalinistas e à burocracia de Moscou por condenarem as guerrilhas ao isolamento total e, possivelmente, até por fornecerem à inteligência dos EUA informação sobre onde se encontrava Che.

O que é plausível. O secretário-geral do PC boliviano à época, Monje, foi, ao que parece, um agente da KGB que mudou-se para uma residência fixa em Moscou pouco depois da morte de Guevara. Outra coisa que ficou clara com da biografia de Castaneda foi o extraordinário controle de todos principais Partidos Comunistas da América Latina por tais figuras, em muitos casos homens que tiveram papel direto no assassinato de Trotsky em 1940. Ele também esclareceu, através de documentos secretos oficiais dos arquivos soviéticos, como esses partidos eram financiados diretamente por Moscou. A burocracia soviética financiava verdadeiras agências políticas que tinham como propósito promover sua própria perseguição para a coexistência pacífica com Washington.

Mas, ao final nos deparamos com o fato de que tamanha traição não era tão necessária. A idéia que uma revolução seria feita por menos de duas dúzias de homens armados numa região onde eles não tinham antecedentes políticos, sem apoio ou ao menos um programa desenvolvido com perspectiva para ganhar tal apoio, foi condenada desde o início. É perceptível o caráter patético dessa aventura pelo fato de Guevara, em seus dias finais, quando cercado pelo exército boliviano, planejar recorrer a apoio internacional... Escrevendo cartas para Bertrand Russel e Jean Paul Sartre.


Cuba e a Quarta Internacional

A revolução cubana mostrou ser um ponto crucial na história da Quarta Internacional.

O Partido Socialista dos Trabalhadores (Socialist Workers Party, SWP), então seção americana, após dirigir a luta contra o pablismo em 1953, reunificou-se com esta tendência uma década depois, época em que ela era dirigida por Ernest Mandel. A reunificação foi baseada principalmente numa avaliação comum sobre o castrismo e o papel do nacionalismo pequeno-burguês. Eles determinaram, baseados na nacionalização de grande parte das forças produtivas de Cuba, que esta havia se tornado um Estado Operário. Além disso, eles trabalharam com a perspectiva de que o castrismo tornar-se-ia uma tendência internacional, criando uma nova direção revolucionária mundial da classe trabalhadora.

Essa perspectiva tinha implicações que iam muito além de Cuba. Como Trotsky havia salientado em relação ao debate sobre a definição do Estado soviético, em 1939-1940, por detrás de cada definição sociológica reside uma prognóstico histórico. Aceitar a designação de Cuba como Estado Operário era uma ruptura com toda concepção histórica e teórica da revolução socialista desenvolvida desde Marx.

Em Cuba, o poder caiu nas mãos do exército de guerrilheiros, que tinha nitidamente um caráter nacionalista pequeno-burguês, sem qualquer linha séria para os trabalhadores. Os próprios trabalhadores não desempenharam um papel significante na formação do novo regime, nem estabeleceram qualquer meio de exercer o controle democrático do Estado quando ele fora formado.

Designar tal regime como um “Estado Operário” trazia grandes conseqüências. Significou o abandono de toda a luta travada pelo movimento marxista para a independência política e organizativa da classe trabalhadora. Indicou, em sentido contrário, que o caminho para o socialismo seria através da subordinação da classe trabalhadora a direções nacionalistas. Seriam os castristas, os exércitos de guerrilheiros e outros nacionalistas enraizados na pequena-burguesia os que dirigiriam a revolução socialista, não a classe trabalhadora instruída e organizada por partidos da Quarta Internacional. Esse foi o prognóstico histórico central que se desdobrou das definições sociológicas, feitas pelos pablistas, de um Estado Operário em Cuba.

A perspectiva elaborada por Joseph Hansen do SWP em relação a Cuba foi feita sobre uma rude vulgarização do marxismo. Ele tomou como seu ponto de partida uma decisão anterior do movimento trotskista, de usar a definição altamente condicional e bastante temporária de “Estado Operário deformado” para a China e os estados-tampão do leste europeu.

Nessas discussões anteriores, o SWP — ainda não degenerado pelo pablismo — enfatizou o adjetivo “deformado”, para indicar que esses Estados eram historicamente inviáveis. Eles opuseram-se a tentativa de Pablo de usar essa definição como um meio de atribuir ao stalinismo um potencial revolucionário.

Hansen, no entanto, de forma ainda mais simplista que Pablo, começa a demonstrar como Cuba reuniu uma série de critérios abstratos — acima de tudo a nacionalização econômica — que supostamente a colocou na categoria de Estado Operário.

A classe trabalhadora não participou da revolução e não exerceu nenhum controle sobre o aparato do Estado depois dela. Mas esses fatos foram tomados meramente como um critério normativo menor que a revolução cubana ainda não havia desenvolvido, demonstrando que o progresso ainda estava por ser feito e que a defesa incondicional de Cuba, portanto, era ainda mais necessária.

Como escreveu Hansen no momento: “O governo de Cuba ainda não instituiu formas proletárias democráticas de poder como conselhos de trabalhadores, soldados e camponeses. Entretanto, por ter se movido numa direção socialista, provou possuir uma tendência democrática. Não hesita em armar o povo e preparar uma milícia popular. Tem liberdade de expressão garantida a todos os grupos que apóiam a revolução. A este respeito, se mantém em um contraste positivo diante dos outros estados não-capitalistas, que têm sido contaminados pelo Stalinismo.”

“Se fosse permitido à revolução cubana desenvolver-se livremente, sua tendência democrática sem dúvida a dirigiria rapidamente à criação de formas democráticas proletárias adaptadas às próprias necessidades de Cuba. Uma das mais fortes razões para apoiar vigorosamente a revolução, portanto, é a de dar a máxima possibilidade para que essa tendência se desenvolva.”

A realidade cubana, no entanto, era totalmente diferente do cenário rosa pintado por Hansen. Os trotskistas cubanos, por exemplo, foram brutalmente reprimidos, seus líderes presos e sua imprensa destruída. A ilha tem mantido, há muito tempo, um dos mais altos números de prisioneiros políticos de qualquer país no mundo, não poucos deles antigos camaradas de Castro no Movimento 26 de Julho.

De um ponto de vista teórico, o aspecto mais falso da avaliação de Hansen era sua sugestão que, se fosse dada a oportunidade, o regime de Castro “instituiria formas de poder democráticas e proletárias”, isto é: conselhos operários ou, usando o termo forjado na Revolução Russa, sovietes.

Tais órgãos de poder operário, entretanto, não são instituídos ou concedidos por um regime criado por pequeno-burgueses nacionalistas. Tais instituições criadas por Castro, Gaddafi ou Saddam Hussein, são nada mais que uma abertura ao regime bonapartista. Conselhos operários genuínos ou sovietes só podem ser criados pelos próprios trabalhadores, como um meio de organizar as massas, derrubando o capitalismo e estabelecendo um novo poder proletário de Estado.

Lenin e os bolcheviques não acabaram com os sovietes dos trabalhadores depois de tomar o poder. Particularmente, eles dirigiram a luta pelo poder através desses órgãos que o proletariado russo criou por si só, baseado no desenvolvimento de sua própria luta de classe e do avanço da consciência política de classe produzida pela longa intervenção dos marxistas russos.

Os pablistas adotaram a posição de que as nacionalizações de Castro e sua auto-proclamação como um marxista-leninista constituíram a confirmação da teoria da Revolução Permanente.

Realmente, Cuba, assim como muito outros países oprimidos no curso das décadas seguidas da Segunda Guerra Mundial, prouveram uma confirmação da Revolução Permanente, mas de forma negativa. Ou seja: onde não existia um partido revolucionário para a classe trabalhadora — portanto, as massas de oprimidos não possuíam uma direção —, representantes da burguesia nacional e da pequena-burguesia nacionalista intrometeram-se e impuseram sua própria solução. Nasser, Nehru, Perón, Ben Bella, Skharno, os Baathistas e, posteriormente, os fundamentalistas islâmicos no Irã e os sandinistas na Nicarágua, eram todos exemplos desse mesmo processo. Na prática, em todos esses casos foram realizadas nacionalizações.

Num documento enviado pela Liga Socialista dos Trabalhadores (Socialist Labour League, SLL) para o SWP em 1961, os trotskistas ingleses criticaram severamente a adulação de Hansen às lideranças pequeno-burguesas nacionalistas.

“Não é o trabalho dos trotskistas auxiliar a função de tais líderes nacionalistas” eles afirmaram. “Eles somente comandam o apoio das massas por causa da traição da direção social-democrata e, particularmente, da stalinista. Dessa forma eles tornam-se um amortecedor entre o imperialismo e as massas de operários e camponeses. A possibilidade de auxílio econômico da União Soviética os permite, muitas vezes, barganhar mais com os imperialistas, até mesmo possibilita que elementos mais radicais da liderança da burguesia e da pequena-burguesia ataquem propriedades imperialistas, conquistando apoio das massas. Mas, para nós, em todos os casos, a questão fundamental é a classe trabalhadora nesses países ganharem independência política através de um partido marxista, dirigindo os camponeses pobres para a construção dos sovietes e reconhecendo as ligações necessárias com a revolução socialista internacional. Em nenhum caso, em nossa opinião, os trotskistas deveriam ter esperança de que aquela direção nacionalista tornar-se-ia socialista.”

Aqueles familiarizados mais tarde com a degeneração do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (Workers Revolutionary Party, WRP) sabem que essa passagem depõe diretamente contra a linha que Healy, Banda e Slaughter começariam a seguir, apenas uma década mais tarde, em relação à OLP (Organização para Libertação da Palestina) e vários regimes árabes. Isso demonstra apenas a sutileza da análise e o fato de que o ataque revisionista à Quarta Internacional estava fundamentado em forças objetivas de classe. Tendo abandonado a luta contra o pablismo, a direção da seção inglesa estava prestes a ser vítima das mesmas forças de classe que fatalmente minaram o SWP.

O desdobramento da definição de Cuba como um Estado Operário e sua revolução como uma nova estrada para o socialismo, foi a renúncia de toda a perspectiva da Revolução Permanente. A classe trabalhadora já não teria mais que desempenhar a função de direção nos países atrasados e nem lutar pelo desenvolvimento de sua consciência socialista. Pelo contrário, grupos de guerrilha, apoiando-se em camponeses, trariam o socialismo sem os trabalhadores e, até mesmo, apesar dos trabalhadores.

Isso marcou a rejeição da mais essencial fundamentação do marxismo. A luta pelo socialismo era separada do proletariado. A emancipação da classe trabalhadora já não seria mais obra da própria classe trabalhadora. Ao contrário, esta classe tornou-se muda espectadora das ações de heróicos guerrilheiros.

Analisando deste ponto de vista, é possível compreender claramente a base de classe desta longa obsessão de toda a esquerda pequeno-burguesa por Fidel Castro. O que eles vêem em Castro é a habilidade da pequena-burguesia dominar a classe trabalhadora e executar uma função aparentemente independente. Cuba, para eles, serviu como prova de que a esquerda intelectual, os estudantes ou a classe média radicalizados não têm de subordinar-se à classe trabalhadora e à longa e dura luta pelo desenvolvimento da consciência socialista entre os trabalhadores. Preferencialmente, eles revolucionariam a sociedade pela sua própria atividade espontânea.

Combatendo esse ataque revisionista ao marxismo, a SLL levou a discussão a respeito de Cuba às questões metodológicas mais fundamentais. Isso demonstrou que o SWP estava engajado naquilo que Trotsky chamou de “culto ao fato consumado”, adaptando-se, assim, à realidade determinada pela estrutura social existente e às formas burguesas de consciência que prevalecem amplamente entre as massas de trabalhadores e oprimidos. Esses fatores foram tomados como objetivos e determinantes, completamente separados da consciência de luta pelo partido revolucionário do proletariado.

O método do SWP era uma contemplação passiva desses “fatos” e uma adaptação às direções existentes, em busca daquilo que aparentava oferecer a perspectiva mais imediata de sucesso político. Dessa forma, eles tornaram-se apologistas dessas direções, justificando todas suas ações com o argumento: “O que mais eles poderiam ter feito sob as circunstâncias dadas?” Essas “circunstâncias”, entretanto, sempre excluíram a luta consciente dos trotskistas para mobilizar independentemente a classe trabalhadora, baseados em seu próprio programa socialista internacionalista.

A SLL defendeu as conquistas teóricas feitas pelo movimento trotskista na luta contra o Stalinismo. Insistiu que as experiências estratégicas da época imperialista como um todo demonstravam que as lideranças alheias à classe trabalhadora não eram capazes de levar adiante, completamente, a luta pela libertação da opressão imperialista e do atraso nos países coloniais e semi-coloniais.

Essas lutas poderiam ser completadas somente com a conquista do poder pela classe trabalhadora e a extensão da revolução socialista mundial. A principal tarefa que sobrevém desta análise é a construção de partidos revolucionários da classe trabalhadora, baseados na luta contra todas as tendências oportunistas, particularmente a stalinista, que tentou subordinar a classe trabalhadora ao nacionalismo e às direções nacionalistas.

Acima de tudo, o pablismo negou que a realização da revolução socialista requeria o desenvolvimento de um alto nível de consciência política socialista nas seções dirigentes da classe trabalhadora. A consciência política dos trabalhadores era, no plano pablista das coisas, um assunto indiferente. Quando a classe trabalhadora era vista relacionada com a revolução socialista, era meramente como uma força objetiva liderada e manipulada por outros.

A resolução redigida pelos pablistas após a reunificação com o SWP esclareceu as implicações políticas das revisões teóricas desenvolvidas com a questão cubana. Lá é afirmado o seguinte: “A fraqueza do inimigo permitiu a ascensão ao poder mesmo com instrumentos embotados” . Em outras palavras, Estados Operários poderiam ser estabelecidos mesmo sem a construção de partidos da classe trabalhadora.

Nesses países, declararam eles, e particularmente na América Latina, as condições de pobreza abundante e a relativa fraqueza das estruturas do Estado burguês “criaram situações nas quais a falta de uma onda revolucionária não dirige automaticamente a uma relativa ou mesmo temporária estabilização social ou econômica. Uma sucessiva luta de massas aparentemente inesgotável continua... A fraqueza do inimigo oferece à revolução muitos meios de recuperação das derrotas temporárias ocorridas nos países imperialistas.”

Essa foi uma distorção grosseira da teoria da Revolução Permanente de Trotsky. Quando Trotsky apontou a fraqueza da burguesia na Rússia czarista, não o fez tomando uma espécie de vazio atemporal, mas particularmente em relação à dominação do imperialismo por um lado e a força objetiva, por outro, dos poucos, mas concentrados, operários russos. A burguesia nunca foi tão fraca fraca diante da democracia pequeno-burguesa. Era fraca ao confrontar um jovem proletariado guiado por uma direção revolucionária.

Os pablistas, entretanto, rejeitaram o papel do proletariado industrial e delegaram a tarefa da revolução somente às forças pequeno-burguesas.

Suas teorias de “instrumentos embotados” e “lutas de massas inesgotáveis” foram elaboradas às vésperas do primeiro golpe — liderado pelo General Castelo Branco, no Brasil — em uma série apoiada pelos EUA, que mergulharia a América Latina numa década de apavorante repressão, cuja sombra ainda paira sobre o continente.

Os pablistas não só falharam na preparação da classe trabalhadora a esses acontecimentos, eles ajudaram a facilitá-los ao insistir que a revolução poderia ser dirigida por outras forças que não a da classe trabalhadora e ao apoiar a perspectiva castrista de ações armadas por grupos de guerrilheiros isolados.


O pablismo e a crise da direção

Por que o castrismo se tornou tamanho pólo de atração na América Latina? Enquanto as condições sobre a guerra de guerrilha apresentadas por Guevara no continente talvez já tenham se provado falsas, havia uma coisa que os países latino-americanos compartilhavam. As lideranças dominantes dentro da classe trabalhadora, particularmente os partidos comunistas stalinistas, não ofereciam qualquer saída sob condições de crescente crise revolucionária.

A “nova realidade” que os pablistas celebravam, a do ascenso de uma tendência radical nacionalista liderada pela pequena-burguesia, como o castrismo, era essencialmente a manifestação da crise não solucionada da direção revolucionária dentro da própria classe trabalhadora. Ainda assim, eles a apresentavam como a solução para essa crise, negando o objetivo estratégico da Quarta Internacional. Abandonando uma orientação independente para a classe trabalhadora e a luta para construir um partido que pudesse esmagar a dominação da burocracia, eles reduziram a Quarta Internacional ao papel de auxiliar os nacionalistas pequeno-burgueses e stalinistas, engenhosamente os influenciando e empurrando para a esquerda.

Como essa perspectiva se realizou na prática? Em 1968, os pablistas organizaram seu Nono Congresso, imediatamente após o fiasco de Guevara na Bolívia e às vésperas de grandes embates de classe na América Latina. Eles instruíram, então, os partidos latino-americanos filiados ao Secretariado Unificado a abandonarem a classe trabalhadora e se engajarem na guerra de guerrilha.

Como afirmava o documento do congresso: “Mesmo no caso de países onde podem ocorrer primeiramente grandes mobilizações a partir de conflitos perpetrados pelas classes urbanas, a guerra civil tomará formas variadas, nas quais o principal eixo por todo um período será a guerrilha rural, um termo cujo principal significado é militar-geográfico e que não implica numa composição exclusivamente (ou mesmo predominantemente) camponesa.”

A resolução continua: “A única perspectiva realista para a América Latina é aquela da luta armada, que pode durar muitos anos. A preparação técnica não pode ser concebida como mero aspecto do trabalho, mas como o aspecto fundamental em escala internacional e um dos aspectos fundamentais naqueles países onde mesmo as condições mínimas ainda não existam.”

Não seriam possíveis instruções mais explícitas. Caso qualquer um nas seções latino-americanas nutrisse dúvidas sobre a existência de apoio suficiente entre o campesinato, ou de condições políticas necessárias para ensaiar um levante no campo, a resolução assegurava que não era necessário qualquer apoio camponês e que a situação política era outro assunto. Tudo o que se fazia necessário eram “preparações técnicas” para a luta armada.

O resultado foi a liquidação política e a aniquilação física dos líderes guerrilheiros dirigidos pelos pablistas na América Latina.

Na Argentina, por exemplo, a seção oficial do Secretariado Unificado se reconstituiu como o ERP antes de romper formalmente com os pablistas. Engajou-se no seqüestro de executivos por dinheiro de resgate, simplesmente adicionando a isso reivindicações por maiores salários e melhores condições para os trabalhadores.

Qual foi o efeito de tais ações? Essencialmente, os trabalhadores foram ensinados que não era seu papel levar adiante a luta para pôr fim ao capitalismo. Eles deveriam meramente servir como gratos espectadores, enquanto heróicas guerrilhas armadas faziam o trabalho por eles.

No Chile, os trabalhadores conduziram uma forte ofensiva, ulteriormente estrangulada pelo governo da Unidade Popular de Allende, cujas políticas pavimentaram o caminho para a ditadura de Pinochet. Na Argentina, o “Cordobazo”, de 1969, durante o qual os trabalhadores de Córdoba tomaram o controle da cidade, inaugurou uma ofensiva prolongada que foi suprimida pelos peronistas e aniquilada, em seguida, pela ditadura de Videla. Na Bolívia, os mineiros se levantaram repetidamente apenas para serem subordinados por suas lideranças a uma suposta seção esquerdista e nacionalista dos militares, controlada pelo General Torres. Previsivelmente, Torres logo entregou o poder aos seus colegas mais tradicionais, que conduziram uma impiedosa repressão aos trabalhadores bolivianos.

Os pablistas, com sua virada em direção ao castrismo, abandonaram tanto a classe trabalhadora quanto a luta para libertá-la da dominação das velhas burocracias. Da mesma forma como Castro havia supostamente confirmado a teoria da Revolução Permanente, agora ele também havia tornado tal luta algo supérfluo.

O SWP de Hansen afirmou essa tese com seu habitual cinismo e aspereza, proclamando que Castro havia superado o papel contra-revolucionário do stalinismo.

“Incapaz de alvejar o obstáculo stalinista, a revolução regrediu uma distância considerável e tomou um desvio. O desvio nos levou a alguns terrenos muito difíceis, incluindo a Sierra Maestra de Cuba, mas está claro, agora, que o bloqueio stalinista está sendo contornado.

“Não é necessário pedir liderança a Moscou. Essa é a principal lição a ser retirada da experiência cubana... Para finalmente quebrar a hipnose do stalinismo, se tornou necessário percorrer de quatro as selvas de Sierra Maestra.”

Tal conclusão tinha implicações políticas definidas que se estendiam para muito além de Cuba. Se alguém podia simplesmente “contornar o bloqueio stalinista” pelos meios da guerra de guerrilha liderada por nacionalistas pequeno-burgueses, a difícil e prolongada luta conduzida pela Quarta Internacional para quebrar o estado de choque que o stalinismo mantinha sobre a classe trabalhadora não era apenas supérflua, mas também contra-produtiva.

O resultado final dessa perspectiva não foi quebrar, mas sim fortalecer o controle do stalinismo sobre o movimento dos trabalhadores nos países oprimidos e particularmente na América Latina. Ela ajudou a desviar toda uma geração de jovens latino-americanos do foco da luta com a classe trabalhadora. A virada em direção ao guerrilheirismo representou um favor aos stalinistas e outras direções burocráticas. Isolou os elementos mais revolucionários entre a juventude, assim como uma parte dos trabalhadores radicalizados, fortalecendo, assim, o próprio controle da burocracia sobre o movimento dos trabalhadores.

Em última instância, a adaptação dos pablistas ao nacionalismo pequeno-burguês ajudou a assegurar que a classe trabalhadora não tivesse qualquer liderança revolucionária ao passo em que entrava em seus principais conflitos de classe no final da década de 1960 e início da de 1970. As aventuras guerrilheiras que promoveram deram aos militares e ao imperialismo o pretexto para impor a ditadura. Dessa maneira, a tendência revisionista atuou com um papel crucial, preparando as mais sangrentas derrotas já sofridas pelos trabalhadores da América Latina.


Balanço do guerrilheirismo

Qual foi o destino dos movimentos guevaristas-castristas que os pablistas proclamaram como os novos instrumentos da revolução socialista? Traçar uma evolução concreta é expor o caráter de classe desses movimentos desde suas origens.

O FALN da Venezuela foi um dos principais movimentos guerrilheiros da década de 1960, formado com suporte cubano. Citemos uma declaração dada por um dos líderes desse movimento durante o período.

“Quando falamos da libertação da Venezuela queremos dizer da libertação de toda a América Latina; não reconhecemos fronteiras na América Latina. Nossas fronteiras são fronteiras ideológicas. Nós interpretamos a solidariedade internacional de uma maneira verdadeiramente revolucionária e estamos, portanto, comprometidos em lutar, lutar contra o imperialismo até que ele não mais exista; estamos comprometidos em não baixar nossas armas até que o imperialismo norte-americano em particular seja reduzido à impotência.”

O autor dessas linhas é Teodoro Petkoff. Ele, desde então, não apenas baixou suas armas, como se tornou Ministro do Planejamento da Venezuela e principal quadro responsável pela implementação dos programas de austeridade do FMI. Da proclamação de solidariedade internacional e da luta até a morte contra o imperialismo Yankee, Petkoff se engajou no corte de salários e privatização de empresas estatais, almejando a competição com outras economias capitalistas da região por investimentos transnacionais. Espera-se que ele surja como o candidato líder na eleição presidencial venezuelana deste ano [1998].

O seu caso é representativo. No Uruguai, a guerrilha Tupamaro é hoje parte da Frente Ampla, uma frente eleitoral burguesa que administra as condições sociais em desintegração na capital Montevidéu. O movimento M-19 conseguiu um trato com o governo colombiano, que não só assegurou aos seus líderes cargos no parlamento, mas permitiu que seus membros trocassem suas armas por pequenos empréstimos empresariais.

No começo da década de 1980, o regime de Castro e seus apoiadores afirmava que a América Central, com a tomada de poder pelos sandinistas nicaragüenses e a erupção da guerra civil em El Salvador, oferecia uma nova comprovação de sua perspectiva.

Que se tornaram todos esses movimentos? Os sandinistas, o FMLN em El Salvador, o URNG na Guatemala, todos fizeram pactos com as forças responsáveis pelo assassinato de centenas de milhares de trabalhadores e camponeses. Castro intermediou as negociações dos pactos de Contadora e Esquipulas, que consolidaram o poder nas mãos de facções da burguesia apoiadas pelos EUA, ao mesmo tempo fazendo dos líderes dos assim chamados movimentos de liberação deputados parlamentares, oficiais militares e policiais dos novos regimes. Todos esses grupos se dividiram em diversas facções, denunciando uns aos outros, com grande justificação, por traição política e corrupção financeira.

Enquanto isso, as massas da região se encontram em condições de pobreza e opressão que são tão ruins quanto ou ainda piores que aquelas que deram sustentação aos levantes revolucionários na região há 20 anos atrás. O efeito resultante dos movimentos nacionalistas pequeno-burgueses influenciados pelo castrismo foi o de semear a desmoralização na camada mais militante dos trabalhadores, da juventude e dos camponeses.


Cuba hoje

E Cuba? Qual foi o resultado final do novo caminho para o socialismo que o regime de Castro e os revisionistas pablistas tanto proclamaram há 35 anos?

Por 30 anos a ilha sobreviveu graças a grandes subsídios da burocracia de Moscou. Como dizem tanto os apoiadores de Castro quanto as estimativas dos EUA, os subsídios econômicos vindos da União Soviética constituíram um montante de algo entre 3 e 5 bilhões de dólares anuais. O mecanismo dessa ajuda foi a compra, pelo bloco soviético, de produtos agrícolas cubanos, particularmente açúcar, por preços superiores - em até 12 vezes - aos do mercado, assim como a venda de petróleo por preços inferiores. Com base nesse arranjo, Cuba chegou ao ponto de comprar açúcar da vizinha República Dominicana, e revender o petróleo no mercado mundial para obter moeda forte.

A dependência dos subsídios soviéticos teve o efeito de solidificar a monocultura de açúcar em Cuba, a base histórica de seu atraso e opressão. Da mesma forma como antes da revolução de 1959, as exportações de Cuba - uma parcela de 83 por cento delas destinada à URSS e Europa Oriental - consistiam em açúcar, tabaco, níquel, peixe e outras poucas commodities agrícolas. Do bloco soviético, Cuba importava bens de consumo manufaturados e maquinaria, sem mencionar uma grande parte dos seus alimentos.

Nenhum ajuste ou mudança abrupta na política econômica ditada pelo infalível “líder máximo” Fidel Castro mudou essa relação essencial. No final, as reformas substanciais conquistadas pelo povo cubano nas áreas da saúde, educação e nutrição foram sustentadas através desses subsídios. Agora que o regime se volta ao investimento estrangeiro direto, as reformas estão sendo sistematicamente retalhadas.

Castro entrou numa barganha faustica com a burocracia soviética, na qual ele funcionou como o peão das relações EUA-URSS em troca de subsídios soviéticos. Inevitavelmente, o diabo veio receber a parte que lhe cabia.

A dissolução da URSS anunciou uma catástrofe econômica para Cuba. A resposta do regime de Castro foi promover maiores investimentos estrangeiros e permitir o ascenso de uma crescente estratificação social dentro da própria Cuba.

O Ministro do Exterior, Roberto Robaina, explicou a política econômica de Cuba recentemente numa entrevista com o jornal estatal Granma: “Em Cuba o que se dá é uma abertura econômica com garantias totais a investidores estrangeiros... a abertura é estratégica e está se alargando e aprofundando a cada dia...

“Mitsubishi Motors, Castrol, Unilever, Sherrit Gordon, Grupo Sol, Total, Melia Hotels, Domos, ING Bank, Rolex, DHL, Lloyds, Canon, Bayer, todos esses são nomes de sucesso no universo dos negócios e estão em Cuba. Algumas dessas firmas têm o maior capital do mundo e elas colocaram sua confiança em nós.

“Facilidade de investir capital, segurança e respeito, garantias de repatriação de lucro, disponibilidade de pessoal com um alto nível de excelência, acomodação, desejo de ir em frente, seriedade nas negociações e lealdade de seus parceiros cubanos, esses são alguns dos elementos mais apreciados por aqueles que escolheram se juntar a Cuba...”

Apesar dele não dizer no Granma, o ponto é indubtavelmente direcionado a estes investidores, que obtêm a mais barata mão-de-obra do hemisfério e têm a garantia de um ambiente livre de greves, graças ao estado policial com treinamento stalinista.

O regime de Castro habitualmente afirma que o investimento capitalista estrangeiro foi procurado pelo propósito de salvar as “conquistas sociais” da Revolução Cubana. A realidade é que o regime de Castro, assim como regimes burgueses em todo o antigo mundo colonial, está engajado em vender mão-de-obra barata às multinacionais.

No caso de Cuba, isso é feito de forma extremamente direta e centralizada. A força de trabalho cubana é alocada para as corporações estrangeiras em troca de moeda forte paga ao governo cubano. O governo contrata os trabalhadores necessários que recebem uma fração desse montante na forma de pesos, a moeda local. As companhias estrangeiras têm total controle no que concerne à demissão de trabalhadores.

O crescimento da desigualdade social é alimentado pela florescente economia do dólar. A maior fonte de reservas estrangeiras hoje é o dinheiro enviado por exilados, fixados principalmente nos EUA, aos seus parentes em Cuba. Que se pode dizer de uma “revolução” que é economicamente dependente daqueles que ela recentemente chamou de “gusanos” contra-revolucionários, ou vermes?

Outra moeda forte entra no país através do crescimento da indústria turística, que o regime de Castro tornou peça central em seu planejamento econômico. O resultado é aquilo que alguns em Cuba descreveram como apartheid turístico. Novos hotéis, restaurantes, lojas foram erguidas, reservadas apenas aos estrangeiros, com cubanos comuns barrados. A prostituição vai ao extremo. A imensa maioria da população vive em condições de pobreza.

O regime Castro põe a culpa de todos os problemas econômicos da ilha no embargo dos EUA. Sem dúvida a política dos EUA é um brutal e irracional exercício de poder imperialista contra um pequeno país oprimido. Mas essa política esteve em vigor por 35 anos. Nesse tempo, Cuba teve relações econômicas com praticamente todo outro país importante no mundo.

A crise cubana é fundamentalmente o desenrolar do caráter burguês da própria revolução, que falhou em resolver quaisquer problemas históricos da sociedade cubana. Em vez disso, as contradições foram encobertas com grandes subsídios da burocracia soviética.

Poucos países viram tamanho êxodo de refugiados. Nos primeiros anos da revolução, esses consistiam majoritariamente na burguesia e camadas mais privilegiadas da classe média. Mas aqueles que fugiram em jangadas e câmaras pneumáticas em 1980 e 1990 estavam motivados pelas mesmas forças que puseram milhares em fuga do Haiti, México e outros países: o desejo de escapar da fome e opressão.

Sobre essas condições se baseia um regime que sufoca as aspirações das massas de trabalhadores cubanos. Castro governa através de uma ditadura política organizada em linhas militares. A instituição essencial do estado são as forças armadas, que controlam a maior parte dos empreendimentos econômicos cubanos.

Castro está sacralizado na constituição cubana como presidente pelo resto da vida. Opor-se a ele é, portanto, não apenas algo “contra-revolucionário”, mas inconstitucional. Ele é tanto chefe de estado e do governo ao mesmo tempo, quanto primeiro secretário do Partido Comunista e comandante-chefe das forças armadas. Em suma, todo o poder está concentrado em suas mãos e ele impõe seu jugo pessoal sobre cada decisão significativa. Com Castro agora em seus 70 anos, a sucessão começa a se tornar uma questão cada vez mais forte. Seu irmão Raul ocupa todos os postos secundários no governo, forças armadas e partido.

Na medida em que Cuba é identificada com o socialismo — algo que é, por um lado, promovido pelos imperialistas e, por outro, pelo regime de Castro e seus aduladores da esquerda pequeno-burguesa — tem o efeito de desacreditar a concepção de uma alternativa socialista ao capitalismo, particularmente na América Latina.

...


Notas
1. Ano da unificação de alguns setores do CI, liderados pelo SWP, com os pablistas do SI. A base principal de tal unificação oportunista foram os “novos fatos” da Revolução Cubana.

2. Leon Trotsky, Writings of Leon Trotsky 1939-40, (New York: Pathfinder Press, 1973), p. 202
3. Documents of the Fourth International: The Formative Years 1933-40 (New York: Pathfinder, 1973), p. 394
4. Falange Espanhola foi o único partido político legalmente reconhecido durante a ditadura de Francisco Franco, na Espanha.

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