Extraído do livro Introdução ao Marxismo. Traduzido por Gustavo Henrique Lopes Machado, a partir do texto em espanhol disponível em: http://www.ernestmandel.org (grifo meu)
1. O Movimento Universal
Da sociedade primitiva sem classes, a humanidade passou a sociedade dividida em classes; esta da lugar a sociedade socialista sem classes do futuro. Os modos de produção sucedem-se. Inclusive antes de desaparecerem, estão submetidos a constantes mudanças. A classe dominante de hoje é muito diferente da classe proprietária de escravos que dominava o Império romano. O proletariado contemporâneo é por sua vez diferente do servo medieval. Entre um pequeno fabricante do inicio do século XIX, e o senhor Rockefeller o chefe do truste Rhóne-Poulenc de hoje, há todo um mundo de diferenças. Tudo muda, tudo está em perpetuo movimento.
Este movimento universal podemos encontra-lo em todos os níveis da realidade, e não somente na história das sociedades humanas. Os indivíduos mudam, submetidos a um destino inexorável. Nascem, crescem, tornam-se adultos, depois começam a envelhecer e finalmente morrem. Este destino aflinge tantos as espécies vivas como os indivíduos. A espécie humana não existiu sempre. Espécies que povoaram outrora nosso planeta como os répteis gigantes da época terciária, desapareceram. Outras espécies de animais e vegetais desaparecem atualmente diante de nossos olhos, em parte resultado de perturbações anárquicas que o modo de produção capitalista tem provocado na ecologia terrestre.
Nosso planeta, por sua vez, não tem vida eterna e não existiu sempre. A segunda lei da termodinâmica, a lei sobre a perda de energia, condena-o inexoravelmente a desaparecer um dia. Nasceu de uma constelação interplanetária que não é nada mais que uma das inumeráveis constelações análogas do universo.
O movimento, a evolução universal, governa toda existência. Esta é material. E a base da matéria são os átomos que por sua vez são compostos por partículas ainda mais pequenas. A combinação de átomos constituem as moléculas, que formam entre elas os diferentes elementos básicos da crosta terrestre e da atmosfera. O oxigênio e o hidrogênio, em uma combinação determinada – H2O - constituem a água. Outra moléculas formam as bases sobre as quais se estabelecem a formação dos metais, os ácidos, as bases.
A evolução da matéria inorgânica deu lugar, deste modo, ao nascimento da matéria orgânica, quando se deram as condições determinadas. Os aminoácidos formam as proteínas. Isto desencadeou a evolução das espécies vivas, vegetais e animais. No curso desta evolução nascem os seres vivos superiores, os mamíferos, dos que fazem parte, os símios, de onde nasceria a espécie humana.
2. A Dialética, lógica do movimento
Posto que o movimento universal caracteriza toda a existência, pode-se dizer que existem traços comuns entre o movimento da matéria (da natureza), o movimento da sociedade humana, e o movimento de nossos conhecimentos (da ciência, do espírito humano). Assim sendo, a dialética de Marx e Engels pretende reunir estes traços comuns do movimento universal.
A dialética, a lógica do movimento, se manifesta em três níveis:
A dialética da natureza, dialética completamente objetiva, ou seja, independente de projetos, das intenções ou das motivações do homem e que não afeta diretamente a história dos homens. Isto não exclui que com o desenvolvimento das forças produtivas, a humanidade possa utilizar leis da natureza para remodelar seu meio natural.
A dialética da história, dialética amplamente objetiva em princípio, mas que contem uma mudança revolucionária segundo a execução de um projeto preestabelecido, embora a elaboração e realização deste projeto está ligada a condições materiais, objetivas, preexistentes, independentes da vontade dos homens;
A dialética do conhecimento (do pensamento humano) que é a dialética objeto-sujeito por excelência, uma interação constante entre os objetos a conhecer (os objetos de cada uma das ciências) e a ação dos sujeitos que tratam de conhece-los, e que estão condicionados por sua situação social, os meios de investigação herdados e a transformação destes meios pela ação social cotidiana, etc.
Na medida que o descobrimento da dialética objetiva é ela propria uma fase na história do conhecimento e do pensamento humano (a dialética, tal qual concebemos hoje, foi elaborada por filósofos gregos como Heráclito, posteriormente retomada por Spinosa e aperfeiçoada por Hegel) poder-se-ia cair na tentação de referir toda dialética à dialética objeto-sujeito. Isso seria um erro. É claro que tudo que sabemos, compreendido o que concerne à dialética da natureza, sabemos por intermédio de nosso cérebro e de nossas idéias, de nossa práxis social, determinada por nossas condições de existência social. Este fato evidente, entretanto, não impede que possamos saber – e verificar e ver confirmado por múltiplas provas práticas – que a vida é mais velha que o pensamento humano; que o universo é mais velho que a terra; que todo este movimento é independente da ação e da existência do homem; que o mesmo pensamento humano é produto deste movimento. É este o sentido preciso que tem a noção: “dialética materialista objetiva”.
Ou melhor, na medida em que nossos conhecimentos se aperfeiçoam e tornam-se cada vez mais científicos, na medida em que se aproximam da realidade (uma identidade total do conhecimento e da realidade é impossível, já que a última encontra-se em contínua mudança) seu passo seguirá cada vez mais o movimento contínuo da matéria. A dialética do nosso pensamento científico, a dialética materialista, pode apreender o real justamente porque o seu próprio movimento corresponde cada vez mais ao movimento da matéria, graças à prática social que expressa uma dominação crescente das forças da natureza, uma vez que as leis do conhecimento e do aprendizado espiritual do real correspondem cada vez mais às leis que governam o movimento universal da realidade objetiva.
É necessário explicitar uma diferença importante entre o desenvolvimento das ciências naturais e o desenvolvimento das ciências sociais ( dos conhecimentos que se referem a tudo que tem a vida social como objeto de investigação, compreendendo neles nosso conhecimento sobre as origens e a dialética do desenvolvimento de todas as ciências , incluídas as ciências naturais). O desenvolvimento das ciências naturais está também determinado social e historicamente.
Os homens, incluindo os gênios mais intrépidos, não podem considerar e resolver nada mais que um certo número de problemas científicos em cada época. São condicionados pelas idéias e educação recebidas. Os novos problemas nascem neste contexto, relacionados às transformações materiais, especialmente as do trabalho, dos instrumentos de trabalho, dos instrumentos de investigação científica, etc. Mas trata-se de uma determinação indireta, não mediatizada de modo imediato por interesses materiais de classe. Não pode-se contrastar teorias científicas que assentem sobre provas experimentais referindo-se à origem social ou posições políticas dos sábios que as formularam. Não é possível contrastá-las senão em relação a outras teorias científicas experimentalmente comprovadas e que melhor se aproximam a uma realidade complexa.
É diferente o que ocorre com as ciências sociais. Estas tocam de muito mais perto a organização e estrutura da sociedade de classes. O peso das idéias recebidas e herdadas é tanto maior quando estas não são mais do que expressão, no plano ideológico, de interesses, seja da conservação social, seja da revolução social, interesses que se referem, em definitivo, a posições de classes antagônicas.
Sem querer transformar os filósofos, os historiadores, os economistas, os sociólogos, os antropólogos, em “agentes” deliberados desta ou daquela classe social, empenhados em uma “conspiração” seja para defender a ordem estabelecida ou para “organizar a subversão”, é evidente que a determinação social do desenvolvimento das ciências sociais é muito mais direta e imediata que o das ciências naturais. No mais, o objeto das ciências sociais, pela força das coisas, está imediatamente determinado pela estrutura e pela história das sociedades a que se referem os fatos, o que não sucede com as ciências naturais.
3. Dialética e Lógica Formal
A dialética, a lógica do movimento, se distingue da lógica formal ou a lógica estática. A lógica formal assenta em três leis fundamentais:
A lei da identidade: “A” é igual a “A”; uma coisa permanece igual a si mesma.
Lei da contradição: “A” é diferente de “não-A”; “A” não pode ser igual a “não-A”.
Lei do terceiro excluído: ou “A” ou “não-A”; nada pode ser nem “A” e nem “não-A”.
Um momento de reflexão permite concluir que o que caracteriza a lógica formal é o intento de deter o movimento, a mudança. Todas as leis que acabamos de enumerar são verdadeiras, desde que se faça abstração do movimento. “A” permanece igual a si mesmo e portanto não muda. “A” é diferente de “não-A” e portanto não se transforma em seu contrário. Existe ou “A” ou “não-A”, portanto não tem um movimento que combina “A” com “não-A” , etc. Ante fatos como a transformação da lagarta em borboleta e do adolescente em adulto, a lei da identidade revela-se insuficiente.
O fato de fazer uma abstração do movimento, da transformação, das mudanças é util dependendo do pondo de vista. Primeiro para poder estudar os fenômenos de maneira isolada e continua, o que permite sem dúvida alguma aprofundar no estudo deste fenômenos. Depois, do ponto de vista prático, quando as mudanças que se produzem são de natureza infinitesimal e podem ser desconsideradas.
Se compro 1 kilo de açúcar empacotado em um supermercado, a igualdade estabelecida pela balança, um kilo de açúcar = um kilo, é válida para mim, tendo em conta o fim prático da compra. Porém, para poder adoçar o meu café, pouco importa se o peso real de tal pacote é de 1 kilo ou 999 gramas. Diferenças deste tipo podem ser desconsideradas do ponto de vista prático.
Por isso, a lógica formal continua válida tanto na teoria quanto na prática. Por isso, a dialética materialista não recusa a lógica formal, senão que a integra, a considera como instrumento de analise e conhecimento válido – mas validade em condições que seus limites sejam estabelecidos: é inaplicável a fenômenos de movimento e processos de mudança. Na presença de tais fenômenos, o o recurso são as categorias da dialética, a lógica do movimento, categorias diferentes das que a lógica formal, nos coloca.
O movimento é, por sua natureza, uma passagem, uma ultrapassagem. A partir de um ponto de vista estático, um objeto não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo (mesmo sendo um movimento infinitamente curto). Partindo de um ponto de vista dinâmico, o movimento de um objeto é precisamente seu passo de um ponto a outro.
A dialética estuda as leis do movimento e as formas que adota. Examinaremos abaixo dois aspectos: o movimento, função da contradição; o movimento, função da totalidade.
Todo movimento é sempre causado. A causalidade é uma das categorias fundamentais da dialética, como é em qualquer ciência. Negar a causalidade é, em definitivo, negar a possibilidade do conhecimento.
A causa última de todo movimento, de toda mudança são as contradições internas do objeto que muda. Todo objeto, todo fenômeno, muda, modifica-se, transforma-se sob o efeito de suas contradições internas, e das contradições que surgem com suas relações com outros fenômenos (contradições) do sistemas de objetos. Neste sentido chamamos com freqüência, e a justo título, a dialética de ciência das contradições. Lógica do movimento e lógica das contradições são definições praticamente idênticas de dialética.
Na análise de qualquer objeto, de qualquer fenômeno ou de qualquer conjunto de fenômenos deve permitir, em conseqüência, determinar quais são os elementos que constituem a contradição, a dinâmica desencadeada por estas contradições.
Assim nós temos indicado até que ponto a luta de classes resultante da existência de classes antagônicas, governa o movimento da história das sociedades divididas em classes. De um modo mais amplo , englobando de uma vez a sociedade primitiva sem classes, a sociedade dividida em classes e a sociedade socialista futura, podemos dizer que as contradições entre o nível alcançado, em certas épocas, pelo desenvolvimento das forças produtivas (o nível de dominação do homem sobre a natureza) e as relações de produção nascidas, em última analise, de níveis de desenvolvimento anterior a estas mesmas forças produtivas, governa toda evolução da humanidade.
Simplificando, e esquematizando de maneira excessiva, podemos indicar as seguintes leis do movimento, ou as formas principais que adota, e que proporcionam categorias fundamentais da lógica dialética, ou a lógica do movimento:
A unidade, a interpenetração e luta de contrários: Fala-se sobre movimento, sobre contradição. Por contradição entende-se a coexistência de elementos opostos uns com os outros, que leva a coexistência e luta entre este elementos. Com homogeneidade integral, na ausência total de elementos que se oponham uns aos outros, não há contradição, não há movimento, não há vida, não há existência. A existência é constituída pela unidade, interpenetração e luta de contrários, em outra palavras, pelo movimento. A existência destes elementos contraditórios incluído sua coexistência em uma totalidade estruturada. Neste conjunto cada um destes elementos tem seu lugar, e a luta entres estes elementos tente a romper este conjunto. O capitalismo não é possível sem a existência simultânea entre capital e trabalho assalariado, da burguesia e do proletariado. Uma coisa não pode existir sem a outra. Mas isto não significa em absoluto que uma coisa não possa rechaçar a outra, e que o proletariado não trate de suprimir o capital e o regime salarial, tentando superar o capitalismo.
Mudanças quantitativas e mudanças qualitativas: O movimento toma a forma de mudanças mantendo as estruturas (a qualidade) dos fenômenos. Neste caso dizemos que as mudanças qualitativas são pequenas. A partir de um determinado “limite”, a mudança quantitativa se transforma em mudança qualitativa. Neste “limite” a mudança além de ser gradual, se efetua por um “salto”, uma nova qualidade aparece. Uma pequena vila pode transformar-se gradualmente em uma grande cidade, ou em um povoado, ou ainda em uma pequena cidade. Mas entre um povoado em uma vila não existe apenas diferenças de qualidade (população, espaço construído etc...). Existe também diferenças de qualidade. A atividade profissional da maioria dos habitantes se modificou. No lugar de agricultores são operários e empregados que prevalecem. Nasceu um novo meio social, com novos problemas sociais que não existiam em absoluto no povoado; por exemplo, os transportes comunitários. Aparecem novas classes sociais, com novas contradições entre elas.
Negação da negação e superação: Todo movimento tende a produzir a negação de alguns de seus fenômenos, a transformar os objetos em seu contrário. A vida produz a morte. O calor não se compreende senão em função do frio. A sociedade sem classes produz a sociedade dividida em classes, que por sua vez produz uma nova sociedade sem classes. Mas é necessário distinguir a negação pura e a negação da negação, ou seja, a superação da contradição há um nível superior, que implica por sua vez em uma negação, uma conservação e uma elevação a um nível superior. A sociedade primitiva sem classes tinha um alto nível de coesão interna, precisamente em função de sua pobreza, de sua subordinação quase total as forças da natureza que consistia em sua contradição. Na sociedade socialista futura, esta negação será superada. Uma forma ainda mais elevada de domínio do homem sobre a natureza se combinará com uma forma igualmente elevada de coesão social e de cooperação, graças a então existência de uma sociedade sem classes.
5. Alguns problemas suplementares da dialética do conhecimento
Conteúdo e forma: Todo movimento toma forçosamente formas sucessivas as quais podem variar segundo um grande número de circunstanciais. Não pode desfazer-se automaticamente de qualquer maneira que tenha sido previamente adotada. Esta resistência deve romperse. A forma deve corresponder ao conteúdo, e corresponde até certo ponto. A sua natureza mais rígida opõe-se a tuda a correspondência absoluta e permanente a um moviemnto que é oposto a tudo que é rígido.
Um bom exemplo desta relação contraditória entre a forma e o conteúdo é o que oferece a dialética entre as relações de produção e as forças produtivas.
Para poderem desenvolver-se, as forças produtivas devem necessariamente inserir-se em certas formas de organização social humanas: as relações de produção escravagistas, feudais, capitalistas, etc. Desde logo, cada nova forma de organização do trabalho e da produção, superiores à forma anterior do ponto de vista da produtividade média do trabalho, estimula a expansão da forças produtivas. Mas, a partir de certo ponto, essa forma torna-se por sua vez um entrava a um progresso ulterior das forças produtivas. Deve, pois, ser destruída e substituída por um novo conjunto de relações de produção superiores, a fim de permitir um novo “salto a frente” do progresso material e intelectual da humanidade.
Causas e efeitos: Todo movimento se apresenta como uma cadeia que se entrelaçam causas e efeitos. A primeira vista, esta interações parecem fechadas, definidas. A causa do regime salarial é a apropriação privada dos meios de produção por uma classe social. Mas esse monopólio mantem-se como um efeito do regime salarial. Uma vez que os salários não permitem a aquisição de meios de produção por parte dos operários. O regime salarial produz a mais valia, apropriada pelo capitalista, transformando em propriedade burguesa dos meios de produção suplementares. E assim continuamente.
Para não nos perdermos, e caiemos em um ecletismo estéril, é necessário aplicarmos um método genérico, ou seja, buscar as origens do movimento em questão. Veremos deste modo, que o capital e a mais-valia são anteriores ao regime salarial, que nasceram fora da esfera de produção; que houve uma acumulação primitiva de capital, que rompe o círculo aparentemente fechado das causas e efeitos regime salarial – capital – regime salarial.
O geral e o particular: Cada movimento, cada fenômeno possuem características próprias, particulares. Todavia apesar destas particularidades, não podemos compreende-los ou explica-los sem levar em conta um quadro mais amplo, mais geral. O capitalismo britânico do século XIX não é igual ao capitalismo britânico da segunda metade do século XX, nem ao capitalismo americano de hoje em dia. Cada um deles representa uma formação social particular, com uma inserção particular na economia mundial que tanto mudou neste espaço de um século. Porém, nem o capitalismo britânico da época victoriana, nem o capitalismo britânico decadente de hoje nem o capitalismo americano contemporâneo podem ser compreendidos fora das leis gerais do desenvolvimento que marcam capitalismo. A dialética do “geral” e do “particular” não se conforma em combinar analises do “geral” e o “particular”. Também se esforça em explicar o particular em função das leis gerais, em modificar as leis gerais em função de um certo número de fatores particulares.
O relativo e o absoluto: Compreender o movimento, a mudança universal, é compreender a existência de uma infinidade de situações transitórias. “O movimento é a unidade da continuidade e da descontinuidade” (Hegel). Por isso, uma das características fundamentais da dialética é a compreensão da relatividade das coisas, é a recusa a erigir barreiras absolutas entre as categorias, é a investigação das mediações entre os elementos opostos. A evolução universal implica a existência de fenômenos híbridos, situações e casos de “transição” entre a vida e a morte, entre as espécies vegetais e animais, entre as aves e os mamíferos, entre os macacos e o homem – que tornam relativas as distinções entre estas categorias.
Contudo, a dialética tem sido muitas vezes utilizada de maneira subjetivista, como “arte de confundir” ou “arte defender paradoxos”. A diferença entre a dialética científica, instrumento de conhecimento real, e a dialética subjetivistica ou sofística, consiste particularmente em que a relatividade dos fenômenos e das categorias se torna, por sua vez, qualquer coisa de absoluto para os sofistas. Esquecem estes (ou fingem esquecer) que a relatividade das categorias é apenas uma relatividade parcial e não uma relatividade absoluta, e que é preciso por sua vez, relativizar a relatividade. A diferença “absoluta” entre a vida e a morte é contestada pela existência de situações transitórias, diz a dialética científica. Tudo é relativo, logo a diferença entre a vida e a morte não passa de muito relativa quando não inexistente, prossegue o sofista. Não, replica o dialético: há qualquer coisa de absolut e não somente de relativo na diferença entre vida e a morte. Do fato incontestável de haver múltiplas etapas intermediárias, não se pode tirar a bsurda conclusão que consiste emnegar que a morte permanece a negação da vida.
6. O movimento, função da totalidade – o abstrato e o concreto
Vimos que todo o movimento é sempre função de contradições internas do fenômeno ou do conjunto de fenômenos considerados. Cada fenômeno – seja uma célula vivia, um meio natural onde diversas espécies coabitem, uma sociedade humana, um sistema interplanetário ou um átomo – comporta, no entanto, uma infinidade de aspectos, de componentes, de elementos constitutivos. Estes elementos não se aglomeram uns com os outros de maneira eventual e constatemente modificada. Formam conjuntos estruturados, uma totalidade construída seguindo uma lógica determinada. Assim, no seio da sociedade burguesa, as relações mútuas e antagônicas entre o Capital e o Trabalho, de modo nenhum são eventuais. São determinadas pela obrigação econômica em que se encontra o assalariado de vender a sua força de trabalho ao capitalista, detentor dos meios de produção e de subsisitência, sob forma de mercadorias. Relações mútuas qualitativamente diferente daquelas, produziram outras sociedades fundadas sobre a exploração; mas não se tratava de sociedades capitalistas.
A dialética materialista deve pois abordar cada fenômeno, cada objeto de análise e de conhecimento, não apenas para disso determinar as contradições internas que determinam a sua evolução (as suas “leis de desenvolvimento”). Deve igualmente esforçar-se por abordar o fenômeno de maneira global, por evitar toda a aproximação unilateral, que isola de maneira arbitrária um ou outro aspecto particular da realidade, suprime, não menos arbitrariamente, um ou outro aspecto, e é, por esse fato, incapaz de apreender as contradições no seu conjunto e, logo, de compreender o movimento na sua totalidade.
Esta capacidade da dialética para integrar na sua análise o método “universalista” (Allseitigkeit, diz lenin em alemão e em russo), é um dos seus méritos principais. De resto, há praticamente sinonímia entre “lógica do movimento”, “lógica da contradição”, “lógica da totalidade”. É fechando os olhos perante certos elementos contraditórios do real, que aparecem como “tornando demaisado complexa” a análise, que alguns pensadores não-dialéticos vão do total ao parcial, expelindo, a um tempo, a contradição e a totalidade.
Evidentemente que é inevitável uma certa simplificação, uma certa “redução” da “totalidade” ao seus elementos constitutivos decisivos, como primeira tentativa de aproximação de toda a análise científica. Esta é, à partida, necessariamente abstrata. Mas é necessário ter presente que este inevitável processo de abstração empobrece o real; quando mais se aproxima do real. mais se aproxima de uma totalidade rica de uma infinidade de aspectos, que a análise científica e o conhecimento devem explicar, ao mesmo tempo, nas suas relações recíprocas e nas relações contraditórias: “A verdade é sempre concreta” (Lenin). “O verdadeiro é a totalidade” (Hegel).
A dialética é uma teoria, um instrumento do conhecimento. Historicamente, pode-se definir a dialética materialista como a teroria do conhecimento do proletariado ( o que em nada diminui o seu caráter objetivamente científico, que necessita uma verificação constante igualmente no terreno científico).
Toda a teoria do conhecimento é submetida a uma prova implcável: a prova da prática.
Em última análise, o próprio conhecimento não é um fenômeno separado da vida e dos interesses dos homens. É uma arma para a conservação da espécie, uma arma que permite aos homens dominar as forças da natureza, uma arma para compreender (mais tarde) as origens da “questão social” e os meios de as resolver. O conhecimento nasceu pois da prática social do homem; tem por função aperfeiçoar asta prática. A sua eficácia mede-se, em última análise, pelos seus efeitos práticos. A verificação prática permanece a melhor arma de última instâancia contra os sofistas e os céticos.
Isto não quer dizer que a teoria se dissolve num pragmatismo inepto, de vistas curtas. Muito freqüentemente, a eficácia prática, o caráter “verdadeiro” ou “falso” de uma hipótese científica não aparecem imediatamente. É preciso tempo, um certo recuo, novas experiências, uma série de sucessiva “provas da prática”, antes que o caráter científico de uma teoria se imponha efetivamente na prática. Prisioneiros das aparências de uma visão parcial e superficial do real, de uma visão temporária do processo histórico (que é, por seu turno, determinado em última instância pela ideologia de classes ou camadas sociais não revolucionárias), numerosos homens e mulheres podem duvidar, apesar das suas melhores intenções e convicções socialistas, uns do caráter burguês da democracia parlamentar, outros da necessidade da ditadura do proletariado, outros ainda da necessidade da vitória da revolução internacional para acabar a construção de uma sociedade realmente socialista na URSS, ou não importa qual outro país.
Mas no fim das contas, os fatos acabam por confirmar qual teoria foi realmente científica, quer dizer, capaz de apreender o real em todas as suas contradições, todo o seu movimento de conjunto, e quais hipóteses se encontram erradas, ou seja, capazes de apreender somente partes do real, isolando-os da totalidade estruturada, e por isso incapazes de apreender o movimento a longo prazo na sua dialética fundamental. A vitória da revolução socialista mundial, o advento de uma sociedade sem classes, confirmará na prática a validade da teoria marxista revolucionária.
Bibliografia
Fr. Engels – Ludwing Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã.
- Anti-Dühring – 1º parte.
Henri Lefebvre – Lógica formal, lógica dialética.
G. Plekanov – Questões fundamentais do marxismo
George Novack – Uma introdução a lógica do marxismo.
N. Boukharine – O materialismo histórico.
G. Luckács – História e consciência de classe (2 primeiros capítulos).
Parabenizo o blog pela seleção dos textos. Participo do Espaço Marx e faço doutorado. Os textos desse blog me são muito úteis.
ResponderExcluirDalva Helena de Medeiros